Economia
Terça-feira, 14 de maio de 2024

Silicon Valley Bank: as 72 horas que culminaram no desmanche do banco

No começo de março, 40 CFOs de vários grupos de tecnologia se reuniram no resort de esqui Deer Valley, Utah, para uma reunião anual organizada pelo Silicon Valley Bank (SVB), uma instituição financeira crucial para startups. Quase uma semana depois, na manhã da última quinta-feira, vários dos diretores financeiros estavam trocando mensagens freneticamente sobre continuar ou não mantendo seu dinheiro no banco.

Uma venda pelo SVB de US$ 20 bilhões em títulos para amenizar uma queda acentuada dos depósitos despertou a atenção dos investidores para vulnerabilidades em seu balanço. Eles começaram a se desfazer de suas ações, eliminando US$ 10 bilhões de seu valor e derrubando o valor de mercado do banco – que era de US$ 44 bilhões apenas 18 meses antes – para menos de US$ 7 bilhões.

“O ‘dilema do prisioneiro’ era basicamente: estarei bem se os outros não sacarem seu dinheiro e eles estarão bem se eu não sacar o meu”, disse um dos diretores financeiros, cuja companhia tinha depositados cerca de US$ 200 milhões no SVB. Mas então alguns começaram a se mexer.

“Recebi uma mensagem de outro amigo – ele já estava transferindo seu dinheiro para o JP Morgan. Estava acontecendo”, disse o diretor financeiro. “O contrato social que tínhamos coletivamente era muito frágil. Liguei para o nosso CEO e transferimos 97% de nossos depósitos para o HSBC até o meio-dia da quinta-feira.”

Na sexta, o banco estava quebrado. Os clientes haviam iniciado retiradas de US$ 42 bilhões em um único dia (um quarto dos depósitos totais do banco) e ele não conseguiu atender todos os pedidos. Agentes da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) – autoridade reguladora bancária americana que garante depósitos de até US$ 250 mil, uma espécie de FGC americano – dirigiram-se para a sede do banco em Santa Clara, na Califórnia, e o declararam insolvente, assumindo o controle da instituição.

A corrida foi tão rápida que seus cofres foram totalmente drenados e ficaram com um “saldo de caixa negativo” de quase US$ 1 bilhão. O rápido colapso do SVB surpreendeu a comunidade de venture capital e startups, muitas das quais agora enfrentam uma incerteza quanto ao destino de suas contas bancárias e operações comerciais.

O SVB forneceu serviços bancários para metade de todas as empresas de tecnologia e ciências da vida apoiadas pelo capital de risco nos Estados Unidos e desempenhou um papel descomunal na vida de empreendedores e seus apoiadores, gerenciando finanças, investindo como parceiro limitado em venture funds e subscrevendo aberturas de capital de empresas.

“Um dos maiores riscos para o nosso modelo de negócios seria atender um grupo muito unido de investidores com mentalidade de rebanho”, diz um executivo de alto escalão de um banco. “Quer dizer, isso não soa como uma corrida bancária esperando para acontecer?”

O SVB se desfez espetacularmente nessa corrida, mas seu destino já havia sido selado quase dois anos antes. Em 2021, no auge do boom de investimentos em empresas de tecnologia de capital fechado, o SVB foi inundado de dinheiro.

Empresas que recebiam investimentos cada vez maiores de fundos de venture capital depositaram o dinheiro no banco, que viu seus depósitos aumentarem de US$ 102 bilhões para US$ 189 bilhões, deixando-o com um “excesso de liquidez”.

Em busca de rendimentos em uma era de taxas de juros ultrabaixas, o SVB aumentou os investimentos em um portfólio de US$ 120 bilhões de títulos de elevada classificação lastreados pelo governo, US$ 91 bilhões desse total em títulos hipotecários de renda fixa com uma taxa de juros média de apenas 1,64%. Embora um pouco acima dos parcos retornos que poderia obter com títulos de dívida soberana de curto prazo, os investimentos retiveram dinheiro por mais de uma década e expondo-os a perdas se as taxas de juros subissem rapidamente.

Quando as taxas de juros fizeram exatamente isso no ano passado, o valor da carteira caiu US$ 15 bilhões, um montante equivalente ao capital total do SVB. Se fosse forçado a vender qualquer um dos bônus, ele correria o risco de ficar tecnicamente insolvente. Os investimentos representaram uma grande mudança de estratégia para o SVB, que até 2018 mantinha a grande maioria de seu excesso de caixa em bônus hipotecários com vencimento em um ano, segundo registros de valores mobiliários.

Uma pessoa envolvida diretamente nas finanças do banco atribuiu a política a uma mudança de liderança nas principais funções financeiras do SVB em 2017, quando seus ativos caminhavam para US$ 50 bilhões, uma marca pela qual ele seria classificado de credor “sistemicamente importante”, estando sujeito a um maior escrutínio regulatório.

A nova liderança financeira começou a transferir uma porcentagem ainda maior de excesso de caixa para títulos de renda fixa de longo prazo, uma manobra que apaziguaria os acionistas na bolsa ao aumentar os lucros totais, embora apenas ligeiramente. Mas a chefia parecia cega ao risco de que a entrada de dinheiro era um sintoma de juros baixos, o que poderia se reverter se os juros subissem.

