Negócios
Quarta-feira, 24 de julho de 2024

Para onde vai o varejo de supermercados de alta classe? Uma dica: não tem a ver com preços

No topo da pirâmide do varejo, empresas investem em sofisticação e serviços para conquistar clientes.

O boom do setor de atacarejo é um dos grandes assuntos de 2022. Expansão de grandes grupos como Carrefour e Assaí impressionam pelas cifras. No primeiro, houve alta de 31,1% nas vendas nos nove primeiros meses do ano, chegando a R$ 76,5 bilhões. Já no Assaí (leia mais na página 40), em igual período, o aumento foi de 28,2% na receita bruta, atingindo R$ 42,2 bilhões. Mas e a outra ponta, onde o foco não é a venda em volume? Mais restrito, porém com grande potencial, está ao lado de quem não briga por preços cada vez mais baixos, mas sim por uma diferenciação no servir e nas possibilidades que apresenta para os seus consumidores. A regra de chão de concreto e estoque à vista não se aplica. No lugar, preocupação estética, variedade de produtos, novidades e conveniência na hora da compra. Cada um à sua maneira e com suas características, varejos premium também têm mostrado a sua força e buscado aumentar a participação no setor mercadista que, em 2021, faturou R$ 611,2 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

O denominador comum é o público, o consumidor de classes mais altas, que muitas vezes abre mão de negócios mais vantajosos financeiramente pela comodidade, qualidade e serviços disponíveis. Um dos players mais tradicionais nesse segmento é o Pão de Açúcar que, em nova fase do grupo, dedica os esforços e investimentos justamente para o segmento de que se afastou ao longo do tempo e agora vive uma verdadeira volta às origens. Também construindo seu espaço e em pleno processo de desenvolvimento está o St. Marche, que passa por um momento de expansão geográfica, além da capital paulista.

EXPERIÊNCIA St. Marche (foto a cima) e Pão de Açúcar são representantes do segmento premium do varejo alimentar. (Crédito:Divulgação)

No Pão de Açúcar, a estratégia de apostar em um mercado de maior valor agregado está sendo retomada após todas as mudanças que a companhia tem atravessado recentemente, como a finalização da bandeira Extra Hiper e a cisão com o Assaí. Tendo a marca Pão de Açúcar como principal bandeira, ele passa por um processo de turnaround iniciado em 2022 e previsão de ser finalizado em 2024. O objetivo, segundo o CEO do GPA, Marcelo Pimentel, é fazer com que a rede volte a ser a joia da coroa. “Para voltar a ser percebido como supermercado premium”, disse.

Para isso, algumas mudanças nas lojas, a serem escalonadas conforme desempenho nas unidades-piloto, como a da Avenida Roberto Marinho, em São Paulo, inaugurada em novembro. Nela, há a volta de empacotadores e especialistas nos setores. Além disso, a loja ganha estação de hambúrguer, massas frescas e um sushi bar. “Nossa ambição é que o cliente possa vir tomar café da manhã, almoçar, jantar, tudo no Pão”, afirmou Pimentel. No design do estabelecimento, há mais espaço para alimentos naturais e um ambiente mais integrado, que favorece a experiência de compra. No sortimento de produtos, o grupo fez um trabalho para diminuir a ruptura, além de melhorar pontos de contato dos mais problemáticos no varejo, como as filas.

Divulgação

“O número de funcionários que temos não é diferente das pessoas que entregam qualidade de produtos” Bernardo Ouro Preto CEO St. marche.

EXPERIÊNCIA Essa melhor relação com a compra também é a regra do St. Marche. Para o CEO Bernardo Ouro Preto, o foco é entregar cada vez mais experiência ao cliente. “Desde a escolha de melhores músicas no ambiente, até uma loja bonita, com cheiro, limpeza impecável, equipamentos novos e uma curadoria de produtos interessantes e cheia de novidades”, disse. Nessa linha, a rede tem média de 10 mil itens por loja. Entre 250 e 350 novos são apresentados por mês a seus consumidores. Na lista de fornecedores, além dos já tradicionais encontrados em todos os mercados, produtos artesanais e de pequenos produtores. Na seção de frutas, verduras e legumes, a missão é ter produtos mais padronizados e com a garantia da “escolha com olho fechado”.

