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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

A healthtech “brasileira” Linda virou canadense. E mostra como o Brasil desperdiça seus talentos

A jornada empreendedora é repleta de altos e baixos, com mais baixos do que altos. Esses desafios ao longo do percurso são muitas vezes romantizados por aqueles que conseguem sobreviver e alcançar algum sucesso.

No entanto, a história da empresa brasileira Linda Lifetech, uma healthtech fundada pelos brasileiros Rubens Mendrone, Luis Renato Lui, Rodrigo Victorio e Raquele Rebello, que desenvolveu uma tecnologia acessível para a detecção precoce de câncer de mama, redefiniu o conceito de resiliência. É um exemplo do espírito empreendedor genuinamente brasileiro.

A trajetória da Linda também é um testemunho de como o Brasil muitas vezes não reconhece e não valoriza seu próprio talento, a ponto de, quase à beira da falência, a healthtech estar agora trilhando um novo caminho em um país distante.

Recentemente, a Linda mudou sua sede para Toronto, no Canadá, que fica a 8,1 mil quilômetros de distância de São Paulo, seu antigo lar. A mudança também envolveu uma alteração na cidadania da empresa, que agora é canadense, assim como sua patente.

Rubens Mendrone, CEO e um dos fundadores da Linda, compartilha: “É uma nova fase e um novo começo. Isso nos trouxe energia, fôlego e determinação para seguir em frente.”

Essa mudança não ocorreu apenas porque a Linda tinha planos de se internacionalizar, embora isso também fosse verdade. A principal razão foi a dificuldade de obter apoio de instituições brasileiras para o desenvolvimento de sua tecnologia. O Canadá se tornou a solução para evitar que a Linda entrasse nas estatísticas de mortalidade precoce de startups.

Em Toronto, a Linda foi aceita no programa de incubação do MaRS, um dos principais centros de inovação do Canadá, e também foi selecionada para o Creative Destruction Lab, a maior aceleradora do país. Essas credenciais abriram portas para instituições de pesquisa e hospitais no Canadá, além de atrair o interesse de investidores internacionais.

Em agosto deste ano, a Linda realizou uma rodada de captação de US$ 100 mil para se manter até o final do ano. Agora, a empresa está finalizando os detalhes para uma rodada de investimento inicial de US$ 1 milhão com fundos do Canadá e dos Estados Unidos. Rubens Mendrone comenta: “Agora, os investidores estão vindo até nós. Até mesmo investidores brasileiros têm nos procurado.”

Quando questionado se guarda algum ressentimento em relação aos investidores brasileiros, Mendrone enfatiza que faz parte do jogo e mostra seu pragmatismo: “É para o bem da empresa, que tem o objetivo de proporcionar saúde de qualidade e acessível a todos.”

Embora uma captação de US$ 1 milhão possa parecer modesta, desde sua fundação em 2017, a Linda havia levantado apenas R$ 3,4 milhões no Brasil, provenientes dos próprios fundadores e de familiares e amigos.

Um dos apoiadores da Linda é Luciano Formozo, ex-CMO do Banco Original, que afirma: “Conheci o projeto em sua fase inicial e ficou evidente que o produto era excepcional. Contribuí financeiramente para ajudar a empresa a pagar suas contas e se manter viva.”

Os sócios da Linda fizeram esforços consideráveis para atrair investidores institucionais no Brasil, visitando mais de 200 fundos de venture capital brasileiros de 2020 a 2022. No entanto, não receberam apoio de todos eles.

Mendrone relata que os gestores de venture capital aumentavam constantemente as demandas para liberar financiamento, mesmo após a empresa alcançar os marcos estabelecidos. Isso incluiu a exigência de protótipos, MVPs e certificação da Anvisa, que a Linda cumpriu. No entanto, isso não convenceu os investidores brasileiros a apostar na empresa.

Um investidor que avaliou a Linda comenta que a empresa tem uma tecnologia eficaz em mãos, mas enfrenta desafios de implementação no Brasil devido à desorganização dos dados do sistema de saúde. Ele observa que o principal desafio para as healthtechs é tornarem-se rentáveis.

O diferencial da Linda foi criar uma tecnologia simples e acessível para a detecção precoce do câncer de mama. Essa tecnologia envolve um mapa térmico do local combinado com um algoritmo de inteligência artificial para analisar objetivamente imagens e identificar padrões suspeitos que podem indicar um tumor.

O aplicativo da Linda, que é executado em um dispositivo móvel conectado a um sensor infravermelho, processa imagens rapidamente e fornece à equipe médica indicações de padrões suspeitos em estágios iniciais, exigindo exames complementares. Atualmente, o serviço é usado em 14 cidades brasileiras, beneficiando uma população de 3 milhões de mulheres, com mais de 30 mil exames realizados.

É importante ressaltar que o exame da Linda não substitui a mamografia, mas auxilia na detecção precoce de tumores suspeitos, economizando tempo e recursos ao evitar exames desnecessários. Em muitas cidades, a falta de mamógrafos é um problema, e a Linda busca preencher essa lacuna.

No entanto, a jornada da Linda foi marcada por desafios financeiros. Em um momento crítico no final do ano passado, a empresa estava à beira da falência. Graças a um investidor da rede de familiares e amigos, que contribuiu com R$ 500 mil, a empresa conseguiu sobreviver e acelerar sua transição para se tornar uma empresa canadense.

Com o financiamento planejado, a Linda tem planos ambiciosos para o futuro. Um dos objetivos é obter a certificação da FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos), permitindo que a empresa acesse os mercados dos EUA e do Canadá.

Além disso, a Linda está se preparando para realizar um novo teste clínico que comprove a segurança e eficácia de sua tecnologia na detecção precoce do câncer de mama. O primeiro teste com 322 mulheres em diferentes estados brasileiros já demonstrou eficácia, e a empresa busca validar seus resultados em um estudo mais amplo com 1,5 mil mulheres, contando com o apoio do Princess Margaret Cancer Centre, o maior hospital de pesquisa e tratamento de câncer do Canadá.

Fonte: Neofeed