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Quinta-feira, 26 de junho de 2025

Socialista emerge de primária democrata em NY como figura nacional e preocupa ala moderada do partido

Um jovem deputado estadual do Queens de 33 anos, muçulmano com visões progressistas e críticas à postura de Israel na guerra contra o Hamas em Gaza, emergiu nesta quarta-feira (25) como uma figura nacional com potencial de chacoalhar o Partido Democrata nos EUA.
Zohran Mamdani declarou nesta terça-feira (24) vitória nas primárias democratas para concorrer à Prefeitura de Nova York neste ano. Segundo os resultados ainda não oficiais, venceu o ex-governador do estado Andrew Cuomo, figura importante do partido e ligada a uma ala mais tradicional e centrista que inclui o ex-presidente Bill Clinton e a ex-candidata à Presidência Hillary Clinton.
Mamdani, por sua vez, teve o respaldo de líderes da ala socialista democrata, como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez.
Seu desempenho logo despertou debates sobre o futuro dos democratas. De um lado, há a discussão se daí pode sair uma renovação. Do outro, republicanos já o tacham de radical.
O presidente Donald Trump afirmou que o Partido Democrata “cruzou a linha” e que Mamdani é “100% um lunático comunista”. A pecha de extremista é um dos motivos pelos quais alguns democratas já expressaram publicamente a oposição ao deputado estadual.
Mamdani teve na primeira fase da contagem 44% dos votos contra 36% de Cuomo. O resultado oficial da primária só deve ser divulgado em 1º de julho, depois de uma nova contagem de cédulas feita para que um dos concorrentes atinja 50% dos votos.
Cuomo, porém, já assumiu a derrota e parabenizou Mamdani. Pela votação prévia, dificilmente o deputado estadual não será escolhido candidato. Se eleito prefeito, será o primeiro muçulmano a comandar a maior cidade dos EUA. O candidato democrata enfrentará o atual prefeito, Eric Adams, que concorre como independente. Cuomo também ainda tem a opção de concorrer como independente.
Mamdani nasceu em Kampala, capital de Uganda, na África, e aos sete anos mudou-se para Nova York com os pais, cujas famílias têm origem indiana.
Filho de um professor de Columbia e de uma diretora de cinema, ele tornou-se cidadão americano em 2018. Naquela época, antes de ingressar na política, trabalhava como conselheiro habitacional. Uma das suas funções era auxiliar moradores de baixa renda do Queens a evitarem ser despejados.
Ele formou-se em estudos africanos pela Bowdoin College. Ali, criou um grupo de defesa da Palestina, uma das bandeiras que ergueu na sua campanha a prefeito. Naquela época, também flertou com a carreira de cantor de rap, que começou em 2010. Intitulou-se primeiro como Young Cardamom e depois como Mr. Cardamom.
Em 2020, foi eleito deputado estadual. A sua descrição no site da Assembleia diz que Zohran “buscará amplificar as vozes dos que preferencialmente não são ouvidos, tanto no distrito quanto em todo o estado”.
Analistas apontam que o deputado se sobressaiu com um discurso focado em necessidades da população e com domínio das redes sociais, pelas quais conseguiu se conectar com os jovens, marcando uma mudança geracional.
A plataforma de Mamdani é ousada. Inclui ônibus gratuitos por toda a cidade; uma rede de supermercados públicos, geridos pela prefeitura, para baratear preços; o congelamento do preço de aluguéis para enfrentar um dos grandes problemas da cidade, o elevado custo habitacional; e a promoção de mais moradias com valores acessíveis.
Mamdani também prevê ampliar impostos sobre aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão por ano. Não se limitou aos temas internos: condenou a ação de Israel em Gaza, que classificou de genocídio tanto em comícios como em vídeos -tema que divide o Partido Democrata. Cuomo posicionou-se a favor de Israel.
“Ótimo exemplo de até onde se pode chegar quando se baseia genuinamente uma campanha, de forma envolvente, na questão que os eleitores consistentemente dizem nas pesquisas ser a mais importante para eles”, disse David Shor, consultor político e ex-estrategista da campanha de Barack Obama, em suas redes sociais.
A mensagem foi acompanhada de um vídeo no qual o deputado estadual conversa com um vendedor de um carrinho de comida e diz haver uma “inflação do halal”, em referência à comida permitida pelas leis islâmicas e muito vendida nas ruas de Nova York. “Arroz com frango agora custa US$ 10 ou mais. É hora de o halal custar US$ 8 de novo”, brincando com o slogan de Trump. “Faça a América grande de novo”.
Adversários apontam para a inexperiência administrativa e a pouca atuação legislativa. Segundo o New York Times, de cerca de 20 projetos de lei que ele apresentou, só três se tornaram lei.
Na madrugada desta quarta (25), Mamdani discursou em um terraço no Queens, prometendo impedir a ação de agentes mascarados do ICE (órgão de imigração dos EUA) e repetindo temas de campanha, como garantir ônibus grátis. “Uma vida de dignidade não deve ser reservada para poucos afortunados”, afirmou.
Se sua escolha pode soar como uma expectativa de renovação do Partido Democrata, derrotado nas eleições presidenciais com Kamala Harris, ela também será explorada pelos republicanos como sinal de radicalismo.
“Já tivemos Esquerdistas Radicais antes, mas isso está ficando um pouco ridículo. Ele parece TERRÍVEL, sua voz é irritante, ele não é muito inteligente. Sim, este é um grande momento na História do nosso País!”, escreveu Trump nas redes sociais.
Em tom irônico, o vice-presidente, J. D. Vance, postou na rede social BlueSky: “Parabéns ao novo líder do Partido Democrata”. O Comitê Nacional Republicano do Congresso foi na mesma linha e disse que ele é um “radical antissemita”.
Em Wall Street, a recepção tampouco foi das melhores. Mamdani fez campanha com a ajuda de voluntários contra um adversário que teve o apoio de bilionários. O ex-prefeito Michael Bloomberg e outros grandes empresários endossaram o ex-governador. Segundo o Wall Street Journal, investidores tentaram articular a derrota de Mamdani nas primárias, e há quem prefira apoiar Eric Adams, o atual prefeito.

Fonte: FolhaPress