Com mais serviços, aumenta também o custo de operar a loja. De novo traçando um paralelo com os atacarejos, seus preços competitivos, além do volume de compra, está justamente em manter uma operação simples. São poucos funcionários e pouca estrutura. Já no modelo voltado à experiência, o número de colaboradores aumenta, afinal é preciso manter o ambiente atrativo, com reposição mais efetiva dos produtos e empacotadores como entrega de serviço. Pimentel, do Pão de Açúcar, vê isso como investimento. “Quando você simplesmente enxuga tudo do Pão, você faz com que ele seja só mais um supermercado e essa não é a expectativa dos nossos clientes”, disse. “Eles querem que seja a experiência premium do varejo alimentar brasileiro. Então, sim, existe investimento, mas o Pão é a bandeira mais rentável [do grupo]”.

Já para Ouro Preto, do St. Marche, essa rentabilidade vem da experiência de operação da marca, que atua há 20 anos no varejo, além de uma definição mais abrangente de concorrência. A briga direta é com outros mercados do mesmo nível, mas quando observado no detalhe, a concorrência é setorizada. Com essa lógica, a padaria do St. Marche busca o mesmo espaço que uma padaria artesanal e o hortifruti, com especialistas do segmento. Essa visão também delimita a precificação dos produtos, balizadas pelos preços praticados nesses estabelecimentos e não, necessariamente, em outras redes de supermercados. “O número de funcionários que temos no departamento de frutas, legumes e verduras não é diferente de [mercados] especialistas, das pessoas que entregam de fato qualidade de produtos.”

Divulgação

“Quando você enxuga tudo do Pão, você faz com que ele seja só mais um supermercado” Marcelo Pimentel, CEO GPA.

DIFERENTES PERFIS No concorrido universo do varejo, a segmentação da atuação é um caminho que empresas têm encontrado na busca pelo sucesso. Olegário Araújo, especialista do Centro de Excelência em Varejo da FGV (FGVcev), explica que essa diferenciação sempre existiu, mas tem se intensificado nos últimos tempos com a realização de que há diferentes perfis de clientes e ocasiões de consumo. “Não se pode tratar todos os consumidores pela média”, disse. Ou seja, um único consumidor se torna cliente do atacarejo e do premium, a depender da motivação da compra. Além disso, isso integra uma trajetória do setor, que caminha para “agregar aspectos intangíveis”, que suprem as várias necessidades e momento de compra.

Seguindo essa estratégia, o Grupo Pão de Açúcar pretende inaugurar 300 lojas até 2024, em projeto iniciado em 2022. Na conta, 75 ocorreram este ano.Em 2023 devem ser mais 100 e outras 125 no ano seguinte. O maior volume são as lojas de proximidade, com 250 unidades. O restante, no modelo de supermercado. A receita bruta no Brasil foi de R$ 13,1 bilhões nos nove primeiros meses de 2022, 4,4% acima de 2021.

O St. Marche, por sua vez, também passa por um período de expansão, mas mais tímido. Com 30 lojas, em 2022 marcou a inauguração da primeira unidade fora da Grande São Paulo, em Campinas (SP). Em 2023, outras cinco lojas estão previstas. A marca acredita que há potencial de abertura de 250 unidades pelo Brasil. Para isso, entra nos planos a abertura de capital, assim que o mercado for mais favorável. A rede fechou 2021 com faturamento de R$ 1 bilhão e espera aumento em 2022. Com uma proposta de valor mais alta e atuação em um setor que pode gerar maior rentabilidade.

Fonte: IstoéDinheiro