
O hype dos bonecos feiosos vai passar, mas o que deve durar é a tendência: marcas chinesas adoradas fora da China
No Fortune Global Forum no fim de outubro, a CEO da Hong Kong Exchanges and Clearing, operadora da bolsa de valores da cidade chinesa, compartilhou uma obsessão entre investidores.
“Está surgindo um fenômeno muito interessante, que chamamos de ‘novo consumo’”, disse Bonnie Chan ao público. Seu principal exemplo? “Uma coisa chamada Labubu.”
O boneco feio-fofo, vendido pela fabricante e varejista chinesa Pop Mart, é o item mais quente de 2025 e, como destacou Chan, evidência da nova tendência de consumidores chineses fazendo compras motivadas por emoção.
Clientes fizeram filas em lojas da Pop Mart em Pequim, Xangai e Hong Kong para comprar as bonecas. Celebridades como Rihanna, Lisa e Dua Lipa foram fotografadas com o brinquedo pendurado em suas bolsas.
A estrela do tênis Naomi Osaka exibiu com orgulho seus bonecos Labubu personalizados e cravejad0s de joias na TV, batizando-os de “Andre Swagassi” e “Billie Jean Bling”.
O caixa da Pop Mart disparou enquanto as bonecas Labubu se esgotaram ao redor do mundo. A varejista de brinquedos com sede em Pequim, conhecida por vender brinquedos por meio de “caixas surpresa”, registrou 13 bilhões de yuans chineses em receita (US$ 1,9 bilhão) nos primeiros seis meses de 2025, um aumento de mais de 200% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Os lucros cresceram ainda mais: a Pop Mart ganhou 4,5 bilhões de yuans (US$ 630 milhões) em lucro líquido, alta de quase 400%. Só o Labubu representou um terço das vendas. O impulso global foi tão forte que até o CEO Wang Ning admitiu que não consegue prever por quanto tempo ele vai durar.
As ações da loja de brinquedos subiram mais de 125% desde o início de 2025, tornando-se um dos papéis com melhor desempenho no índice de referência Hang Seng, de Hong Kong. A Pop Mart entrou no índice em setembro.
Mesmo após uma queda de 40% a partir do pico, o valor de mercado da Pop Mart, de US$ 37 bilhões, ainda é o de Hasbro, Mattel e Sanrio juntas. A alta das ações também elevou a riqueza do fundador da Pop Mart, Wang, que agora está na casa de US$ 18 bilhões, segundo a Bloomberg.
O hype do Labubu eventualmente vai passar, mas a Pop Mart claramente espera que sua fortuna não passe com ele. O que talvez dure mais é a tendência de consumo por trás do Labubu: a propriedade intelectual chinesa e as marcas locais adoradas por esta geração de consumidores estão ganhando força fora da China, finalmente consolidando a segunda maior economia do mundo como uma potência cultural global.
Wang Ning, nascido em 1987, fundou a Pop Mart em 2010, após um breve período trabalhando no setor de tecnologia na China.
A primeira loja foi em Zhongguancun, um bairro de Pequim conhecido por suas empresas de tecnologia. Wang citou as máquinas gachapon do Japão — estações onde crianças giram um botão para receber um brinquedo aleatório — assim como a rede varejista Log-on, de Hong Kong, como inspirações para a Pop Mart.
Há também um elemento de sorte na Pop Mart. Os clientes não compram brinquedos diretamente. Em vez disso, compram uma caixa surpresa que contém um brinquedo mistério, como um boneco Labubu.
Algumas variantes são mais raras do que outras. É um modelo de negócios que incentiva o cliente a tentar a sorte — talvez várias vezes — para conseguir uma versão rara. E ele é feito sob medida para as redes sociais, conforme criadores aproveitam o mistério para atrair seguidores.
No início, a Pop Mart vendia brinquedos baseados em propriedade intelectual de empresas como a Disney. Mas logo mudou para vender brinquedos baseados em designs que ela própria possuía.
“Molly”, uma série de figuras de meninas de olhos grandes criadas pelo artista de Hong Kong Kenny Wong, foi o primeiro grande sucesso da Pop Mart. Depois veio Labubu, criado por outro artista de Hong Kong, Kasing Lung, que desenvolveu a criatura em 2015 como parte de “The Monsters”, uma série inspirada no folclore nórdico.
“Primeiro a Pop Mart identifica uma propriedade intelectual, depois transforma essa propriedade intelectual em um momento cultural, e então constrói um ecossistema de mídia para impulsioná-la”, diz Ashley Dudarenok, fundadora da ChoZan, uma consultoria que ajuda marcas estrangeiras a se promoverem na China. “Eles são mais antropólogos culturais do que fabricantes de brinquedos.”
