Aviso: o texto abaixo contém spoilers (informações que adiantam a trama) de temporadas anteriores da série.
Tiros, explosões e reviravoltas deram a tônica de “La Casa de Papel” desde o começo. Nos episódios derradeiros da quinta e última temporada da série, que estreiam nesta sexta-feira (3) na Netflix, eles vão dividir espaço com o fechamento das jornadas emocionais dos personagens.
“Narrativamente, quando começamos a escrever, percebemos que tínhamos muito mais coisas do que cabiam em 225 minutos, que é o tempo que tínhamos”, explica Álex Pina, criador da série, em bate-papo com jornalistas, do qual a reportagem participou. “Acabamos precisando comprimir diversas reviravoltas para conseguir fechar as tramas que pertencem ao mundo emocional.”
Roteirista e produtora executiva da série, Esther Martínez Lobato acredita que os fãs irão gostar da aposta. “Esses cinco últimos episódios são uma espécie de homenagem a todos eles”, diz. “Apesar de ser muito entretida com relação às reviravoltas e à estrutura, a série também está nutrida de personagens tão extravagantes quanto cativantes. Os episódios finais abrem espaço para todos eles mostrarem um pouco mais de sua alma e de seu coração.”
O diretor Jesús Colmenar avisa que os episódios, mesmo que com mais foco no psicológico do que nas sequências de ação, vão se manter fiéis ao espírito da série. “A primeira parte [da quinta temporada] era pura guerra, foi uma das experiências mais brutais de filmagem que tivemos”, compara.
“Os novos episódios estão cheios de adrenalina e reviravoltas também”, afirma. “A única diferença é que terão outro tipo de vibração. Não é um confronto tão bélico, mas a história segue com um ritmo que vai crescendo até o último episódio.”
Escrever o fechamento de uma série que se tornou fenômeno mundial deixou a todos muito preocupados, como confessa Pina. “Os finais quase sempre são decepcionantes para o espectador, que ama muito os personagens, então é uma relação que já começa fadada ao fracasso”, brinca. “Tudo o que havíamos previsto havia dois anos não funcionava mais.”
Ainda mais com fãs tão emocionados quanto os de “La Casa de Papel”. “O público sente que, de certa forma, a série pertence a eles, então eles exigem que certas coisas aconteçam”, avalia Colmenar. “As pessoas tiveram uma implicação emocional muito grande, então dá vertigem chegar a uma rubrica final que seja completamente satisfatória.”
Martínez Lobato revela que a equipe chegou a enfrentar um certo bloqueio criativo. “Passamos dias em silêncio”, conta. “A gente lia o que tinha escrito e pensava: ‘Não gostei, estou entediada, com que cara eu vou apresentar isso para as pessoas?’. Nada do que pensávamos era suficientemente poderoso para ser oferecido, até que tivemos a ideia final.”
Eles, claro, evitam ao máximo dar qualquer spoiler do que vai ocorrer, mas dizem que ficaram contentes com a solução encontrada. “No final, mesmo com toda essa pressão, parimos algo que acredito que vai se conectar com o público”, afirma Pina. “Isso é o que acho agora, mas só saberemos depois se formos apedrejados [risos].”
DESPEDIDA
Com o texto em mãos, foi a vez de o elenco começar a se despedir dos personagens. Álvaro Morte, que interpreta o Professor, diz que seu personagem vai mostrar-se um pouco mais falho nos episódios finais –algo que ele comemora.
“Uma das coisas que mais gosto é quando conseguimos ver a humanidade do personagem”, afirma. “A verdade é que, em alguns momentos, pode parecer que ele é uma espécie de robô. Do ponto de vista pessoal, quando mais me conecto e quando mais gosto de estar na pele dele é quando ele mostra essa humanidade.”
“Parte dessa humanidade passa exatamente pelo fato de cometer erros”, continua. “Ele não é perfeito. Essas rachaduras que vão aparecendo são as que mais me entusiasmam trabalhar, como depois de uma decisão que você tomou e que pode não ser a mais acertada.”
Morte já lembra com carinho do último dia de gravações. “Foi muito bonito, tive a sorte de estar com a mesma equipe com que gravei no meu primeiro dia”, revela. “Estava sozinho no estúdio, o que é algo um pouco desconcertante, mas foi emocionante e chorei como uma criança com uma carta que os criadores escreveram para mim.”
Ele lembra que, de certa forma, já havia processado o luto pelo personagem depois da segunda temporada, quando a série foi encerrada pela primeira vez –a série foi originalmente lançada pelo canal espanhol Antena 3. Contudo, a Netflix acabou apostando em uma extensão da série após o sucesso que o conteúdo fez na plataforma.
