
Termômetro da saúde fiscal de um país, a relação entre a dívida pública e o PIB do Brasil, hoje em 76,6%, deve ultrapassar 80% em 2026 e permanecer pelo menos uma década acima desse patamar, em meio a juros altos e rombos persistentes nas contas públicas.
O cenário é do Tesouro Nacional, e sinaliza obstáculos cada vez maiores ao crescimento econômico, que deve ser limitado nos próximos anos pela bagagem de um endividamento crescente.
Um estudo do Banco Mundial ajuda a explicar o problema. A partir de dados de 101 países, pesquisadores concluíram que, quando a relação dívida/PIB ultrapassa os 64% em países emergentes, estes passam a ter um potencial menor de crescimento.
A partir desse patamar, a cada 1 ponto percentual a mais de dívida, a atividade econômica é reduzida em 0,02 ponto percentual, em média.
“A dívida pública, mantida em um patamar elevado por muito tempo, sufoca e retira potencial de crescimento”, aponta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “De forma simples, é só pensar na situação de uma família que tem um endividamento constante e que compromete boa parte da renda.”
Pela metodologia do FMI (Fundo Monetário Internacional), que inclui a dívida na carteira do Banco Central e que é a levada em conta no levantamento do Banco Mundial, essa relação já está em 89,9%.
“As projeções do FMI já indicam, para 2025, um patamar 18 pontos percentuais superior à média dos emergentes e 20 pontos superior à média da América Latina”, diz o especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Ele explica que a relação dívida/PIB costuma ser usada para comparar a situação financeira de diferentes países. Ela indica o quanto um país deve em relação ao tamanho de sua economia, e a probabilidade de cada governo pagar suas dívidas.
Quando o percentual é baixo, é um sinal que a economia está gerando ganhos suficientes para pagar por seus empréstimos. Os investidores ficam mais confiantes na capacidade de pagamento, e os juros cobrados tendem a ser menores.
Quando essa relação é elevada, como no caso brasileiro, a confiança nessa previsibilidade de pagamento se reduz, e os juros tendem a subir.
Mas a régua é diferente para países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Japão, que possuem dívidas acima de 100% e 200% do PIB, respectivamente. Isso porque são nações que arrecadam muito e possuem taxas de juros muito menores, o que faz com que suas dívidas sejam consideradas sustentáveis ao longo do tempo.
Não é caso do Brasil. Salto estima que a dívida deve se elevar mesmo que haja medidas para ajustar as contas públicas nos próximos anos, como cortar pela metade emendas parlamentares, mudança do cálculo do mínimo da saúde e educação e corte de um quarto dos benefícios tributários, entre outros.
O economista da Warren projeta que a dívida pública/PIB alcançará 93% (pela metodologia do BC) em 2030 mesmo se essa série de ajustes fiscais acontecer. Nesse cenário, o mais otimista, a dívida recuaria a 88% do PIB apenas em 2034. O Tesouro Nacional projeta um percentual menor, de 83,2%, no mesmo ano.
“O problema é a combinação venenosa de juros reais estratosféricos com baixo esforço fiscal”, afirma Salto. “Esse quadro revela que será preciso providenciar um programa de ajuste fiscal mais estrutural o quanto antes, o que provavelmente acontecerá somente a partir de 2027”, diz, se referindo ao período pós-eleições presidenciais.
A dívida chegou a atingir 89% do PIB em outubro de 2020, auge da pandemia de coronavírus, mas caiu ao longo de 2021 e 2022 influenciada pela forte alta na arrecadação (por causa da disparada da inflação) e pela redução de despesas.
Samuel Pessôa, pesquisador do BTG Pactual e do FGV/Ibre e doutor em economia, aponta que um dos aspectos mais nocivos de uma elevada relação dívida/PIB é o fato de refrear investimentos.
“Se os juros são altos, qualquer atividade intensiva em capital fica muito cara”, afirma. “É moradia, toda infraestrutura, habitação, portos e aeroportos, tudo isso é intensivo em capital. Nesse cenário, é muito difícil o país melhorar. A Índia, por exemplo, já é melhor que o Brasil em saneamento básico.”
Ele lembra que a arrecadação atual, que vem batendo recordes históricos, mascara o déficit público. “O déficit público está meio mascarado, ele é ainda maior do que o atual. Certamente estamos no auge do ciclo econômico, com a menor taxa de desemprego da história. Mas isso não é sustentável”.
Para explicar porque a relação dívida/PIB é particularmente nociva no caso Brasil, Pessôa toma o caso do Japão, país com endividamento muito elevado mas juros baixos.
“O Japão é uma sociedade em que o setor privado poupa muito. Isso se expressa em uma pressão deflacionária permanente, juros muito baixos, com uma certa dificuldade de se manter a economia aquecida a plena capacidade”, diz. “Por isso, para compensar, o setor público gasta muito.”
O especialista aponta que o Brasil é um exemplo oposto. “Somos uma das sociedades que menos poupam, e portanto onde os juros são muito elevados e a dívida pública é alta. Mesmo assim, o setor público também gasta muito.”
O patamar da dívida pública brasileira é tão elevado que as projeções do Tesouro apontam que o espaço para as despesas livres, que já é limitado, pode se esgotar totalmente nos próximos cinco anos, comprometendo o funcionamento da máquina pública.
“Quando temos um endividamento muito elevado, boa parte do Orçamento fica comprometido. Sobra muito pouco para investimento”, aponta Agostini.
Fonte: FolhaPress