
Argumentando que é preciso deixar passado colonial para trás, governo nacionalista de Narendra Modi tem desincentivado uso do inglês. Mas favorecimento do idioma hindi tem incomodado estados da índia que não usam línguaO ministro do Interior da Índia, Amit Shah, afirmou recentemente que as pessoas que falam inglês no país asiático “em breve se sentirão envergonhadas”.
Ele também incentivou as pessoas a falarem o seu idioma materno com orgulho. “Acredito que as línguas do nosso país são as joias da nossa cultura. Sem nossas línguas, deixamos de ser verdadeiramente indianos”, disse.
Ele ainda enfatizou que a Índia deve exercer uma liderança global por meio de suas próprias línguas, em vez de usar o inglês.
As declarações de Shah fazem parte de um esforço coordenado do governo do primeiro-ministro Narendra Modi para dar cada vez mais prioridade ao hindi em detrimento do inglês nos atos oficiais.
Normas do governo já exigem o uso do hindi em comunicados oficiais, documentos, tribunais e concursos, especialmente em estados onde o idioma é falado, com o objetivo de fortalecer o papel do hindi e reduzir a dependência do inglês.
Um país, 22 idiomas oficiais
A pressão do governo federal para aumentar a importância do hindi, no entanto, provoca controvérsia, sobretudo em estados onde não se fala o idioma.
A língua é um assunto delicado na Índia, país mais populoso do mundo, onde seus 1,4 bilhão de habitantes falam uma mistura de mais de cem línguas e milhares de dialetos.
A Índia não tem uma única “língua nacional”. Em vez disso, conta hoje com 22 idiomas oficiais. No nível federal, tanto o hindi como o inglês são designados como línguas oficiais, enquanto alguns estados adotaram uma ou mais línguas regionais como suas línguas oficiais.
As divisas dos estados também são traçadas principalmente de acordo com as línguas faladas.
O hindi é o idioma mais falado, com mais de 43% da população (mais de 528 milhões de pessoas) capazes de se comunicar nessa língua, segundo o último censo realizado em 2011. Em seguida, vêm o bengali, o marata, o télugo e o tâmil.
“Ao contrário dos Estados-nações do Ocidente, que são em sua maioria monolíngues, a Índia adota várias línguas oficiais, refletindo sua rica diversidade linguística, da qual surge essa tensão”, disse Dwaipayan Bhattacharya, professor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Délhi.
Inglês como “legado colonial”
O Partido Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro Modi, há muito tempo faz campanha pela promoção do hindi.
Prafulla Ketkar, editor da revista Organizer, porta-voz da Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), organização ideológica do BJP, disse: “O inglês, como legado colonial, deve ser substituído pelas línguas indianas. O hindi serve como meio de comunicação com a União sem prejudicar outras línguas, pois todas as línguas indianas têm importância nacional”.
Embora o BJP insista que deseja promover todas as línguas nativas indianas – e não apenas o hindi –, suas tentativas para expandir o uso do hindi têm sido controversas, e críticos acusam Nova Délhi de tentar impor o idioma aos estados que não o falam.
Em particular os estados do sul, cujas línguas não têm muito em comum com o hindi, resistem à promoção do hindi.
“O hindi é tão estrangeiro para os estados que não falam hindi quanto o inglês”, disse Samuel Asir Raj, sociólogo e ex-professor da Universidade Manonmaniam Sundaranar em Tirunelveli.
No estado de Maharashtra, no leste do país e comandado pelo BJP, o governo local chegou a anunciar recentemente que os alunos mais jovens aprenderiam hindi como terceira língua. Mas uma forte reação o levou a revogar a medida.
Escolas viram instrumento na disputa sobre identidade
No estado de Tamil Nadu, no sul do país, o ministro-chefe (cargo equivalente ao de governador) MK Stalin está envolvido em uma disputa acirrada com o governo federal de Modi sobre política linguística.
O conflito gira em torno da Política Nacional de Educação (NEP) da Índia, introduzida pela primeira vez em 1968 e atualizada pelo governo Modi em 2020.
A política original previa um sistema de três idiomas. Os estados de língua hindi no norte da Índia tinham que ensinar hindi, inglês e um terceiro idioma indiano moderno na escola, preferencialmente algum falado nos estados do sul. Os estados que não falam hindi, por sua vez, ensinariam o idioma regional, hindi e inglês. No entanto, a política não era vinculativa, e alguns estados mantiveram o ensino de apenas dois idiomas.
Quando foi atualizada em 2020, a NEP manteve a fórmula de três idiomas, mas ofereceu mais flexibilidade para os estados escolherem os três idiomas. No entanto, estabeleceu que pelo menos dois dos idiomas devem ser nativos da Índia, embora o hindi não seja obrigatório.
O estado de Tamil Nadu se opôs à política, pois queria continuar ensinando apenas dois idiomas às crianças em idade escolar: tâmil e inglês. E interpretou o plano de três idiomas como uma tentativa de impor o hindi ao estado.
Preocupações sobre o federalismo e identidade cultural também alimentam a resistência. “A oposição do sul da Índia à NEP não é sobre o hindi em si, mas sobre o governo central usar a política para se apropriar culturalmente de sua identidade”, disse o sociólogo Samuel Asir Raj.
O hindi pode substituir totalmente o inglês?
Apesar da pressão do governo Modi pelo hindi, o uso do inglês na Índia continua generalizado, incluindo na educação, nos negócios e nos tribunais, mesmo nas regiões onde se fala hindi.
As pessoas em todo o país consideram o aprendizado do idioma fundamental para a mobilidade econômica e social. Elas enviam cada vez mais seus filhos para escolas de ensino médio em inglês, na esperança de que isso os ajude a obter acesso a empregos melhores e mais bem remunerados.
Nesse contexto, é improvável que o hindi substitua completamente o inglês na Índia em um futuro próximo.
Por outro lado, o hindi tem se espalhado por todo o país nos últimos anos, graças à indústria cinematográfica hindi, ou Bollywood, que popularizou o idioma em áreas onde ele não é originalmente falado. A migração das regiões do norte, onde se fala hindi, para os estados do sul também contribuiu para essa disseminação.
O professor Dwaipayan Bhattacharya disse que o “forte apoio financeiro” do governo Modi ao hindi “cria uma sensação de imposição”.
Ele pediu um diálogo entre Nova Délhi e os governos estaduais para pôr fim às disputas linguísticas. “Unidade não deve significar uniformidade imposta pelo Estado. Embora isso possa provocar oposição regional, não levará a um grande conflito. No fim, o diálogo e o compromisso entre o centro e os estados são essenciais para resolver essas tensões.”
Fonte: Deutsche Welle