
A Atlas Renewable Energy inaugurou nesta quinta-feira (24) um dos maiores parques de sistemas de armazenamento de energia elétrica da América Latina. A empresa instalou 200 MW (megawatts) em baterias no deserto do Atacama, onde está a maior geração de energia solar no Chile.
O país é um dos maiores produtores desse tipo de energia da América Latina e, ao contrário do Brasil, já tem regulamentação nacional para a instalação desses sistemas de armazenamento, conhecidos como BESS.
As baterias da Atlas estão acopladas a um parque solar na cidade de María Elena, em Antofagasta. Os sistemas instalados armazenarão 800 MWh (megawatts-hora) entre 11h e 15h e injetarão essa energia na rede elétrica entre 20h e 00h, justamente quando não há mais geração de energia solar.
Essa ação é importante porque, em alguns períodos do dia a geração é tamanha, que as linhas de transmissão não conseguem escoar toda a energia, obrigando o operador do sistema a cortar parte da geração o mesmo acontece no Brasil. O armazenamento, portanto, permite ao gerador gerenciar a quantidade de energia escoada ao longo do dia e vender, em outros momentos, a carga que poderia ter sido cortada durante a tarde
O crescimento de fontes intermitentes, aliás, estaria por trás da falha que deixou quase todo o Chile no escuro no final de fevereiro, segundo alguns analistas que acompanham o tema. O mesmo teria motivado o apagão de 2023 no Brasil.
“É muito cedo para formular hipóteses, mas a aspiração é que tecnologias como as baterias, que podem se adaptar muito rapidamente às mudanças na demanda, possam fornecer maior controle de frequência”, disse o ministro de Energia do Chile, Diego Pardow Lorenzo.
No parque da Atlas no Chile, os sistemas armazenarão todos os dias energia e a Atlas a venderá para a Copec Emoac, empresa chilena do setor de energia e combustíveis. Parte dessa energia é usada em ônibus elétricos da região.
Apesar de estarem a poucos metros de centenas de placas solares (com capacidade instalada de 240 MW), os BESS instalados recebem energia diretamente da rede, o que permite às baterias armazenar eletricidade mesmo em períodos de pouco sol. A conexão entre os sistemas e as placas solares se dá apenas para que alguns componentes elétricos das baterias funcionem.
Com a instalação desse projeto, o Chile fica bem próximo de atingir a meta de 2 GW de capacidade instalada de baterias até janeiro de 2026 (esse valor já foi projetado, anteriormente, para 2030). Hoje, com o parque da Atlas, o país tem 1,15 GW de BESS instalados, e há outros projetos na fila.
“Conseguimos antecipar em cinco anos a meta do nosso país, e isso foi possível devido a fatores fora do nosso controle, como a queda do preço das baterias. Mas também conseguimos simplificar o processo de licenciamento e acelerar a regulamentação do sistema de armazenamento, incluindo como ele opera, quando é despachado e em que condições”, afirma o ministro.
A falta de regulamentação desses sistemas é um dos principais entraves para o avanço dessa tecnologia no Brasil, que ainda não tem nenhum grande projeto do tipo em operação.
O país vive hoje com uma série de cortes de energia no Nordeste do país e no norte de Minas Gerais que poderiam ser evitados se os geradores tivessem baterias como as instaladas no Chile nesta quinta. Mas executivos das empresas de energia renovável dizem que, sem diretrizes sobre como esses aparelhos devem funcionar no país, dificilmente alguma companhia instalará os sistemas em seus parques solares ou eólicos.
“O Chile tem hoje a legislação mais avançada do continente, então tem muita coisa que pode ser levada para o Brasil”, afirma Luis Pita, diretor comercial global da Atlas, que também é a maior geradora de energia solar do Brasil. “Pense que no Brasil só com solar e eólica e tirando a geração distribuída há 40 GW e, no Chile, que tem muito menos (cerca de 13,5 GW), a projeção dos próximos 5 anos é ter 5 GW de baterias.”
Segundo ele, ao contrário do que alguns executivos do setor defendem, a demanda por esses sistemas no Brasil pode crescer apenas com o mercado livre, modelo em que geradoras de energia negociam diretamente com empresas consumidoras. “A tradição brasileira é começar com leilões públicos, mas com uma regulação robusta, não se precisará”, afirma.
No Chile, não houve demanda pública. Ainda assim, o governo brasileiro já demonstrou interesse em abrir um chamado neste ano para contratar esses sistemas, embora nunca tenha revelado quando, de fato, o leilão ocorrerá e quanto de energia será contratada. Já a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) prometeu publicar uma regulamentação inicial sobre o tema até maio.
“O principal de tudo é ter a regulamentação; não basta ter o sinal econômico se você ainda não tem o regramento de como despachar e as regras do operador do sistema”, afirma Fábio Bortoluzo, gerente-geral da Atlas no Brasil. Ele defende que a regulamentação da Aneel trate de várias funções das baterias, inclusive acopladas aos geradores. No maior piloto existente no Brasil, os sistemas estão acoplados a uma subestação de transmissão.
Como a Folha mostrou na semana passada, fabricantes nacionais desses sistemas estão ansiosos para o aumento da demanda. Mas é provável que parte das primeiras baterias a serem contratadas no Brasil venham do mercado chinês, hoje capaz de oferecer produtos mais baratos.
Os sistemas instalados no Chile, por exemplo, foram fornecidos pela chinesa Sungrow, que compra as células de baterias da também chinesa CATL e monta na própria China os BESS. Curiosamente, a região de Antofagasta está cercada de mineradoras de cobre e lítio, minerais essenciais para a confecção de baterias e outros aparelhos do sistema elétrico. Como no Brasil, porém, as mineradoras exportam a matéria-prima para multinacionais de países ricos, que revendem mercadorias de maior valor agregado para os sul-americanos.
Fonte: FolhaPress