
Discussões sobre mudanças no PAT ganharam força após a alta da inflação dos alimentos, que colocou o governo em alerta
Mal a ideia de realizar o pagamento do vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA) por meio do Pix surgiu, o governo precisou voltar atrás. Ainda que as discussões tenham partido da ala econômica, visando reduzir os impactos da inflação dos alimentos, o risco de desvio de finalidade do benefício levou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a descartar a ideia. Agora, o foco está na redução das taxas cobradas pelas operadoras.
De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), esse percentual pode variar entre 3,5% e 4,5% — já que ele é definido livremente pelas operadoras. Mesmo assim, o desconto não ocorre diretamente no bolso do trabalhador na hora da compra, mas recai sobre os estabelecimentos comerciais.
Ao InfoMoney, Lúcio Capelletto, diretor-presidente da associação, explica que a taxa cobrada é estática, independentemente de flutuações inflacionárias. Por isso, se o preço de um produto sobe, o percentual da taxa continua o mesmo, só que o valor pago por restaurantes, bares e supermercados às empresas de benefícios acompanha essa alta.
“Não faz o mínimo sentido pensar que a taxa esteja impactando a inflação dos alimentos, nem que seja a responsável por dificultar a alimentação dos trabalhadores. Eles pagam pelo que consumiram, não havendo acréscimo pelo pagamento ser em VR ou VA.”— Lúcio Capelletto, diretor-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT)
VR no Pix seria o fim do PAT?
Para a ABBT, que representa 95% das empresas de benefícios no país, mudar a forma como o vale-refeição e o vale-alimentação são pagos pode levar ao fim do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Isso porque os empregadores — sobretudo pequenos negócios — perderiam o incentivo para conceder o benefício, que é facultativo.
“A extinção do programa deixaria ‘órfãos’ 23 milhões de brasileiros com renda de até cinco salários mínimos, que representam 86% dos beneficiários”, diz Capelletto. Além disso, ele aponta que o recebimento em dinheiro permitiria que o benefício fosse utilizado para fins não alimentícios, incluindo a compra de bebidas alcoólicas, cigarro, ou até mesmo a realização de apostas esportivas. “Basta observar o que ocorreu recentemente com o Bolsa Família e as bets.”
Do ponto de vista jurídico, a avaliação é de que a proposta iria contra a própria Lei 6.321/76, que instituiu o PAT. “A legislação exige que o vale-refeição seja fornecido por meio de convênios com estabelecimentos alimentícios, e não em dinheiro”, afirma Diego Gonçalves, advogado trabalhista do escritório Benício Advogados.
Segundo ele, para legitimar o pagamento em dinheiro por meio do Pix, seria necessário alterar a lei para permitir expressamente o repasse do benefício em espécie e definir, de forma clara, que o valor pago em espécie não integra o salário.
“Esse modelo deveria seguir lógica semelhante à do vale-transporte (Lei 7.418/85), que estabelece regras claras para seu pagamento e limita sua natureza salarial.”— Diego Gonçalves, advogado trabalhista do escritório Benício Advogados
Implicações fiscais e tributárias
Especialistas em Direito do Trabalho ainda ressaltam que fazer o pagamento do VR e do VA por meio do Pix poderia transformar esses benefícios em salário in natura — que não são pagos em dinheiro, mas são considerados legalmente como parte do ordenado —, com impactos significativos em encargos trabalhistas, previdenciários e até mesmo tributários.
“Isso acarreta reflexos automáticos em férias, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), previdência social (INSS) e demais encargos trabalhistas e previdenciários”, alerta Gonçalves.
Junto a isso, a forma de pagamento por Pix também pode afetar a tributação. Sérgio Pelcerman, sócio da área trabalhista do escritório Almeida Prado & Hoffmann, afirma que, ao ser pago em dinheiro, o benefício pode ser considerado rendimento tributável, sujeito à incidência do Imposto de Renda.
“A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é clara ao afirmar que valores pagos com habitualidade e sem controle de uso configuram parcela salarial, nos termos do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).”— Sérgio Pelcerman, sócio da área trabalhista do escritório Almeida Prado & Hoffmann
Com isso, trabalhadores que hoje não recolhem imposto sobre o benefício poderiam ter a renda líquida reduzida, enquanto as empresas também perderiam os incentivos fiscais relacionados à adesão ao PAT — como a dedução de até 4% do imposto de renda devido.
Fonte: InfoMoney