Cultura
Quarta-feira, 3 de julho de 2024

Musical ‘O Rei do Show’, que Hugh Jackman levou às telas, ganha versão brasileira

Depois de atravessar o foyer decorado com lâmpadas coloridas e um alvo de arremesso de facas, o espectador entra na sala. Quando as luzes se apagam e as cortinas se abrem, vê um grande portal dourado de dois níveis com escadas laterais com ornamentos drapejados, à maneira da belle époque. Uma dezena de artistas então ocupa o palco com coreografias repletas de mortais, piruetas e malabares.
Se estiver desavisado, o espectador não saberá dizer se está num salão nobre antigo ou num circo. De certo modo, ele está nos dois lugares ao mesmo tempo ao assistir a “Barnum: O Rei do Show”, que abre sua temporada no Teatro Opus no shopping Villa-Lobos agora.
A peça, uma adaptação de um musical da Broadway, chega pela primeira vez aos palcos brasileiros e conta a história daquele que é considerado o revolucionário do entretenimento moderno, o showman americano Phineas Taylor Barnum, ou P.T. Barnum.
Baseado em fatos reais, ocorridos no século 19, a obra narra como aquele homem esperto insere em suas apresentações figuras como malabaristas, trapezistas, “a mulher mais velha do mundo”, anões, animais selvagens e todo o tipo de atrações que mais tarde se consolidariam como marcas do que entendemos como circo até hoje.
Trajados com roupas circenses coloridas ou longos vestidos de babados vitorianos, o elenco é composto por Murilo Rosa no papel principal, Kiara Sasso e Giulia Nadruz -atrizes com passagens por musicais como “O Fantasma da Ópera” e “Cinderella”- e Diva Menner, cantora transsexual que foi semifinalista da edição de 2020 do programa The Voice Brasil.
Adaptado para o cinema em 2017, numa versão protagonizada por Hugh Jackman, “Barnum: O Rei do Show” é originalmente um musical de 1980 escrito por Mark Bramble e com músicas compostas por Cy Coleman, tendo vencido uma dezena de prêmios Tony em suas várias versões encenadas mundialmente. A versão brasileira ficou a cargo do diretor Gustavo Barchilon.
Embora a peça preze pela diversidade, o que o diretor faz questão de reforçar afirmando ter enfrentado os problemas contemporâneos, a nova adaptação não contém mais personagens negros de destaque além de Diva Menner, que interpreta duas personagens –uma mulher de supostos 160 anos, e uma cantora de blues.
Se na versão cinematográfica as acrobacias circenses já impressionam, na adaptação teatral elas ganham um requinte de adrenalina, tanto para o público quanto -e principalmente- para o elenco. É o que diz Murilo Rosa, que em dado momento atravessa o palco numa corda-bamba sem apoios.
“Foi uma loucura completa. No circo, esse tipo de número tem seus especialistas, que se dedicam àquilo por anos. Para aprendê-los, tivemos a ajuda de artistas de circo que foram integrados ao elenco. Ainda assim foi muito difícil e arriscado”, diz o ator.
As dificuldades para o elenco, no entanto, vão além das acrobacias. Para Giulia Nadruz, que interpreta Jenny Lind, uma cantora lírica sueca integrada por Barnum em sua trupe, aprender a língua materna da personagem foi especialmente desafiador. Sem jamais ter tido contato com a língua antes, a atriz canta metade de um solo em sueco.
“Eu fui atrás de aulas particulares para entender exatamente como era a pronúncia correta das palavras. Como na peça a personagem aprende português, eu faço um degradê, com um sotaque mais forte nas primeiras cenas, suavizando aos poucos.”
Charity, a mulher de Barnum que vê o marido se envolver com Lind, ganha vida no corpo de Kiara Sasso. Ela ressalta como os ensaios foram prejudicados pelos cuidados impostos pela pandemia, numa rotina que incluía a realização de testes duas vezes por semana.
“Foi um grande desafio ensaiar com a máscara. Não só por não conseguirmos nos escutar tão bem, mas também por não poder ver as expressões das pessoas. Está sendo um bálsamo poder vir fazer a cena sem máscara”, ela afirma, sem deixar de criticar o negacionismo. “É muito chocante a quantidade de pessoas que nós perdemos e que ainda existem pessoas negando o que está acontecendo.”
Em contraponto à atmosfera mórbida que a pandemia impôs à realidade brasileira, Barchilon aposta num tom otimista. Ele destaca que cores vibrantes como o vermelho e o amarelo predominam na encenação, a fim de agregar vitalidade ao ambiente. “Acho que o brasileiro precisa disso agora. A gente precisa de arte, cultura, vida. Meu propósito como diretor é poder trazer um espetáculo com alegria”, ele diz, imaginando que o público sairá do teatro maravilhado e, de preferência, respirando fundo.

Fonte: FolhaPress/João Gabriel Telles