Internacional
Quarta-feira, 1 de maio de 2024

Nos EUA, quem remove estátuas dos confederados é ameaçado de morte

Desde que sua empresa começou a remover, legalmente, as estátuas de soldados confederados, polêmicos símbolos do passado escravagista do sul dos Estados Unidos, na cidade de Richmond, Virgínia, Devon Henry sempre leva uma pistola com ele.

Diante dos comentários violentos feitos nos últimos dois anos, “eu me recuso a baixar a guarda”, disse este empresário afro-americano, de 45 anos, à AFP.

“Em uma das remoções, estávamos dirigindo pela estrada com a estátua confederada no reboque, quando alguém tentou nos tirar da pista”, contou Henry.

Ele recebe uma enxurrada de ameaças de morte, insultos racistas e intimidações desde 1º de julho de 2020, quando ele e sua equipe desmontaram sua primeira estátua: um monumento ao general Thomas “Stonewall” Jackson, uma figura das forças confederadas e pró-escravidão durante a Guerra Civil, de 1861 a 1865.

Neste dia em Richmond, antiga capital da Confederação, Henry estava usando um colete à prova de balas, e seu humor oscilava entre orgulho e ansiedade.

“Você tenta ver como vai tombar essa coisa e, ao mesmo tempo, fica atento para garantir que ninguém vai fazer nada com você e sua equipe”, conta.

Quando a estátua de cinco metros de altura foi, enfim, removida de seu pedestal debaixo de uma chuva torrencial, “ao ver milhares de pessoas ainda ao redor rindo, sorrindo e, em alguns casos, chorando, você sente que fez algo muito especial”.

“Para mim, a remoção foi similar à Queda do Muro de Berlim”, afirmou o prefeito de Richmond, o afro-americano democrata Levar Stoney.

– Ódio, fanatismo e ameaças de morte –

No verão de 2020 (inverno no Brasil), o prefeito usou seus poderes para promover a retirada das polêmicas estátuas, enquanto o país vivia uma onda de protestos sem precedentes contra o racismo, após a morte de George Floyd. Este homem negro morreu asfixiado por um policial branco, que manteve o joelho pressionado sobre seu pescoço, em Minneapolis, no estado de Minnesota.

“Esses monumentos representam divisão, ódio, fanatismo”, alegou o prefeito, acrescentando que “foram erguidos para intimidar e manter em seu lugar os negros que viviam em Richmond”.

“Esta não é a Richmond de 2022”, declarou o democrata.

Retirar os símbolos confederados é, no entanto, uma árdua e arriscada tarefa.

Antes de Henry aceitar este perigoso trabalho, vários já haviam se recusado a fazê-lo. Alguns eram contrários à remoção dos monumentos, outros temiam por sua segurança, e há quem tivesse medo, inclusive, de ser deserdado pela família, caso aceitasse a missão.

O próprio Henry hesitou até concordar, preocupado com a segurança de sua família, em virtude dos vários eventos violentos ocorridos nos últimos anos.

Em janeiro de 2016, por exemplo, um homem contratado para remover quatro estátuas confederadas em Nova Orleans abandonou o projeto depois que seu veículo foi incendiado.

“Foi muito difícil encontrar outros interessados em assumir essa responsabilidade” após o ataque, admitiu o presidente da Foundation for Louisiana, Flozell Daniels Jr., que trabalhou com funcionários de Nova Orleans para na remoção das estátuas.

“Disseram aos empreiteiros que, se descobrissem que estavam trabalhando com a cidade nisso, não conseguiriam outros contratos na região. É uma ameaça financeira significativa”, relatou.

Os monumentos acabaram sendo removidos no verão de 2017, à noite e sob proteção policial, por trabalhadores mascarados, equipados com coletes à prova de balas e sem logos de empresa visíveis que pudessem identificá-los, afirmou Daniels, cuja associação também recebeu ameaças de morte.

Alguns meses depois, em agosto de 2017, em Charlottesville, na Virgínia, centenas de manifestantes de extrema direita marcharam contra a remoção de uma estátua do general confederado Robert E. Lee. No final do protesto, um simpatizante neonazista lançou seu carro contra uma multidão de ativistas antirracismo, matando Heather Heyer, de 32 anos.

Quatro anos depois, Devon Henry orgulhosamente removeu essa mesma estátua e outras três em Charlottesville. Sua empresa já retirou 23 monumentos confederados no sudeste dos Estados Unidos, incluindo 15 em Richmond, e está se preparando para fazer o mesmo em outras cidades. Ainda há centenas de estátuas similares no sul do país.

E, apesar das repercussões para seu negócio, para sua vida e para sua família, Henry diz não se arrepender de sua decisão.

“Em 1980, quando um negro declarou que eram os negros que erguiam os monumentos e que, quando chegasse a hora de derrubá-los, seria um homem negro que faria isso. Poder viver essa profecia é bastante gratificante”, diz Henry, referindo-se às palavras do ativista dos direitos civis John Mitchell Jr., nascido em Richmond durante a escravidão.

Fonte: AFP