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Sexta-feira, 21 de junho de 2024

Hungria retira veto, e premiê da Holanda deve assumir liderança da Otan

A Hungria retirou nesta terça-feira (18) o veto que mantinha à candidatura do premiê demissionário da Holanda, Mark Rutte, para a secretaria-geral da Otan. O pragmático político de 57 anos deverá ser o 14º chefe da aliança militar comandada pelos Estados Unidos, o terceiro oriundo de seu país.
Agora, só falta a retirada da candidatura do presidente romeno, Klaus Iohannis, que gostaria de ir para Bruxelas após o fim de seu segundo mandato de cinco anos. Mas é consenso na Europa que ele seguirá os outros 31 Estados da Otan no apoio ao holandês.
O veto húngaro era mais uma artimanha do premiê Viktor Orbán, que não esconde suas simpatias por Vladimir Putin e mantém relações estreitas com a Rússia mesmo sendo da Otan e da União Europeia, para fazer valer sua vontade.
Assim como protelou por meses a aprovação da adesão da Suécia ao clube militar, Orbán usou seu poder de veto a Rutte para tirar do colega uma carta na qual ele se compromete a não obrigar a Hungria a participar de nenhum plano da aliança de enviar mais apoio à Ucrânia.
O atual secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, havia negociado na semana passada com Orbán um acordo com o premiê desobrigando os húngaros de qualquer participação em operações ou esforços relativos a Kiev. Em troca, Budapeste não iria mais vetar iniciativas nesse sentido da aliança.
É uma certa gambiarra diplomática, dado que a essência do grupo é o consenso na tomada de decisões. Orbán foi além e exigiu de Rutte uma confirmação pública de que manteria o escrito. Recebeu nesta terça uma carta e, na rede social X, declarou apoio ao holandês.
A desistência de Iohannis é questão de tempo e deverá vir antes da reunião de cúpula que celebrará os 75 anos da Otan, no mês que vem em Washington.
Rutte substituirá Stoltenberg, 65, que deixará o cargo após dez anos em outubro. O norueguês foi o segundo mais duradouro secretário-geral da Otan, e comandou a aliança no momento mais agudo desde a Guerra Fria.
Ele assumiu o grupo com a mesma fama de Rutte, a de ser um pragmático, e também com experiência prévia de negociar com Putin quando era premiê de seu país, de 2005 a 2013. Viu o russo consolidar a anexação da Crimeia de 2014, a guerra civil no leste da Ucrânia e a invasão de 2022, que redefiniu a importância da Otan.
Clube criado para conter a União Soviética na Europa, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte se via em “morte cerebral”, na palavras de 2019 do presidente francês, Emmanuel Macron. Com Donald Trump na Casa Branca, a aliança foi ostracizada, e seus membros europeus, objeto de bullying por parte do americano.
Parte da pressão fez efeito: se em 2014 apenas três membros da Otan gastavam os 2% do PIB com defesa, conforme preconiza o grupo, ao fim deste ano deverão ser 20. Já a intenção americana de envolver mais a Otan na sua Guerra Fria 2.0 contra os chineses por ora esbarra no pragmatismo comercial de seus integrantes na Europa.
Mas a guerra definiu o papel de Stoltenberg, que viu seus dois mandatos de quatro anos serem esticados devido à crise. “Eu só queria desejar que você tivesse seu mandato estendido por mais dez anos”, afirmou a Stoltenberg o presidente Joe Biden, sucessor de Trump, em encontro na segunda-feira (17).
Rutte assume, portanto, com a expectativa de manter a coesão renovada do grupo. Ele governou a Holanda por quatro mandatos, a partir de 2010. Em novembro do ano passado, um partido de ultradireita liderou a eleição parlamentar, desbancando sua sigla de centro-direita.
Até então, o premiê era famoso por costurar governos com membros da centro-esquerda e da direita, sendo ele mesmo um liberal que costumava desprezar ideologias. Ele permanece provisoriamente à frente do Parlamento holandês enquanto a coalizão de direita que irá comandar o país toma forma.
No cargo, Rutte teve embates com Putin diversas vezes. Em 2013, fez críticas a leis anti-LGBTQIA+ do governo russo, melando as festividades dos 400 anos de relações diplomáticas entre os países. Mas, de forma geral, era visto como um hábil negociador.
O ponto mais sensível ocorreu no ano seguinte, quando um Boeing 777 da Malaysia Airlines foi abatido sobre o leste da Ucrânia dos 298 mortos, 196 eram holandeses. Rutte conseguiu promessas de cooperação de Putin, dado que a suspeita era de que um míssil russo operado por separatistas em Donetsk havia atingido a aeronave.
A Rússia sempre negou, mas a investigação holandesa do caso não só manteve a hipótese como culpou o Kremlin por fornecer o armamento. Ali, as acomodações com Moscou acabaram, uma ladeira que só ficou mais íngreme com a Guerra da Ucrânia.
A Holanda foi o primeiro país, ao lado da Dinamarca, a prometer o envio de caças americanos F-16 para Kiev, vencendo a resistência de Biden, que temia a percepção de uma escalada.
Ao mesmo tempo, a maleabilidade deu o favoritismo a Rutte, enquanto inicialmente membros mais belicosos do Leste Europeu, como os Estados Bálticos e a Polônia, ventilaram o nome da francamente antirrussa premiê da Estônia, Kaja Kallas, que está numa lista de pessoas procuradas pelo Kremlin.
Agora, o holandês deverá ter de lidar com a demanda de tais nações por um maior endurecimento ante Moscou, que adota ameaças nucleares. Por outro lado, o comedimento relativo dos EUA e da Alemanha.
Estarão na pauta mais ajuda militar a Kiev, a ideia francesa de envolver tropas para o país invadido, interceptações aéreas de lado a lado semanais, entre outros abacaxis a serem descascados. O maior deles, contudo, poderá ser interno: a eventual volta de Trump, que não esconde o desdém pela Otan, à Casa Branca.
Até por isso, Stoltenberg tem insistido numa agenda mais europeia da aliança, além de negociar a centralização da ajuda militar aos ucranianos no clube. Na prática, contudo, é muito difícil a resistência, dado que sozinhos os EUA respondem por 70% do orçamento militar da Otan.

Fonte: FolhaPress