No Mundo
Quarta-feira, 12 de março de 2025

Paz na Ucrânia: por que Arábia Saudita e Qatar mediam tantos acordos de paz

Representantes dos governos dos Estados Unidos e da Ucrânia se encontram hoje em Jedá, na Arábia Saudita, para buscar um cessar-fogo com a Rússia.
Mas por que o país e seu vizinho, o Qatar, se tornam palco de tantas negociações de paz de conflitos em que não estão diretamente envolvidos nos últimos anos?
O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman tem boas relações com o presidente russo Vladimir Putin e o presidente americano Donald Trump. Apesar disso, a Arábia Saudita se colocou como uma plataforma neutra para o diálogo diplomático, com bin Salman garantindo a Zelensky que discutiriam formas de garantir segurança da Ucrânia e ampliar investimentos para a reconstrução do país, um entrave da tratativa do ucraniano com Trump.
Ucrânia quer forçar a mão de Putin para assinar uma trégua aérea e aposta na ajuda saudita. Horas antes do encontro, o país lançou o maior ataque à Rússia desde o início da guerra, com centenas de drones disparando contra Moscou.
Arábia Saudita tem histórico positivo como pacificadora há quatro décadas. Em 1989, país mediou negociações para o Acordo de Taife, que pôs fim à guerra civil no Líbano. Em 2007, intermediou o Acordo de Meca, que encerrou hostilidades entre os grupos palestinos Hamas e Fatah.
No entanto, sauditas haviam adotado postura agressiva nos últimos anos. Em 2015, o país interveio na guerra civil do Iêmen com ataques aéreos e de artilharia contra os rebeldes houthis, em apoio ao governo. Em 2017, o Líbano acusou os sauditas de deterem o seu primeiro-ministro, Saad al-Hariri, para forçá-lo a renunciar. Em 2018, o jornalista Jamal Khashoggi foi assassinado por agentes na Embaixada saudita em Istambul, após críticas ao governo.
Agora, tentam estrategicamente retomar sua tradição diplomática. O próprio bin Salman é responsável pela guinada: desde 2022, o país mantém negociações com os houthis no Iêmen para tentar chegar a um cessar-fogo. O país também é intermediário de conversas entre os governantes militares do Sudão e as forças rebeldes. Ainda em 2022, supervisionou um acordo entre Rússia e Ucrânia, em que mais de 250 prisioneiros de guerra foram devolvidos a seus países.
Interesse seria econômico. Tornar o Oriente Médio mais estável e conquistar parcerias é essencial para os investimentos sauditas. “Esta é uma parte importante de sua estratégia -acabar com sua dependência das exportações de petróleo e atrair negócios estrangeiros para ajudar a desenvolver novos setores econômicos”, comentou Elizabeth Dent, pesquisadora em segurança militar do Golfo e Península Árabe do think tank Washington Institute, à BBC.
Qatar mantém boas relações com grupos islâmicos não ortodoxos, repudiados pela Arábia Saudita ou países ocidentais. É o caso do Talibã, da Irmandade Muçulmana e do Hamas. Na Primavera Árabe, entre 2010 e 2011, o Qatar deu seu apoio aos grupos de oposição na Síria e na Líbia e, como resultado, os sauditas e outras nações do Oriente Médio cortaram relações com o país.
Apesar disso, não há disputa: o Qatar costuma entrar na conversa em questões ou oferecendo apoio a parceiros que não interessam à Arábia Saudita. Tradição começou nos anos 90, quando o governo de Hamad bin Khalifa al-Thani queria desenvolver o campo de gás natural North Dome/South Pars, após descobrirem as reservas do país. Para isso, era necessária a cooperação do Irã, adversário saudita em cujas águas o campo se estendia.
O Irã tem proximidade com estes mesmos grupos islâmicos, daí a facilidade de diálogo que o Qatar desenvolveu diante do parceiro. Em 2004, o país solidificou seu papel de mediador de paz em sua nova constituição. Já em 2008, seu governo mediou um acordo entre facções rivais do Líbano, evitando uma nova guerra civil.
Influência vai do Oriente Médio à África. Em 2010, o Qatar articulou um cessar-fogo entre o governo do Sudão e grupos armados de Darfur, além de outro entre o governo do Iêmen e os houthis que posteriormente desmoronou -abrindo espaço para a atuação saudita em anos seguintes. Em 2022, participaram das negociações da paz entre o governo do Chade e dezenas de grupos de oposição.
Seus mais importantes papéis como mediador, contudo, aconteceram em 2020 e 2025. No primeiro caso, o Qatar foi o território neutro de um acordo de paz entre EUA e Talibã que pôs fim à guerra de 18 anos no Afeganistão, o que acabou levando o grupo islâmico de volta ao poder no país. Em janeiro de 2025, o Qatar foi parte de uma equipe de nações que incluiu Egito e EUA que conseguiu intermediar um cessar-fogo entre Israel e Hamas.

Fonte: FolhaPress