Economia
Quarta-feira, 26 de março de 2025

Para inflação baixar, BC não pode ser ator solitário, diz Gustavo Loyola

Gustavo Loyola presidiu duas vezes o Banco Central. Na última delas, entre 1995 e 1997, comandou o BC em um  dos períodos mais marcantes da história econômica brasileira, quando houve a reestruturação do sistema financeiro brasileiro após a quebra dos bancos Nacional e Bamerindus. Hoje sócio da consultoria Tendências, Loyola avalia que, apesar do choque de juros, a inflação só deverá convergir para a meta em 2026. Em sua análise, o ciclo de alta da taxa Selic está perto do fim, com juros de 15,25% este ano.

O ex-presidente do BC defende a elevação dos juros como a forma de o Banco Central tentar evitar que a expectativa de mais inflação acabe retroalimentando o IPCA, índice de preços usado como referência pelo governo. Nesta entrevista ao PlatôBR, ele elogia a atuação até agora da nova diretoria do BC, comandada por Gabriel Galípolo, mas entende que o mercado ainda tem dúvidas se, “no contexto em que está, o BC será capaz de levar a inflação para meta”.

Para Loyola, apesar de a autoridade monetária ser protagonista na luta para frear a escalada dos preços no Brasil, o BC “não pode ser visto como ator solitário”. A credibilidade da política monetária, argumenta, também depende do ministro da Fazenda e do presidente da República.

A escolha da ministra Gleisi Hoffmann para a coordenação política foi ruim, na sua percepção, por retomar a discussão se o Banco Central voltará a ser alvo de crítica como na época em que ela era presidente do PT. Loyola diz que o presidente Lula, ” não é mais o mesmo” e que o mercado se divide entre os que questionam se a gestão Lula-3 será igual à Lula-1 ou ao governo Dilma Rousseff, criticada pela expansão de gastos, falta de confiança dos investidores, alta de inflação, desaceleração econômica, intervenção estatal e manobras contábeis.

Loyola afirma que Lula está “mais populista” e que “declarações desastrosas” contribuem para o afastamento do mercado. “Exemplo: se o preço dos alimentos não cair, vamos adotar medidas drásticas. O que quer dizer medida drástica? Esse tipo de declaração não é boa”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Copom sinalizou nova alta dos juros para maio, foi uma decisão acertada para o momento atual?
Foi acertada. Não surpreendeu. Ele já havia anunciado que viria 1 ponto percentual nesta reunião e o mercado já estava precificando nova alta em maio. Estamos nos aproximando do final do ciclo de alta e é natural que o BC dê passos mais lentos até chegar no seu objetivo. Uma boa notícia é que o câmbio está mais bem comportado e isso tira pressão de alta em alguns produtos. Por outro lado, a economia continua relativamente aquecida e o governo está adotando medidas fiscais e creditícias que vão na direção contrária ao que o BC pretende. A alta dos juros é para arrefecer a demanda. O governo quer aquecer a economia. Isso faz com que a dose de juros que o BC precise aplicar seja maior do que se ele contasse com ajuda da política fiscal.

O que indica que estamos mais próximo do final do ciclo de alta?
Estamos chegando num nível de juros reais alto e suficiente para fazer a inflação voltar para a meta ao longo de certo horizonte. Mas economia não é engenharia. Podem vir imprevistos dos dois lados: choque positivo ou negativo. A maior previsão que vi no mercado é de uma Selic a 16% ao ano. Acredito que vá a 15,25% , se não houver surpresas, e já estamos com uma taxa de 14,25%.

O que poderia piorar o cenário?
Um choque de câmbio ou de oferta que fizessem a inflação subir mais.

Parte da alta da inflação atual é importada com a alta do ovo, a do café é mundial. Isso será combatido com juros altos?
Na prática, o BC não tem controle sobre essas variáveis [externas] diretamente, mas que ele olha os efeitos derivados desse choque na inflação que geram inércia inflacionária. E, no Brasil, a inércia ainda é relativamente alta. O BC tem que reagir para evitar que esse choque deixe de ser transitório para se incorporar na trajetória de inflação futura.

O BC está com dificuldade para ancorar as expectativas do mercado e isso vem se traduzindo em projeções mais elevadas. Essa inércia já não está incorporada?
A base teórica do regime de metas de inflação tem a ver com expectativas. Se os agentes econômicos esperam que a inflação será mais alta, ela acaba sendo mesmo. O que está acontecendo é isso. Além disso, há uma certa dúvida se, no contexto que temos hoje, o BC será capaz de, naquele horizonte das previsões, levar a inflação para a meta. E isso tem a ver com a política fiscal.

