O ex-ministro da Fazenda conversou com o InfoMoney sobre os riscos e oportunidades para o Brasil em meio ao tarifaço de Donald Trump
“Não vejo ninguém que até agora esteja ganhando com isso. Nem os americanos vão ganhar alguma coisa com isso”, afirma o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente. Em entrevista ao InfoMoney, ele afirmou que não acredita que o presidente dos EUA, Donald Trump, consiga sustentar essa política de tarifas mais altas por muito tempo.
Em sua opinião, o Brasil não está entre as prioridades de ataque de Trump, mas o país deve ser afetado indiretamente por tarifas mais gerais, como a possível cobrança de impostos contra aço e alumínio, como aconteceu no primeiro mandato do republicano.
Ricupero afirma que o momento é de cautela, para acompanhar à distância. A melhor saída é evitar provocações em relação à China e ao bloco dos BRICS, ao qual Trump tem “uma hostilidade muito grande”, diz.
No pior dos cenários, com o Brasil se tornando alvo e sendo tarifado, o ex-ministro afirma que o país tem recursos e espaço para argumentar e tentar reverter a situação. Porém, diz que não dá para prever cenários ou antecipar o que pode acontecer, visto que uma das principais características de Donald Trump, que ele se orgulha, inclusive, é sua imprevisibilidade.
Leia a entrevista completa do InfoMoney com o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero:
InfoMoney: Qual o risco para o Brasil em meio a essa briga de tarifas dos Estados Unidos com outros países?
Rubens Ricupero: Em princípio, pelo menos nesse início de governo Trump, o Brasil não parece figurar entre as prioridades. Ele já mencionou o Brasil junto com outros países, como a Índia e a União Europeia, como um país com tarifas altas. Mas nunca entrou muito em detalhes sobre isso, nem fez ameaças específicas.
O curioso nele, como as pessoas estão observando, é que ele atinge de preferência os países mais próximos, não só geograficamente, mas também do ponto de vista de acordos comerciais, é o caso do México e do Canadá, embora ele tenha suspendido por um mês. No caso do Brasil, também não há acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
Outra coisa em favor do Brasil é que, até agora, na maioria dos anos, os americanos têm tido superávit com o Brasil. No ano passado, o superávit foi menor, mas ainda assim eles tiveram um pequeno saldo. Apesar de tudo isso, não se pode ter nenhuma tranquilidade. Ele está muito no começo do mandato, não tem nem um mês.
IM: No caso das tarifas acontecerem, o quanto o Brasil pode ser prejudicado do ponto de vista comercial e no saldo da balança?
RR: O comércio do Brasil com os Estados Unidos é importante. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial, mas é bem menos do que a China. Embora seja verdade que há uma diferença de qualidade.
No caso da China, nós exportamos sobretudo commodities, soja em grão, petróleo bruto, minério de ferro. No caso dos Estados Unidos, mais de 80% das nossas exportações são de manufatura, e uma parte até de alta tecnologia, como os aviões da Embraer. Agora, boa parte desses manufaturados são produzidos por empresas americanas aqui no Brasil.
Mas há um aspecto que é quase certo que o Brasil vai ser atingido, que é na questão do aço e do alumínio. Já no primeiro mandato de Trump ele aplicou tarifas sobre o aço e o alumínio em todos os fornecedores. E ele já falou dessa vez que vai aplicar também, e uma parte da exportação brasileira é desses produtos.
Agora, embora o mercado americano seja importante, não é tão vital como é a China. A China representa 28%, até um pouco mais do total das vendas brasileiras. E a Ásia, em conjunto, representa 50%. Os Estados Unidos são bem menores, variando conforme o ano, 10%, às vezes um pouco mais.
IM: E o Brasil enquanto país forte dos BRICS? Pensando no bloco como um todo, o país pode ser tarifado ou prejudicado de outra forma?
RR: Nesse plano político, de ideologia, eu acho que tem questões mais negativas. Ele [Trump] não tem nenhuma simpatia pelo Lula. Ele considera o Lula um esquerdista perigoso. Ele tem mais afinidade com o [Javier] Milei, da Argentina. Mas isso em si mesmo não quer dizer grande coisa.