A Pop Mart está embarcando em uma rápida expansão global, com mais de 570 lojas na Europa, América do Norte, Sudeste Asiático e Oriente Médio. Ela gera 40% de sua receita fora da Grande China, acima dos menos de 25% registrados um ano antes.
No verão, analistas associaram a febre do Labubu a uma tendência que se espalha entre os jovens da China: o consumo “emocional” ou “novo”. A ideia é que jovens urbanos, frustrados com poucas opções de carreira e baixa mobilidade social, estão gastando em hobbies e pequenos prazeres — em vez de grandes bens, como uma casa.
A Pop Mart não é a única beneficiada. A joalheria chinesa Laopu Gold subiu mais de 150% no ano. A marca de cosméticos Mao Geping subiu 57%.
“São as compras discricionárias que estão criando esse cenário de consumo explosivo na China, porque é aí que as pessoas realmente podem expressar sua personalidade”, observa Amber Zhang, sócia da empresa chinesa de pesquisa BigOne Lab.
No passado, consumidores poderiam ter comprado uma marca estrangeira; agora, preferem marcas locais que melhor se alinham aos seus valores culturais. “As pessoas estão comprando porque pensam: ‘Ei, isso é uma ótima expressão da minha personalidade, e não importa que não tenha um logo [estrangeiro]’”, diz Zhang.
A China, apesar de seu tamanho e rica história, sempre desempenhou um papel menor do que poderia na cultura global. Japão e Coreia do Sul, por outro lado, são potências culturais — o Japão com anime e videogames; a Coreia com dramas, música pop e cosméticos.
Mas agora os tesouros acessíveis que consumidores chineses desejam estão encontrando audiência fora do país também. Videogames chineses, como Genshin Impact, da miHoYo, e Black Myth: Wukong, da Game Science, conquistaram bases globais de fãs, com o último batendo recordes de jogadores.
Ne Zha 2, uma animação do estúdio chinês Beijing Enlight Pictures, é o filme de maior bilheteria do mundo neste ano, com quase US$ 2 bilhões arrecadados (a maioria na China).
Cheng Lu, CEO da CreateAI, uma plataforma chinesa de IA generativa para animação e videogames, afirma que custos mais baixos permitem aos produtores chineses “colocar mais conteúdo no mercado”.
Marcas chinesas de bebidas também estão entrando em mercados internacionais. A Luckin Coffee, a marca de chá bubble tea Chagee e a rede de sorvetes Mixue estão se expandindo para o Sudeste Asiático, Leste Asiático e Estados Unidos.
Até cosméticos chineses estão começando a ganhar espaço em um mercado dominado por marcas japonesas e coreanas, graças a produtos acessíveis e marketing digital agressivo.
“Você sabe como as redes sociais são enlouquecidas na China?”, disse Malina Ngai, CEO da rede de saúde e beleza AS Watson, sediada em Hong Kong, à Fortune em setembro. “Quando elas vão para fora da China, imediatamente ultrapassam muitas marcas quando se trata de redes sociais, narrativa e endossos.”
Zhang não se surpreende com a ascensão global da China. “A China agora tem uma enorme base populacional que está ao mesmo tempo enraizada no país, mas também exposta ao mercado global”, diz ela, citando os muitos chineses que já viveram, trabalharam e estudaram no exterior.
“Eles sabem como a China funciona, e sabem como o mundo funciona — e agora têm a oportunidade de criar e combinar algo que possa ressoar não apenas com os chineses, mas também com um público mais amplo.”
A mania do Labubu diminuiu desde o frenesi do verão. Investidores estão cautelosos com a queda nos preços de revenda dos bonecos, um sinal de popularidade em declínio. Eles estão claramente nervosos.
No início de novembro, a mídia chinesa compartilhou uma conversa gravada secretamente com um vendedor da Pop Mart que disse que as caixas surpresa da empresa são caras demais. A Pop Mart perdeu quase US$ 2,2 bilhões em valor de mercado naquele dia.
Ainda assim, alguns analistas estão otimistas de que a Pop Mart é mais do que apenas Labubu. “Acreditamos que a Pop Mart ainda esteja em uma fase de crescimento ao levar seus produtos para o mundo, e que seus pares relevantes devem ser grandes empresas globais de propriedade intelectual, como Lego, Sanrio e Jellycat”, escreveram analistas do HSBC no fim de outubro, rejeitando paralelos com a bolha dos Beanie Babies nos anos 1990.
“A questão agora é: pode a Pop Mart — além do Labubu, além da Molly — fazer a transição para ser um estilo de vida?”, questiona Dudarenok.
A Pop Mart está experimentando filmes e tem um parque temático, mas, segundo ela, ainda não está claro se a empresa pode fazer a maior parte de sua receita a partir de “lifestyle” — e não depender tanto de um brinquedo peludo, sorridente e com aparência de Iéti (ou Abominável Homem das Neves).
Fonte: InfoMoney
