Economia
Quinta-feira, 17 de julho de 2025

Por que o Pix virou alvo de Trump? Entenda alegações e incômodo de Zuckerberg

Um dos grandes sucessos no Brasil, o Pix virou um dos motivos da última investida do governo dos Estados Unidos representado por Donald Trump contra o Brasil.

O sistema de pagamentos foi citado de forma indireta, mas significativa, em documento que embasa a investigação comercial aberta pelo Escritório da Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR – na sigla em inglês) a pedido do presidente dos EUA.

O documento argumenta que o Brasil “parece se engajar em uma série de práticas desleais com relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a favorecer seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”. A frase remete diretamente ao Pix, criado pelo Banco Central e hoje dominante no mercado nacional.

Ao incluir o Pix no pacote de reclamações, o governo Trump se apoia em um incômodo antigo da Meta, atualmente aliada do presidente americano: a decisão do Banco Central, em 2020, de barrar o lançamento do WhatsApp Pay no Brasil.

À época, o serviço da empresa de Mark Zuckerberg, seria o primeiro meio de pagamentos embarcado diretamente em um aplicativo de mensagens, mas foi interrompido dias depois do anúncio oficial, sob alegações de risco à concorrência e à estabilidade do sistema financeiro.

A suspensão do WhatsApp Pay foi vista como um gesto de precaução pela autarquia, mas, nos bastidores, gerou desconforto na Meta e em outras empresas americanas. O argumento era que, ao impedir o serviço de avançar, o governo estaria protegendo o desenvolvimento do Pix, que ainda dava seus primeiros passos.

O bloqueio durou meses. Quando o WhatsApp Pay foi finalmente liberado, em 2021, já era tarde: o Pix havia se tornado um sucesso de adoção nacional, deixando pouco espaço para concorrência.

O descontamento antigo da Meta volta à medida que as gigantes da tecnologia se aliaram a Trump. Zuckerberg, que não tinha a simpatia do republicano, renovou a aliança pouco antes da posse do republicano. No evento, além de fundador da Meta, Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Elon Musk (X e Tesla) e Tim Cook (Apple) foram destaque no palco de cerimônia.

Agora, o episódio retorna em novo contexto: desta vez como munição em uma ofensiva mais ampla contra decisões soberanas do Brasil na área digital.

A ofensiva contra o Pix se soma às recentes tensões entre o governo brasileiro e o setor de tecnologia dos EUA. Entre elas, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que alterou a interpretação do Marco Civil da Internet, ampliando a responsabilidade das plataformas sobre conteúdos ilegais, mesmo sem ordem judicial. Também estão no radar as proposta de regulação da inteligência artificial e as novas diretrizes do Brics sobre soberania digital.

Autoridades do governo brasileiro também avaliam que a inclusão do Pix no rol das investigações do governo dos Estados Unidos sobre práticas comerciais do Brasil foi motivada por lobby das grandes bandeiras de cartão de crédito, Mastercard e Visa, e não deve avançar.

Pressão das ‘big techs’

Um grande grupo de lobby financiado pelas Big Techs dos Estados Unidos (EUA) – que tem como membros Google, Meta, Microsoft, Amazon, Uber, Apple, Pinterest e E-Bay –, está ligado à ameaça de Donald Trump de investigar práticas comerciais do Brasil. A investigação foi anunciada junto à decisão de aumentar as tarifas de importação de produtos brasileiros.

É a CCIA, sigla em inglês para Associação da Indústria de Computadores e Comunicações (Computer & Communications Industry Association). Apenas alguns minutos depois de Trump anunciar na rede Truth Social o seu tarifaço contra o Brasil, o grupo publicou uma nota aplaudindo a iniciativa.

“A CCIA saúda a atenção da administração em relação às barreiras do Brasil contra exportações digitais dos EUA por meio de uma investigação deliberativa sob a Seção 301 sobre os prejuízos causados por tratamento discriminatório […]. Esperamos que essas medidas tragam alívio para as operações do setor no Brasil e reestabeleçam um comércio aberto e justo entre esses dois importantes parceiros”, diz o texto.

A Seção 301, que a CCIA cita, é um mecanismo da Lei de Comércio dos EUA de 1974, que permite investigar práticas comerciais desleais e impor penalidades. Trump usou essa seção para ordenar uma investigação contra o Brasil.

No final de 2024, a CCIA elaborou um mapeamento de todas as ações que o Executivo e o Legislativo brasileiro tomaram e que iriam contra os interesses das Big Techs. O relatório foi apresentado ao Departamento de Comércio em outubro de 2024 – será justamente um representante desse departamento, Jamieson Greer, quem vai conduzir a investigação determinada por Trump usando a seção 301.

Nesse relatório, o grupo de lobby pede que o governo dos EUA monitore, questione e atue contra uma variedade de medidas tomadas no Brasil, desde a suspensão da rede X, de Elon Musk, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e até as “taxas das blusinhas”, a Lei 14.902/2024, que estabeleceu taxação de compras internacionais de produtos que custam até 50 dólares.

Pedido de investigação comercial sobre o Brasil

Após o tarifaço de 50% anunciado na semana passada, o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abriu uma investigação sobre políticas comerciais do Brasil, em mais um capítulo da investida americana contra o país.

“Por orientação do presidente Trump, estou iniciando uma investigação com base na Seção 301 sobre os ataques do Brasil contra empresas americanas de mídia social, bem como outras práticas comerciais desleais que prejudicam empresas, trabalhadores, agricultores e inovadores tecnológicos dos EUA”, afirmou o embaixador Jamieson Greer, representante Comercial dos EUA.

A investigação tem como objetivo apurar se políticas ou práticas adotadas pelo governo brasileiro prejudicam ou restringem o comércio bilateral e também cita “retaliações” contra empresas digitais por “não censurar discurso político”; “tarifas preferenciais mais baixas para certos parceiros comerciais”, como Índia e México, prejudicando as exportações dos EUA”; o “fracasso na implementação de medidas anticorrupção e de transparência” e para “conter o desmatamento ilegal”; falta de proteção efetiva dos direitos de propriedade intelectual; e tarifas contra o etanol dos Estados Unidos.

“Sob o comando do presidente Donald Trump, eu abri uma investigação sobre os ataques do Brasil às redes sociais americanas, bem como sobre outras práticas comerciais injustas que prejudicam companhias, trabalhadores, fazendeiros e inovadores tecnológicos americanos”, afirmou Greer em nota.

A medida é fundada na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que autoriza o governo a adotar medidas tarifárias e não tarifárias contra países que imponham restrições ou práticas consideradas danosas às empresas dos EUA.

O documento também critica o Brasil por restringir a “transferência de dados pessoais” de cidadãos para os Estados Unidos e cita até a Rua 25 de Março, epicentro do comércio popular em São Paulo, para questionar o combate do país à pirataria.

“O Brasil se envolve em uma variedade de atos, políticas e práticas que aparentemente negam a proteção e a aplicação adequadas e eficazes dos direitos de propriedade intelectual. A região da Rua 25 de Março permanece há décadas como um dos maiores mercados para produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização direcionadas a essa área”, ressalta o relatório.

Fonte: IstoéDinheiro