Desta vez, no entanto, o sentimento não é de que ainda havia muito a ser explorado pelo personagem. “Acho que a série termina onde tinha que terminar, que é o momento perfeito para não continuar esticando a corda e que os personagens e a história deram o que tinham de dar”, avalia. “É uma decisão inteligente apertar o freio aqui e também uma forma de presentear os fãs com o que eles realmente merecem, porque correríamos o risco de decair se seguíssemos estirando.”
Pedro Alonso, que interpreta o personagem Berlim, contou que também chorou muito após a gravação de sua última cena. “Percebi o impacto da série nas nossas vidas tanto no profissional quanto no pessoal”, diz.
Ele lembra que será difícil que o elenco volte a estar todo junto ao mesmo tempo, mas que foi experimentando isso aos poucos desde que seu personagem morreu, no final da segunda temporada. “De alguma forma, eu vivi uma série paralela desde que o Berlim morreu”, conta. “Foi um jogo de bonecas russas.”
Isso porque o personagem, apesar de ser um dos mais centrais, só aparece em flashbacks. Na terça-feira (30), a Netflix confirmou que ele vai protagonizar uma série derivada de “La Casa de Papel” com estreia prevista para 2023.
Para Úrsula Corberó, a Tokyo da série, a despedida foi um pouco antes. A personagem morreu no final do primeiro volume da quinta temporada, de modo que ela diz não saber nada sobre o desfecho. “Estou muito entusiasmada porque não li os roteiros”, garante. “Quero ver o final como espectadora e fã de ‘La Casa de Papel’.”
Ela diz que ainda está se recuperando do impacto emocional da morte da personagem. “Estou muito contente com o final da Tokyo, em parte queria que fosse como foi”, afirma. “Mas foi um processo muito pesado, acho que agora que estou me recuperando, mas ainda não tenho certeza [risos].”
Corberó ainda brinca dizendo que não precisou levar nada de lembrança das filmagens, porque já havia “roubado” alguns itens após a segunda temporada. “Achei que a série estava acabando, então levei até um colar de brilhantes da personagem”, conta, aos risos. “Em minha defesa, nunca pediram ele de volta”, justifica-se.
Esther Acebo, que interpreta a personagem Estocolmo, fala de outro tipo de lembrança que vai levar para sempre. “Quando você trabalha em algo que pressupõe colocar tanto esforço e tanta paixão, você cria laços que são indestrutíveis”, diz. “Tanto na ficção quanto fora dela, criamos uma irmandade que ultrapassa as telas.”
Já Jaime Lorente, o Denver, lembra que, apesar do sucesso estrondoso da série, que se tornou um dos conteúdos em língua não-inglesa mais vistos do mundo, o início foi bem complicado para a equipe. “Todo mundo sabe o sucesso que se tornou, mas começamos com muita dificuldade”, revela. “Todo muito apostou na série porque confiávamos que poderia ser um bom produto.”
Miguel Herrán, o Rio, corrobora. “Todos os que estivemos nesse começo sabemos que foi muito duro”, afirma. “Mesmo que agora riamos e tudo pareça fantástico, foi muito custoso. Teve muito esforço e carinho, e também tivemos a recompensa. Eu ficarei com tudo de bom que vivi. Encerro agradecido.”
Intérprete do detestável refém Arturo Román, o ator Enrique Arce diz que vai ter saudades de tudo, menos “das bofetadas que eu levo na internet”. “Me divertido muito com o personagem, especialmente quando parei de brigar com o fato de ele ser um saco de pancadas”, avalia.
Ele diz acreditar que a boa relação do elenco foi, de certa forma, causa e consequência do sucesso da série. “Todos já havíamos passado por trabalhos que foram cancelados antes da hora, você não fica procurando os colegas para conversar sobre o fracasso depois de dois anos”, brinca. “O sucesso também alimentou a nossa relação porque é bem melhor falar sobre o que deu certo.”
E qual terá sido o segredo desse sucesso todo? “Essa é a pergunta do milhão”, brinca Corberó. Ela conta que a amiga Alba Flores, que interpretava a personagem Nairobi, tinha uma teoria comparando a série com o futebol, um dos esportes mais populares do mundo. “Se você for ver, tem dois times, um vermelho e um azul, tem juiz e até hino”, compara.
Álex Pina, o criador, vai por outro caminho. “Acho que a mistura de adrenalina com qualidade humana é o que permite que você tenha um vínculo emocional junto com o entretenimento massivo”, avalia. “Mas a realidade é que nunca saberemos, se não repetiríamos sempre e todo mundo também faria igual.”
Fonte: FolhaPress/Vitor Moreno