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Segunda-feira, 13 de maio de 2024

Entenda como se forma no campo a inflação de alimentos

 A pressão sobre os preços dos alimentos reflete uma sequência de fatores que vai desde o dólar alto até os recentes prejuízos com a seca e as geadas no país. Juntos, os ingredientes elevam os custos de produção no campo e ameaçam o bolso das famílias nas cidades.
No acumulado de 12 meses até julho, a inflação do grupo de alimentos e bebidas subiu 13,25% para os consumidores no país. O dado integra o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O índice geral de inflação avançou 8,99% no mesmo período.
Após o baque inicial da pandemia, em 2020, houve uma corrida por commodities agrícolas no mercado internacional, pressionando os valores de itens como soja e milho. Em paralelo, a desvalorização do real frente ao dólar contribuiu para deixar as cotações dos produtos em patamar ainda mais elevado. A situação se refletiu nos preços finais dos alimentos.
O professor Geraldo Barros, coordenador científico do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), diz que o avanço do dólar também gerou uma escalada nos custos de produção no campo. “O principal impacto [na inflação de alimentos] veio do dólar. Quando sobe, também sobem os insumos agropecuários.”
Fertilizantes estão entre as mercadorias com avanço nos preços. Esses produtos, também chamados de adubos, fornecem nutrientes para o desenvolvimento das plantas nas lavouras. O MAP (fosfato monoamônico), por exemplo, teve alta de 92,2% entre julho de 2020 e igual mês de 2021, indicam dados da consultoria GlobalFert.
“A demanda por fertilizantes, desde o final do ano passado, ficou aquecida. Houve impacto de outros fatores importantes, como o dólar, já que importamos muito no país”, explica Juliana Lemos, analista-chefe da GlobalFert.
Se não bastasse o aumento nos insumos relacionado à demanda e ao câmbio, variações climáticas também afetaram a produção de alimentos no Brasil nos últimos meses.
A seca prolongada, seguida pelo registro de geadas em julho, danificou plantações nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Culturas como milho, café e hortaliças foram impactadas.
Os estragos, dizem analistas, geram uma pressão adicional para os preços nas gôndolas dos supermercados. A dúvida é saber o nível e a velocidade dos repasses ao longo da cadeia produtiva.
“Neste ano, a agricultura foi atrapalhada pela estiagem, e as geadas também destruíram produtos que iriam logo para o mercado, como hortaliças”, diz Cláudio Brisolara, gerente do departamento econômico da Faesp (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo).
A recente onda de frio intenso afeta ainda a pecuária. Com as geadas, pastagens foram perdidas, e a alimentação do gado precisa ser feita com rações e suplementos. A substituição aumenta os custos para os produtores e deve pressionar os preços de carnes e leite.
O preço do leite, aliás, disparou no campo. Conforme o Cepea, o valor pago ao produtor em julho chegou a R$ 2,3108 por litro no país. É o recorde real –que leva em conta a inflação– da série histórica, com dados desde 2005.
O preço se refere ao leite captado no mês anterior, junho. A alta é atribuída pelo Cepea ao aumento nos custos de produção, e não a uma rentabilidade elevada para quem vive da atividade.
Outro fator que preocupa produtores é o avanço dos preços da energia elétrica gerado pela crise hídrica. Com a falta de chuvas, a conta de luz ficou mais alta, elevando os custos para irrigação de lavouras, diz Brisolara.
Diante desse cenário, os valores dos alimentos tendem a ficar em nível elevado “por mais algum tempo”, projeta o analista. “O dólar não parece que vai voltar para baixo de R$ 5. Os custos devem seguir pressionados, e também é necessário tempo para recuperar parte da produção perdida”, afirma.
Barros, do Cepea, tem opinião semelhante. O professor não vê sinais de trégua nos preços pelo menos até o final do ano. Ele frisa que a instabilidade política gera incertezas no mercado financeiro, o que dificulta um recuo mais forte do câmbio.
“O clima de instabilidade se cristalizou. A previsão de preços altos vem principalmente do dólar, que parece não cair. O câmbio precifica grãos e impacta outros produtos”, destaca.
Na pandemia, acrescenta Barros, a moeda americana em alta também incentiva exportações, o que pode diminuir a quantidade de commodities direcionada ao mercado interno. Com o impacto na oferta, a perspectiva é de pressão nos preços no cenário local, conclui o professor.
Dentro do grupo de alimentos e bebidas, o óleo de soja é o item que mais subiu durante a pandemia, segundo o IBGE. Em 12 meses até julho, a disparada foi de 84,31%. O repolho (44,21%) veio em seguida.
Tomate (42,96%), feijão fradinho (42,43%) e arroz (39,69%) também ficaram mais salgados.

Fonte: FolhaPress/Leonardo Vieceli