Negócios
Sexta-feira, 13 de junho de 2025

Emissão histórica de ações da Gol pode gerar “ilusão contábil” entre investidores

Nova estrutura entra em vigor a partir de amanhã e, com o atual preço das ações, pode gerar a sensação de que o valor de mercado vai aumentar

Como etapa final de sua saída do Chapter 11 (processo semelhante à recuperação judicial nos EUA), a Gol anunciou a emissão de quase 9 trilhões de ações — que deve se tornar a maior já registrada na história da B3. A nova estrutura entra em vigor a partir de amanhã (12), mas, embora o volume astronômico possa passar a impressão de que a empresa se tornará mais valiosa, na prática o impacto não é bem esse.

O movimento resultará em uma diluição de 99,8% para os acionistas atuais, com a emissão de 8,2 trilhões de ações ordinárias e 968 bilhões de preferenciais. Ao contrário da atual cotação próxima de R$ 1, os papéis serão oferecidos a preços simbólicos: R$ 0,0002857142 por ação ordinária e R$ 0,01 por preferencial. No total, o aumento de capital da Gol somará R$ 12,03 bilhões.

“O investidor vê ação perto de R$ 1 hoje e acha que tem chance de dobrar de valor. Mas não percebe que ela está prestes a despencar, porque vai ter que se ajustar ao novo preço base, que será de centavos”, alerta Welliam Wang, gestor da AZ Quest. “É como ter um carro de R$ 20 mil e, no dia seguinte, esse mesmo carro valer R$ 100”.

O gestor frisa que a Gol continua endividada, queimando caixa e, mesmo após o processo de reestruturação, ainda tem um valuation elevado em relação às concorrentes. Isso porque a dívida da companhia representa mais de 5,4 vezes o EBITDA, enquanto pares operam com múltiplos menores. 

“Só a dívida da Gol já vale a empresa inteira. É um valuation completamente comprometido”, diz Wang.

B3 exige negociação em lotes 

Com a nova precificação, a B3 interveio para evitar movimentos especulativos. A partir de amanhã (12), os tickers antigos (GOLL3 e GOLL4) serão substituídos por GOLL53 e GOLL54, e os papéis passarão a ser negociados apenas em lotes de 1.000 unidades.

“Se fosse permitido negociar por unidade, a ação ficaria travada em R$ 0,01, e qualquer variação positiva daria uma falsa impressão de ganho. Isso abriria espaço para manipulação e especulação”, afirma Wang. 

A decisão da B3 teve como principal objetivo proteger os investidores, especialmente os de varejo, que devem ser os mais afetados pela mudança. Isso ganha ainda mais relevância diante do perfil acionário da Gol, que hoje é amplamente pulverizado, com mais de 100 mil CPFs entre os detentores de papéis da companhia.

Nesse contexto, o cenário pode remeter ao caso das Lojas Americanas, quando uma grande parcela de investidores pessoa física sofreu perdas significativas após o colapso das ações. “A história pode se repetir — e não faz tanto tempo que ela aconteceu”, alerta Wang.

Formato da emissão

Com a emissão, a Abra, controladora da Gol, deve assumir cerca de 80% do capital da companhia. Para o gestor da AZ Quest, a operação foi necessária diante do processo de reestruturação, mas poderia ter sido conduzida de forma mais clara.

“Por que não ajustar o valor para R$ 10 e reduzir proporcionalmente a quantidade de papéis? Seria mais simples e compreensível para todos”, sugere. Ele também chama atenção para o perfil dos acionistas da empresa. Muitos têm valores modestos investidos — entre R$ 100 e R$ 1.000. 

Com a nova estrutura, manter a mesma participação exigirá um aporte de aproximadamente R$ 2.800. “Nem todo mundo tem esse dinheiro disponível de imediato para acompanhar a subscrição”, destaca Wang.

Fonte: InfoMoney