Expectativas do mercado têm um peso maior hoje do que já teve no passado? Pesquisa recente com economistas mostra que eles acreditam que ainda é cedo para avaliar se o BC está sendo técnico ou político…
As expectativas são menos positivas agora do que em outras ocasiões por uma confluência de fatores: i) medo da interferência política no BC, que veio dos ataques do presidente Lula ao ex-presidente [do BC] Roberto Campos Neto; ii) o fato de  Galípolo ser uma escolha de Lula, o que poderia sinalizar gestão mais política do que técnica; iii) as incertezas externas trazidas da gestão Donald Trump; e iv) a questão fiscal. Nesse momento, é importante o BC mostrar  que age tecnicamente. Até agora, a nova equipe tem mantido a mesma política da gestão anterior. O BC está fazendo o trabalho dele direito. Quem não está fazendo direito, é o resto do governo. Não significa que não haja esforço. O ministro Fernando Haddad e sua equipe sabem da necessidade de melhorar a questão fiscal, mas dentro de um contexto complicado de governo. A própria escolha da Gleisi Hoffmann para fazer a coordenação política mostra isso.

Por que? A escolha foi ruim?
Ela era presidente do PT e falava mal do BC. Agora, é uma ministra de Estado. Qual vai ser o grau de influência dela no presidente Lula à medida que o tempo passa e as eleições se aproximam? O governo já está tomando medidas populistas para melhorar a avaliação. Será que o BC vai virar alvo novamente? Tudo isso o mercado pondera na trajetória de expectativas.

É correta a crítica do governo de que há má vontade do mercado financeiro com o presidente Lula?
É muito forte essa ideia. Havia divisão das expectativas no mercado: o Lula-3 vai ser igual ao Lula-1 ou vai ser igual ao governo Dilma? O presidente Lula está demonstrando que não é mais o mesmo de 2003. É outra figura. Mais populista. As próprias declarações desastrosas do presidente contribuem para esse afastamento. Exemplo: se o preço dos alimentos não cair, vamos adotar medidas drásticas. O que quer dizer medida drástica? Esse tipo de declaração não é boa.

O BC está mirando inflação no centro da meta (3%) ou no teto (4,5%)?
A convergência para 3% vai demorar um pouco, só em 2026. Não vejo como acontecer este ano. O BC pode dosar a velocidade de retorno. Juros de 15% a 15,5%, ao longo do tempo, são capazes de fazer a inflação voltar para 3%. Não acho que o BC mire o teto da banda. Se houver essa percepção, aí que as expectativas não convergiriam mesmo. Na transição do Alexandre Tombini para o Ilan Goldfajn, o mercado não acreditava que a inflação iria para a meta porque a ideia era que a nova meta era o teto da banda. Veio o Ilan , no governo Temer, e as expectativas convergiram. O Ilan não aumentou juros, só diminuiu. A credibilidade não era só do BC. Era do Henrique Meirelles, na Fazenda, e de toda equipe. O BC é importante nesse contexto, mas não pode ser visto como ator solitário no processo desinflacionário. A fonte de perda de credibilidade da política monetária pode ser do BC, quando não reage à altura, ou pelo ceticismo que vem do comportamento do governo como um todo, que faz de tudo para anular os efeitos da política monetária.

É isso que acontece, hoje?
Basicamente é isso. São medidas que o governo adota que vão na direção contrária daquilo que o BC está fazendo para gestão de demanda e, também, há o déficit fiscal.

Muito analistas já falam que, com essa taxa de juros, haverá dois trimestres consecutivos de queda no PIB, uma recessão técnica, em 2025. O senhor acredita nisso?
É uma possibilidade, sim. Não é a minha projeção, mas não é algo que podemos descartar, apesar de ainda haver um carregamento de parte do crescimento de 2024 para estimular a economia em 2025

Quais são os sinais: crescimento mais baixo no quarto trimestre de 2024 e o endividamento das famílias?
O IBC-Br de janeiro [ prévia do PIB] veio alto. Por isso, há duvidas sobre o grau de resiliência da economia brasileira à política monetária. Isso pode ser porque o governo está injetando recursos na economia.

Mas as medidas anunciadas nas últimas semanas levam tempo para surtir efeito ou elas vão bombar a economia em 2025?
Bombar, não. Mas evitar que a desaceleração seja no ritmo que o BC quer e, aí, o que resulta disso é a necessidade de o BC ser mais duro na política monetária para atingir o mesmo resultado.

Sendo próximo ao presidente Lula, o presidente do BC não pode influenciá-lo sobre as necessidades do BC?
O presidente tem gente mais próxima dele: a Janja, os ministros palacianos, vários petistas históricos, é muita gente. Galípolo pode tentar fazer a parte dele. Mas não sei qual é o grau de proximidade com o presidente Lula.

Fonte: PlatôBR