
Ao lado dos freezers com ofertas de pizzas, batatas palito e nuggets congelados, as bancas de roupas à esquerda de quem entra na loja do Sam’s Club, na avenida Rudge, zona central de São Paulo, chamam a atenção. Pilhas desordenadas de calças, camisas polo, camisetas e bermudas da marca americana Levi’s estão em promoção. É possível levar para casa uma calça da marca por R$ 199, na quinzena do “Especial Jeans”. O preço normal é R$ 269.
Uma pechincha, comparado ao valor cobrado nas lojas da Levi’s nos shoppings, onde uma calça jeans custa em média R$ 500, mas pode chegar a R$ 1.299. Longe de se preocupar com uma possível canibalização das vendas (com os itens mais baratos tirando um naco do consumo dos mais caros), a Levi’s é uma entusiasta das ofertas do Sam’s Club.
“Não queremos ser uma marca de luxo. Somos premium devido à qualidade dos produtos, mas também queremos oferecer itens acessíveis para todos, somos uma marca democrática”, disse à reportagem Dario Aguilar, vice-presidente da Levi’s para a América Latina. Segundo ele, no Sam’s, do grupo Carrefour, o preço das calças fica entre US$ 40 (R$ 217) e US$ 50 (R$ 271).
De acordo com a consultoria Euromonitor International, a Levi’s é a marca de calça jeans mais vendida no mundo. No Brasil, ocupa o primeiro lugar entre as marcas premium (à frente de Diesel e Calvin Klein, por exemplo), mas cai para a 8ª posição no ranking na venda geral de calças jeans. No mercado nacional, a americana perde espaço para marcas próprias de grandes redes de varejo como Renner, C&A, Riachuelo e Pernambucanas, que oferecem calças jeans entre R$ 100 e R$ 200.
O mercado de calças, bermudas e shorts jeans no país é robusto, mas não dá saltos. Somou R$ 30 bilhões em 2024, quando vendeu 214 milhões de peças, uma ligeira alta de 2,2% em relação a 2023, segundo a Euromonitor. Para este ano, a previsão é de crescimento de 2% em volume e 8,5% em valor (um aumento puxado pelo reajuste de preços).
Neste cenário de vendas estáveis, em que a disputa entre as marcas se torna mais acirrada, a Levi’s precisa se mexer. O Brasil está entre os 10 maiores mercados da companhia, presente em cerca de 120 países. Em 2024, a Levi Strauss & Co. faturou US$ 6,3 bilhões (R$ 34,5 bilhões), alta de 2,9% sobre 2023. O lucro caiu 15,6%, para US$ 210,6 milhões (R$ 1,1 bilhão).
No balanço dos nove meses encerrados em 31 de agosto, as vendas cresceram 5,5% para US$ 4,5 bilhões (R$ 24,5 bilhões), e o lucro disparou 15 vezes, para US$ 420 milhões (R$ 2,3 bilhões), graças a itens não recorrentes, como a venda da sua marca Dockers nos Estados Unidos e no Canadá.
Apesar da aposta em grandes redes como o Sam’s Club (onde não é possível provar as peças), a estratégia da companhia no mundo está concentrada em aumentar a venda direta ao consumidor, por meio de lojas próprias, franquias e comércio eletrônico, de olho na rentabilidade. Nesses espaços, onde vende itens mais exclusivos, as vendas globais cresceram 11% nos primeiros nove meses e já representam 49% do total, frente a 46% do ano anterior. A meta é atingir 55% até 2030.
“A Levi’s começa a focar mais nas lojas para melhorar o relacionamento com o consumidor, ouvi-lo e entender o que ele precisa, para oferecer exatamente o que ele quer”, diz Aguilar. No Brasil, a empresa tem 98 lojas, cerca de 70 delas franquias.
O plano para 2026 é abrir entre 8 e 10 pontos de venda e atingir 130 lojas até 2030, sempre mantendo a proporção de 70% operadas por terceiros. “Vemos potencial para continuar crescendo no país”, afirma o executivo, que estima um aumento de 18% nas vendas deste ano.
Outra estratégia em nível global é centrar o foco nas consumidoras. “A Levi’s sempre foi uma marca muito masculina, principalmente nos Estados Unidos, onde os homens respondem por cerca de 70% das vendas”, diz o executivo. “Queremos atrair mais mulheres”.
São elas quem mais consomem moda e compram tanto para si mesmas quanto para outros membros da família -uma característica essencial na nova fase da empresa, capitaneada pela executiva Michelle Gass desde o ano passado. A marca deseja ir além do jeans e ser reconhecida como uma grife de estilo casual. No Brasil, diferentemente do resto do mundo, o público feminino é o principal consumidor de Levi’s, respondendo por 55% das vendas.
Em setembro do ano passado, a marca contratou a cantora Beyoncé como sua garota-propaganda, para estrelar a campanha “Reiimagine”. Seis meses antes, a diva pop havia lançado a canção “Levii’s Jeans”, em parceria com o rapper Post Malone.
A marca que nasceu em 1853 na Califórnia, quando o imigrante judeu da Bavária Loeb “Levi” Strauss transformou rolos de lona em calças resistentes para mineiros, agricultores, vaqueiros e ferroviários, se tornou icônica. Algum tempo depois, ele adaptou a invenção para um tecido de algodão sarjado, bastante resistente. Mais tarde, Strauss tingiu o tecido com o corante de uma planta chamada índigo: estava criado o jeans azul.
Hoje, os descendentes do fundador são os acionistas majoritários da empresa. No entanto, a Levi Strauss & Co. não é dona de nenhuma fábrica: a última foi fechada nos Estados Unidos em janeiro de 2004, no Texas. A companhia conta com a fabricação de terceiros, são cerca de 150 em todo o mundo, em especial na Ásia. A produção vem de países como China, Bangladesh, Camboja e Paquistão, que enfrentam o tarifaço imposto pelo governo do americano Donald Trump.
Aguilar diz, no entanto, que o efeito tem sido pontual. “Não dependemos de uma grande quantidade de produtos de um único país. Na verdade, menos de 5% da produção global vêm da China”, diz ele, ressaltando que a companhia também fabrica na Turquia, no México e na Colômbia. Do que é consumido no Brasil, metade é fabricado no país, por uma confecção de Sorocaba (SP).
“Garantimos que todos os procedimentos, todos os padrões de qualidade, seguem as determinações da companhia, que monitora as operações também sob o ponto de vista legal e trabalhista”, diz. No Brasil, a Levi’s fechou a sua fábrica em Cotia (SP) em 1998.
Na América Latina, o país apresenta o segundo maior crescimento da Levi’s, diz o executivo, só atrás do Chile, que deve avançar 25% este ano. “Os argentinos vão comprar Levi’s no Chile de mala”, diz Aguilar. Ficam animados com os preços muito mais baratos que os da Argentina, que vive nova crise econômica.
Fonte: FolhaPress