
Os consumidores que entraram no cadastro positivo tiveram uma redução de juros de até 8,7% em relação aos tomadores de crédito pessoal que ficaram fora do banco de dados, em um movimento liderado por bancos privados.
A descoberta é de um estudo recém-divulgado pelo Banco Central, que avaliou os impactos sobre taxas de juros de uma lei de 2019 que transformou o mercado ao incluir automaticamente todos os clientes (com exceção dos que solicitaram o contrário) no cadastro positivo.
O resultado da disponibilização de dados de 100 milhões de clientes, contra 6 milhões anteriores, foi uma percepção de menor risco pelo setor bancário, aumento da competição e taxas menores.
Para determinar o alcance dos efeitos da mudança, os pesquisadores do BC compararam os juros das operações de crédito pessoal dos clientes que foram incluídos no cadastro quando a legislação foi aprovada em relação aos que demoraram a entrar no banco de dados por razões operacionais.
A conclusão foi que, em média, os juros se reduziram em 3,7% para os que passaram a fazer parte do cadastro positivo. Para a faixa de clientes com as maiores altas em seus scores de crédito após a mudança, a redução foi de quase 9%. Entre os que tiveram piora no score de crédito, houve aumento nos juros, de 1,4% em média.
A queda nas taxas foi liderada pelos bancos privados _para os bancos públicos, não houve alterações relevantes nas taxas. Segundo o estudo, os resultados indicam que os bancos privados, mais ágeis e focados em resultados do que os públicos, se adaptaram mais rapidamente à divulgação de novos scores.
“A disponibilidade dos scores positivos para qualquer potencial credor eleva a competição, pressionando os bancos a baixarem as taxas para reter seus clientes atuais ou atrair novos”, apontam os pesquisadores José Renato Ornelas, Raquel de Freitas Oliveira e Ricardo Schechtman.
Em um cenário em que todas as instituições financeiras passaram a ter acesso a históricos detalhados de grande parte dos brasileiros, os juros se reduziram em 5,8% para novos clientes, o que indica que a competição desempenhou um papel importante nesse processo. Para clientes de longa data dos bancos, a queda foi menor, de 2,5%.
“O mercado passou a usar um óculos melhor para determinar o risco de crédito”, define Danilo Coelho, diretor de dados e analytics da Quod, birô de crédito formado pelos cinco maiores bancos. “Passou a ser possível enxergar gradações, todos os tipos de crédito que o consumidor já tomou, se foram pagos em dia, se não. Isso trouxe possibilidade de redução de juros.”
A possibilidade de uso de informações positivas para determinar risco de crédito, como histórico de pagamentos de empréstimos, existe desde 2011. Mas a participação era facultativa, ou seja, o consumidor precisava tomar a iniciativa de compartilhar seus dados.
Isso mudou com a nova legislação, que incluiu 100 milhões de consumidores no cadastro positivo _atualmente, já são 178 milhões de registros, segundo a ANBC (Associação Nacional dos Bureaus de Crédito).
Elias Sfeir, presidente da entidade, diz que se antes os birôs de crédito enxergavam apenas a inadimplência (informações negativas), o uso massivo do histórico de pagamentos permitiu acesso a um retrato mais realista na hora de determinar o risco de calote de um cliente.
“Por décadas, o Brasil viveu a cultura do negativado. O negativo pega apenas um fato, a inadimplência, mas o positivo pega o histórico, o comportamento do consumidor ao longo do tempo”, diz Sfeir. “O negativo é fotografia, o positivo é um filme. Houve uma mudança cultural.”
De acordo com a entidade, em junho de 2022, de cada 100 pessoas que saíam do cadastro positivo, 45 voltavam. Esse número aumentou para 94 agora.
“Toda a vez que as avaliações melhoram, a inadimplência se reduz, e quando isso acontece, as taxas de juros caem”, afirma Sfeir. “A nota de crédito de 78% dos consumidores subiu após a liberação das informações positivas.”
Dados de um outro levantamento, da Serasa Experian, ajudam a explicar os efeitos do cadastro positivo sobre o crédito. Os números mostram que a possibilidade de uma pessoa negativada ter acesso a empréstimos passou de 0,5% para 8,5%, uma alta de quase 18 vezes.
“Ao conhecer melhor seu cliente, e perceber, por exemplo, que ele teve uma negativação mas que na maior parte do tempo é um bom pagador, o credor tem mais segurança para conceder crédito”, afirma Eduardo Mônaco, vice-presidente de crédito e plataformas da Serasa Experian. “Isso se traduz em políticas mais eficientes, menor risco de inadimplência e, consequentemente, juros mais baixos.”
Nos últimos anos, o cadastro vem sendo refinado, com a inclusão de uma quantidade cada vez maior de dados não bancários, como contas de energia e telecomunicações.
O próximo desafio do setor é um acordo com empresas de saneamento para ter acesso ao histórico de pagamento de contas de água, o que adicionaria 55 milhões de registros ao sistema, e contas de gás encanado, com outros quatro milhões de registros.
“Vamos montando um filme mais completo”, diz Coelho. “Tem cliente que nem é bancarizado, mas conta de luz e água, a maior parte das pessoas tem. E o Brasil é muito grande, essa informação tem importância regionalizada também.”
Um outro objetivo dos birôs de crédito é incorporar um número maior de MEIs (microempreendedores individuais) no cadastro, o que está em estudo pela ANBC em conjunto com o Banco Central e outras entidades. “Hoje entre 93% a 94% das grandes empresas já estão no cadastro positivo, mas no caso das MEIs, apenas 18,5%. É um desafio ampliar essa participação”, afirma Sfeir.
Fonte: FolhaPress