Cultura
Quinta-feira, 7 de novembro de 2024

‘Eduardo e Mônica’ acerta ao se manter fiel à letra do Legião Urbana

A canção “Eduardo e Mônica” figura um tanto deslocada no repertório do Legião Urbana. Divertida e até mesmo um tanto despretensiosa, está isolada entre letras politizadas, críticas sociais, infortúnios amorosos dramáticos e dores da alma adolescente que não acha seu lugar no mundo.
Numa analogia, é possível dizer que o filme “Eduardo e Mônica” também ocupa um lugar ímpar na produção cinematográfica nacional recente. Nada panfletário, bem longe da comédia escrachada e sem carregar intenções de subversão cultural.
Dirigido por René Sampaio, que também fez a adaptação cinematográfica de outra canção de Renato Russo, “Faroeste Caboclo”, o filme consegue fugir da caricatura adolescente de “Malhação” e de quase todas as tentativas de dramaturgia jovem contemporâneas.
Tendo como ponto de partida uma letra quilométrica de canção pop, já construída como se fosse um roteiro resumido da vida de seus dois personagens, a versão na tela acerta ao não procurar inventar muita coisa.
É indiscutível considerar que se trata de uma adaptação extremamente fiel à música. Não há um único verso de Renato Russo que não tenha sua imagem levada a tela. Uma ou outra rara diferença do que está escrito na letra aparece apenas em alguns acréscimos, de forma sutil.
Na verdade, essas pequenas alterações se encaixam bem, como fazer o avô de Eduardo, aquele com quem o neto joga futebol de botão, ser um militar reformado com saudade do tempo da ditadura.
O famoso verso “festa estranha com gente esquisita” permitiu uma modificação no personagem de Mônica. Além de ser médica recém-formada (na letra original ainda estudava medicina), ela também é uma artista performática em festas moderninhas nos porões de Brasília.
De resto, é a letra da canção projetada em esperta cinematografia, com um trabalho que tem sensibilidade de evitar associar uma narrativa jovem a algo anfetamínico, nervoso, urgente. “Eduardo e Mônica” é uma história de amor singela e bem contada, que não exagera na dose de comédia romântica nem joga seus protagonistas em aventuras mirabolantes.
O dia a dia do casal, que alterna aproximações, brigas e reconciliações, é construído com o realismo possível nessa proposta de entretenimento. E o resultado agrada. A trilha sonora, sem dúvida fundamental num filme com esse DNA roqueiro, é uma agradável reunião de músicas dos anos 1980, principalmente do rock britânico que Renato Russo venerava. E traz uma brincadeira bem sacada com o meloso hit “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler.
A produção não seria tão bem-sucedida sem a vital colaboração do casal central. Alice Braga e Gabriel Leone carregam muito bem o filme. Ambos tiram de letra o fato de serem um pouco mais velhos do que os personagens imaginados na canção.
Leone tem uma grande entrega no papel do jovem que em nenhum momento se sente inferiorizado diante da garota mais inteligente e vivida. Quem não conhece a carreira televisiva do ator de 28 anos pode jurar estar vendo um adolescente. Eduardo tem uma dose de atitude cara de pau que só mesmo a tenra juventude pode avalizar.
A tarefa de Alice Braga é um pouco mais complexa, e ela está ótima. Mônica atravessa o filme abandonando a atitude blasé e distanciada em relação ao garoto, percorrendo com credibilidade o caminho até a paixão que vai garantir o final feliz que já estava escrito por Renato Russo.
O casal é mais do que a espinha dorsal do enredo. Eduardo e Mônica são praticamente os únicos personagens que importam, sobrando quase nada a figuras coadjuvantes como a mãe de Mônica, o avô de Eduardo e um colega do garoto, que tenta injetar algum humor como um personagem que tenta ser descolado e nunca consegue.
Alice Braga e Gabriel Leone superam com tranquilidade o desafio de dar uma cara definitiva a personagens que a plateia em cada cinema acredita já conhecer há mais de 30 anos, quando ouviu sua história de amor tocando no rádio.

EDUARDO E MÔNICA
Avaliação: Muito bom
Quando: Estreia nesta quinta (13)
Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Otávio Augusto
Produção: Brasil, 2022
Direção: René Sampaio

Fonte: FolhaPress/Thales Menezes