No Mundo
Quarta-feira, 16 de julho de 2025

Como os países têm negociado tarifaço com Trump e as “lições” para o Brasil

Esforços de negociação adiaram ou limitaram taxas mas, de modo geral, foram insuficientes para evitar novas ameaças dos EUA

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma série de tarifas, que devem entrar em vigor em 1º de agosto. As 25 cartas enviadas até agora substituem as tarifas anunciadas durante o “Liberation Day”.

Naquele primeiro momento, a maior parte dos países da América Latina recebeu a tarifa mínima de 10%, inclusive o Brasil. A exceção foi para Guiana (38%), Nicarágua (18%) e Venezuela (15%).

O México, por outro lado, havia conseguido suspender as tarifas de 25% que Trump prometeu impor no dia em que tomou posse.

Diante das ameaças, a presidente mexicana Claudia Sheinbaum disse que estava pronta para retaliar as tarifas, mas manteve as negociações com os EUA.

A postura rendeu ganhos na aprovação da líder mexicana, que chegou a 80% em fevereiro, e elogios de Trump. Ao anunciar o acordo para adiar as tarifas, em março, ele escreveu na Truth Social: “Fiz essa acomodação em respeito à presidente Sheinbaum”.

Em troca pela suspensão das taxas, Claudia Sheinbaum prometeu enviar 10 mil soldados da Guarda Nacional para fronteira e trabalhar com os EUA para reduzir os fluxos de imigrantes e drogas que atravessam para o território americano.

O acordo apenas postergou a tarifa, que entrou em vigor para os produtos não contemplados no USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá), que substituiu o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte).

As negociações continuaram, entre as idas e vindas de Donald Trump. Até que o país foi surpreendido pela carta, que anunciava tarifas de 30%.

O ministro da economia Marcelo Ebrard disse que o México foi informado sobre a decisão enquanto representantes do governo estavam nos EUA, em reunião com autoridades americanas, para discutir o impasse comercial.

Na carta publicada na Truth Social, Trump reconheceu que o “México tem ajudado a proteger as fronteiras”. Disse, no entanto, que não foi o suficiente e cobrou mais ações contra os cartéis, que “tentam transformar a América do Norte em um playground do narcotráfico”.

O país ainda busca um acordo até 1º de agosto, quando as tarifas entram em vigor, mas Claudia Sheinbaum manteve o tom firme. Ela rejeitou que o governo não fizesse o suficiente para conter o crime organizado.

“Nós fazemos a nossa parte e eles também precisam fazer a deles”, disse Sheinbaum. “Insistimos em questões relacionadas ao controle do fluxo de armas dos EUA para o México, na prisão de pessoas envolvidas no tráfico de drogas nos EUA e nas responsabilidades que pertencem aos Estados Unidos”.

Vizinho da fronteira norte, o Canadá

Mais ao norte, o Canadá foi alvo de ameaças parecidas no âmbito comercial: tarifas de 25%, anunciadas na posse sob o pretexto de forçar o país a conter o tráfico de fentanil, e 35% previstas em carta publicada na plataforma Truth Social.

Até o momento, no entanto, os Estados Unidos só aplicaram taxa de 10% sobre o setor energético canadense.

“Para líderes do México e Canadá é interessante enfrentar Donald Trump enquanto mantêm postura pragmática nas negociações”.Maurício Santoro, cientista político

O impasse, contudo, não é apenas comercial. Donald Trump falou repetidas vezes em anexar o Canadá e transformar o país no 51º estado americano.

O resultado foi o sentimento nacionalista, que ganhou força entre os canadenses e mudou o curso da última eleição. O Partido Liberal, que estava prestes a sofrer uma derrota histórica após dez anos no poder, conseguiu eleger Mark Carney como primeiro-ministro.

O economista de formação se posicionou contra as ameaças de Donald Trump e derrotou o conservador Pierre Poilievre, que costumava ser comparado ao líder republicano.

No poder, Mark Carney tentava negociar um acordo comercial com os Estados Unidos, quando Trump publicou a carta que anunciava a tarifa de 35%. Mais uma vez, o presidente americano citou o tráfico de fentanil, embora o país represente apenas 0,2% das apreensões da droga na fronteira.

Carney reafirmou o compromisso em trabalhar com os EUA para interromper o fluxo de fentanil. Ao mesmo tempo, prometeu defender o Canadá e suas empresas nas negociações comerciais.

“México e Canadá são países que têm uma economia muito voltada para os EUA. E o que Donald Trump pedia eram coisas relativamente simples, como o maior controle das fronteiras”, observa o cientista político Maurício Santoro.

“Para esses líderes era interessante se apresentar como alguém que enfrenta Trump, mas que aceita negociar a fazer algumas concessões, em uma postura pragmática”, acrescenta o analista.

Tarifas como instrumento de pressão política

Outro país da região que entrou na mira dos Estados Unidos foi a Colômbia. O presidente Gustavo Petro protagonizou uma discussão pública com Donald Trump, após se recusar a receber voos com imigrantes deportados.

Trump anunciou taxas de 25%, que poderiam chegar a 50%, sobre os produtos colombianos. Petro ameaçou retaliar com tarifas sobre as importações americanas, mas acabou recuando. Segundo as pesquisas mais recentes, a aprovação do presidente colombiano não chega a 30%.

“As tarifas viraram não só um instrumento de política comercial, mas também uma maneira de Donald Trump pressionar outros países a fazerem o que ele quer, a atuarem que acordo com o que está na agenda dos EUA”, afirma Maurício Santoro.

Lições para o Brasil

No caso brasileiro, analistas ouvidos pela CNN destacam que as negociações são mais difíceis. Trump sobretaxou os produtos brasileiros em 50%, citando o processo contra o aliado Jair Bolsonaro e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre redes sociais.

“Trump está se opondo ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. E esse processo corre no Supremo Tribunal Federal, que é um poder autônomo. É um processo que corre independente do governo brasileiro”, destaca Santoro.

O analista afirma que dos três pontos de tensão na relação com Trump – o processo contra Bolsonaro, as redes sociais, e o Brics – esse último é o único que compete ao governo. Mas esse alinhamento ao bloco dos emergentes é um pilar da política externa de Luiz Inácio Lula da Silva.

O professor de Relações Internacionais da FGV Vinícius Vieira concorda que a tarifa ao Brasil é sem precedentes. “A demanda [de Donald Trump] é impossível de cumprir. Bolsonaro é julgado pelo Poder Judiciário, que é independente. [Atender a essa exigência] seria uma afronta a própria ideia de soberania do país”, afirma.

O analista defende que o Brasil precisa agir de forma técnica ao calibrar a reação às tarifas, que devem entrar em vigor a partir de 1º de agosto. E destaca que caráter político da medida dificulta das negociações.

“Foi claramente uma ação política, até porque o Brasil já vinha negociando as tarifas”, afirma Vinícius Vieira.

“Por meio do Itamaraty, do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e do vice-presidente Geraldo Alckmin, o Brasil havia se mostrado disposto a negociar, considerando cenário anterior em que o aço e o alumínio foram penalizados e o Brasil recebeu tarifa de 10%”, conclui.

Fonte: CNN