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Terça-feira, 7 de maio de 2024

Sócios afirmam que cartel de títulos separa famílias do Clube Pinheiros, em SP

Um clima de rebelião e divisão interna se instalou no tradicional Clube Pinheiros, situado no Jardim Europa, na zona oeste de São Paulo. Um grupo de sócios denuncia um aumento artificial dos preços dos títulos da agremiação nos últimos dois anos, o que estaria dividindo as famílias.
Como os títulos do Pinheiros são individuais (uma peculiaridade em relação a outros clubes de elite da cidade), para conseguir unir a família é preciso comprar um para cada dependente, a partir do momento em que ele completa três anos de idade. Desde 2020, o custo dessa aquisição subiu 400%, de cerca de R$ 20 mil para R$ 100 mil. No início da semana passada, havia ofertas por R$ 85 mil.
Os sócios insatisfeitos dizem que a valorização é fruto de uma ação que caracterizam como cartel, orquestrada por sócios que atuam como agentes especuladores nas redes sociais e com a conivência do clube. Afirmam que não se trata de uma questão de oferta e procura, mas de uma interferência indevida no mercado.
Um abaixo-assinado com 850 assinaturas foi entregue à diretoria, assim como um registro de ocorrência com a acusação de manipulação de preços. Reclamações têm sido postadas no canal de ouvidoria do clube. Além dos subscritores do abaixo-assinado, há um grupo de advogados estudando formas de impedir judicialmente que essa política prevaleça no Pinheiros.
Procurada para comentar as acusações, a direção do clube afirmou que “não se pronuncia sobre procedimentos ou denúncias que porventura estejam em apuração, como também repudia todo e qualquer ato contrário à ordem econômica”.
A reportagem questionou o Pinheiros sobre a suspeita de cartelização e sobre a existência do abaixo-assinado. Perguntou também sobre a ação combinada em grupos no WhatsApp e em trocas de emails, que, eventualmente, pode configurar crime econômico. Não houve, porém, resposta. A direção do Pinheiros nada disse sobre o problema dos sócios que enfrentam dificuldade para comprar os títulos para seus filhos.
O Pinheiros tem 40 mil sócios e é um dos maiores clubes poliesportivos do país. Foi fundado em 1899 por imigrantes alemães, com o nome de Sport Club Germânia, e se tornou um celeiro de atletas olímpicos. Para alguns sócios, porém, com as novas práticas, o clube está se transformando também em um balcão de negócios e traindo suas próprias regras, já que seu estatuto diz claramente que “a venda (de títulos) atenderá basicamente o princípio filosófico do clube da manutenção e preservação da unidade familiar”.
A reportagem teve um encontro com sete sócios e sócias em um restaurante. Dos participantes da entrevista, dois têm filhos que vão fazer três anos e sentem dificuldade para comprar o título pelo preço atual. Todos pediram para não serem identificados. O grupo entregou para a reportagem um dossiê com cem páginas contendo prints de conversas no WhatsApp e de emails que apontam a combinação para elevar preços.
Uma das participantes do encontro, que prefere o anonimato por temer retaliações, disse que a primeira medida coletiva é evitar comprar títulos enquanto os preços estiverem distorcidos. Segundo ela, é fundamental que o clube tome uma atitude e acabe com essa distorção.
O mercado de títulos é fomentado basicamente por sócios que decidem deixar o clube e pelos chamados veteranos, pessoas que se associaram até 2007, contribuíram durante 30 anos e chegaram aos 60 anos. Mesmo vendendo seus títulos, eles ainda podem frequentar o Pinheiros com plenos direitos. O clube publica toda semana uma lista de títulos individuais e de veteranos disponibilizados para venda, assim como os nomes e os contatos dos proprietários (email e telefone). Não há intermediários na transação e os compradores precisam pagar também uma taxa de transferência para o Pinheiros.