Os bancos centrais frequentemente aumentam as taxas de juros para conter a exuberância excessiva dos investidores, decisões que geralmente levam a uma redução dos investimentos em companhias especulativas como startups de tecnologia. A carteira de bônus do SVB estava exposta ao aumento dos juros, assim como seus depósitos.

“Tínhamos riscos suficientes no modelo de negócios. Não era preciso ter risco na gestão dos ativos/passivos”, disse um ex-executivo, referindo-se à capacidade do banco de vender ativos para atender suas necessidades de liquidez. “Eles deixaram isso passar completamente.”

Quando a bolha dos investimentos de venture capital começou a inflar no começo de 2021, Nate Koppikar, sócio do hedge fund Orso Partners, começou a estudar o SVB como uma maneira de apostar contra o setor como um todo. “O problema com o modelo de negócios é que quando o capital seca, os depósitos fogem”, diz Koppikar. “Foi uma das melhores maneiras de reduzir a bolha tecnológica. O fato deste banco falir mostra que a bolha estourou.”

Enquanto os banqueiros do SVB entretinham os diretores financeiros nas encostas de Utah, no começo de março, a pressão aumentava rapidamente sobre a equipe executiva do SVB, liderada pelo presidente Greg Becker. Embora os depósitos do SVB tenham caído por quatro trimestres consecutivos, à medida que as avaliações das empresas de tecnologia despencavam em relação aos picos atingidos durante a pandemia, eles caíram mais rapidamente que o esperado em fevereiro e março.

Becker e sua equipe financeira decidiram liquidar quase toda a carteira de títulos disponíveis para venda e reinvestir os recursos obtidos em ativos de prazos mais curtos que renderiam juros maiores e melhorariam a pressão sobre sua lucratividade. A venda significou sofrer um golpe de US$ 1,8 bilhão, uma vez que o valor dos títulos havia caído desde que o SVB os comprou em razão do aumento das taxas de juros.

Para compensar isso, Becker organizou uma oferta pública de ações do banco, liderada pelo Goldman Sachs. Ela incluía um grande investimento da General Atlantic, que se comprometeu em comprar US$ 500 milhões em ações. O negócio foi anunciado na noite de quarta-feira, mas na manhã de quinta parecia destinada a fracassar. A decisão do SVB de vender os títulos surpreendeu alguns investidores e sinalizou a eles que o banco havia esgotado outras vias para levantar dinheiro.

Por volta do meio-dia, financiadores do Vale do Silício estavam recebendo ligações do Goldman Sachs, que por um breve período tentou formar um grupo maior de investidores ao lado da General Atlantic para levantar capital, enquanto o preço da ação do SVB despencava. Ao mesmo tempo, alguns grandes investidores de venture capital, como o Founders Fund de Peter Thiel, aconselhavam empresas a tirar seu dinheiro do SVB. Em uma série de telefonemas com clientes e investidores do SVB, Becker pediu às pessoas para que não entrassem em pânico. “Se todos estão dizendo uns aos outros que o SVB está com problemas, isso será um desafio”, disse ele.

De repente, o risco que vinha se acumulando no balanço do SVB havia mais de um ano tornou-se uma realidade. Se os depósitos caíssem ainda mais, o SVB seria forçado a vender sua carteira de títulos destinados a serem mantidos até o vencimento, e reconhecer uma perda de US$ 15 bilhões, aproximando-se mais da insolvência.

Banqueiros concorrentes disseram que o plano foi falho desde o começo – revelando um prejuízo de US$ 1,8 bilhão ao mesmo tempo em que garantia apenas US$ 500 milhões do aumento de capital de US$ 2,25 bilhões de um investidor âncora. “Você não pode fazer ‘bookbuilding’ enquanto o mercado está aberto e você está dizendo à pessoas que há um rombo de US$ 2 bilhões”, disse um banqueiro experiente de uma instituição concorrente.

Também havia uma pressão externa. Banqueiros do Goldman Sachs que participavam do aumento de capital sabiam que o negócio estava sendo feito de uma maneira difícil de realizar em um cenário de mercado pouco prestativo. Mas a companhia enfrentava uma crise de tempo devido ao rebaixamento de sua classificação de A3 para Baa1 pela Agência Moody’s na quarta-feira. “A mão deles foi forçada pela agência de classificação”, disse uma fonte envolvida no aumento de capital. O Goldman Sachs não quis comentar.

A escala e a velocidade da destruição que se seguiu tiveram um efeito propagador sobre a indústria global de tecnologia. Enquanto as autoridades reguladoras tentavam salvar, neste fim de semana, ativos do SVB e devolver os recursos dos clientes, possivelmente por meio de uma venda de parte ou todas as operações do banco, o colapso provocou um exame minucioso de sua estratégia de gerenciamento de risco.

Em última análise, ele cometeu um pecado capital nas finanças. Assumia riscos enormes com apenas um modesto retorno extra em potencial, para aumentar os lucros de curto prazo. Um vendedor a descoberto de fundo hedge, que detalhou os riscos no ano passado, alertou que o SVB havia quase involuntariamente construído as bases para o que poderia se tornar “o primeiro grande colapso bancário nos EUA em 15 anos”.

“Eles buscaram um retorno extra de [0,4 ponto porcentual] de rendimento e explodiram o banco”, disse a fonte, cujo fundo mantinha uma aposta contra o SVB. “É realmente triste.”

Fonte: Pipeline Valor