Agora, uma outra coisa complicada é que ele tem uma hostilidade muito grande aos BRICS. O Brasil, este ano, preside os BRICS e vai realizar a cúpula em julho. Então, vai ter que tomar muito cuidado nessa reunião para evitar qualquer tipo de ação que possa parecer uma provocação. Até agora, não se sabe nada da agenda dos BRICS. O que eles vão discutir?
No passado, falou-se de uma maneira leviana na ideia de tentar substituir o dólar como moeda, mas essa é uma ideia quase inviável. Ninguém nunca conseguiu fazer isso no mundo, porque o dólar tem uma dominação muito grande. Eu acho que, sendo assim, me parece óbvio que é melhor não falar nesse assunto, porque ele já disse que, se tentarem fazer isso, ele vai aplicar tarifas de 100%.
Então, é o que se pode dizer. Mais do que isso é difícil, porque ele é uma pessoa muito movida por caprichos e sabe lá o que pode provocar a atenção dele. O melhor é procurar evitar levantar qualquer assunto que possa causar alguma medida desse tipo.
IM: O Brasil teria condições ou meios de retaliar os EUA em caso do Trump impor tarifas aos nossos produtos? Acredita que o Lula faria alguma coisa nesse sentido?
RR: Eu acho que o Brasil tem uma certa base. Por exemplo, ele uma vez ou outra já se queixou que o Brasil tem uma tarifa alta sobre etanol, que é etanol de milho americano. Quem sabe exista uma perspectiva do Brasil fazer uma concessão qualquer em etanol para evitar que atinja outras coisas. Mas é difícil adiantar muito mais do que isso porque ele se orgulha disso, de ser uma pessoa imprevisível. E é, de fato, o que ele é.
Então, não há como a gente adivinhar muito qual vai ser o próximo movimento dele. Em certa medida, o melhor é esperar que essa tendência se modere, porque, com o tempo, não sei se ele vai conseguir manter essas tarifas.
Ele aplicou tarifas ao México e Canadá num dia, no dia seguinte suspendeu. Não aconteceu nada. Você sabe que, na verdade, nem o Canadá nem o México têm condições de impedir a entrada de imigrantes ou de contrabando de drogas. Mas, como o Trump nunca menciona de uma maneira clara qual é a meta quantitativa do que ele quer, ele tem o campo livre e pode dizer que ganhou, que os outros já cederam em tudo.
IM: Contra a China, até o momento, tudo indica que a tarifa dos 10% vai seguir. O Brasil pode sair beneficiado dessa situação, aumentando o comércio e se aproximando mais da China?
RR: Eu acho que nem convém falar muito nisso porque isso seria uma provocação para ele [Trump]. E eu acho que não, porque você vê, o Brasil não vende manufaturas para a China. Então, a China não é um substituto para os Estados Unidos como mercado alternativo.
Pode ser até que os chineses, pressionados pelos americanos, comprem mais soja dos Estados Unidos e não do Brasil. Quer dizer, algum prejuízo o Brasil vai sofrer, mas não só o Brasil. Eu diria que o mundo inteiro vai sofrer prejuízo com essa política dele. Eu não vejo ninguém que até agora esteja ganhando com isso. Nem os americanos vão ganhar alguma coisa com isso.
IM: Nessa questão de “nem os americanos vão ganhar”, o que tem se falado muito é do risco inflacionário para o país. Caso esse risco se comprove, mesmo que o Trump não imponha tarifas contra o Brasil, podemos ser indiretamente afetados por uma exportação de inflação?
RR: Olha, se de fato a inflação subir muito lá, isso vai acontecer, o mundo inteiro vai sofrer esse impacto, o Brasil também. No caso do Brasil, nós já estamos com uma inflação em aumento, já é uma preocupação. Eu acho que, diante disso, o governo brasileiro, o melhor que teria que fazer é aquilo que até agora se recusou a fazer, que é procurar tomar medidas contra os gastos orçamentários que estão provocando esse aumento de inflação no Brasil para tornar o país menos vulnerável.
Agora, também ninguém sabe direito se esse efeito vai acontecer e, caso ele aconteça, em que medida, em que grau? Porque o que se diz é que no primeiro mandato dele, embora ele tenha também aumentado as tarifas, o impacto da inflação americana foi muito pequeno.
Mas, naquela época, a conjuntura era diferente, era uma conjuntura de inflação baixa no mundo inteiro. Agora, a complicação é maior.
Fonte: InfoMoney