Esporadicamente, o clube disponibiliza títulos oriundos de exclusões, desistências, desligamentos e doações, fazendo vendas diretas. Em uma oferta, no ano passado, havia 52 títulos, oferecidos inicialmente para quem tinha mais tempo de casa. Eles foram oferecidos por R$ 22,8 mil cada um, preço estabelecido pelo clube que deveria servir de referência para todas as vendas, na visão dos sócios que se mobilizaram para enfrentar o atual movimento especulativo.
Um grupo de WhatsApp foi impulsionado em janeiro de 2022 pelo sócio Werner Mahnke com o objetivo de “balizar para cima o valor dos títulos”. Mahnke convidava os participantes a fixá-lo em R$ 50 mil. O grupo “Vendedores títulos ECP” foi criado dois anos antes, quando a adesão ao clube custava entre R$ 16 mil e R$ 18 mil. Em julho de 2021, dentro do grupo, foi estabelecido um valor mínimo de R$ 28 mil.
“Sua participação é muito importante para mantermos o valor. O que vai ditar o preço é a lei do mercado que atualmente está a nosso favor. Muito importante é não vender abaixo do teto mínimo estabelecido pelo grupo”, disse o sócio em uma conversa no WhatsApp. Procurado insistentemente por telefone e por WhatsApp, Mahnke não quis falar com a reportagem. Uma pessoa que atendia o telefone dizia que ele estava em reunião.
Outra sócia que atendeu a reportagem e não quer se identificar diz que nunca houve uma situação parecida na história do clube. Ela é sócia desde 2004 e conta que comprou o título da filha mais nova por R$ 35 mil em março de 2022, quando os preços estavam começando a subir. Em agosto, segundo ela, houve mais uma alta, e o preço chegou a R$ 50 mil.
Ela afirma que o clube tem sido conivente com a situação porque protege os especuladores e estabeleceu muitas restrições para a entrada de menores. Nos últimos meses, a idade máxima para entrar no Pinheiros como dependente baixou de cinco para três anos, forçando uma compra antecipada de títulos. Se a criança não for sócia, ela não pode mais usar as instalações nem entrar acompanhada de babá.
No dia 23 de fevereiro foi formado um grupo de oito representantes de sócios que participou de uma reunião com o presidente, uma pessoa da ouvidoria, uma conselheira e mais um funcionário administrativo. Uma das participantes da reunião diz que foi orientada a fazer um registro de ocorrência, formalizado no dia 4 de março, no qual se explicou o que estava acontecendo. Foram entregues os prints das mensagem do grupo “Vendedores títulos ECP” e feito um pedido para que o caso fosse investigado, diz a sócia.
As informações sobre o caso do clube Pinheiros foram publicadas primeiro pelo site Metrópoles.
O advogado criminalista Átila Machado vê um processo de cartelização. Segundo ele, pessoas físicas também podem cometer crimes de cartel. “A minha tendência hoje é caminhar para a possibilidade de crime. Quando a lei fala em ofertantes, ela abre uma exceção para abarcar justamente a pessoa física”, diz Machado. “Um grupo de pessoas físicas agindo dessa forma consegue desestabilizar a livre concorrência.” Para ele, deveria ser feita uma representação no Ministério Público para apurar eventuais irregularidades.
“O que está acontecendo no Pinheiros é uma clara distorção de mercado”, diz o advogado Mário Nogueira, especialista em direito societário e em abuso de poder econômico que assessora os sócios insatisfeitos. “Um grupo de pessoas começou a se juntar e a entrar em contato com potenciais vendedores para que não vendessem o título abaixo de determinado valor. Isso destrói a livre negociação.”
Segundo Nogueira, existe uma demanda natural dos próprios associados para comprar mais títulos para seus dependentes, mas o clube está favorecendo novos sócios e negligenciando a unidade familiar. “As pessoas não entram no clube para o título valorizar, não é investimento. Não há nenhuma razão de mercado para o título do Pinheiros valer R$ 100 mil, a não ser um movimento especulativo”, afirma Nogueira. “Entendo que cabe uma ação judicial para mudar essa situação.”
Seria uma ação endereçada ao clube por conivência ou incompetência para coibir práticas contra a ordem econômica.

Fonte: FolhaPress