Internacional
Quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Funeral de presidente do Haiti acontece em meio a protestos e dúvidas sobre assassinato

Em meio a um clima de instabilidade e a várias perguntas sem respostas sobre o assassinato de Jovenel Moïse, o caixão com o corpo do presidente do Haiti foi carregado por uma comitiva de homens em trajes militares em Cap-Haitien, onde ele nasceu e será enterrado nesta sexta-feira (23), mais de duas semanas após sua morte.
Coberto pela bandeira haitiana, o caixão também recebeu coroas de flores brancas –a cor do luto no país– e a bênção de um padre católico, em uma cerimônia que, de certa forma, simboliza a expectativa de que o país possa se recuperar das feridas históricas e das mais recentes.
Representantes de Estado estavam voando a Cap-Haitien para participar da série de cerimônias em memória de Moïse ao longo do final de semana. Questionado pela Folha se enviou algum representante ao Haiti, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu até a publicação desta reportagem.
A relativa calma durante o início do funeral do presidente contrasta com o cenário de convulsão social que se instalou nas ruas de Cap-Haitien nos últimos dois dias. Protestos de apoiadores de Moïse mancharam o céu com a fumaça preta de pneus em chamas.
Segundo o jornal americano The New York Times, alguns grupos tentaram bloquear estradas para impedir a entrada de pessoas de outras localidades que queriam acompanhar o funeral.
A mensagem dos manifestantes contraria o objetivo pelo qual o novo governo do Haiti disse trabalhar. Ao assumir o poder na última terça-feira (20), o primeiro-ministro Ariel Henry disse ser um “democrata e um homem de diálogo” e prometeu agir pelo apaziguamento político no país.
O discurso, no entanto, ainda não convenceu parte da população. “Mandamos alguém vivo, eles mandaram de volta um cadáver”, disse o mecânico Frantz Atole, 42, acrescentando que os atos de protesto devem continuar. “Este país não vai ficar em silêncio.”
Outra manifestante em Cap-Haitien culpa “a burguesia de Porto Príncipe”, capital do país, pela morte de Moïse e pelo cenário de tensão instalado no Haiti. “Tudo o que estou pedindo é que fechem todas as ruas para impedi-los de chegar [ao funeral]”, disse a estudante Emmanuella Joseph, 20, chorando em um trecho da estrada bloqueado pelos protestos.
Na cidade natal do presidente assassinado, foram montados palcos com bastante iluminação, e a estrada de tijolos que leva ao mausoléu da família foi pavimentada. Situado em um terreno onde ele viveu quando menino, o local onde Moïse será enterrado fica à sombra de árvores frutíferas e a poucos passos do túmulo de seu pai.
Conhecido no país como “Homem Banana”, devido à carreira que construiu como exportador da fruta antes de entrar na política, Moïse não conseguiu reprimir a violência de gangues que cresceu durante seu mandato e enfrentou grandes protestos contra seu governo devido a acusações de corrupção e de autoritarismo.
Em Cap-Haitien, no entanto, o apoio ao presidente ainda se traduz, nesta sexta, em cartazes espalhados pelos edifícios da cidade, onde se liam frases em crioulo haitiano, um dos idiomas oficiais do país, como “eles mataram o corpo, mas o sonho nunca morrerá” e “Jovenel Moïse, defensor dos pobres”.
Moïse foi morto em casa na madrugada do último dia 7. Sua mulher, Martine Moïse, ficou gravemente ferida e foi levada a Miami para receber tratamento médico. Ela voltou ao Haiti dez dias depois, usando colete à prova de balas.
Até agora, não há conclusão sobre quem foi o mandante do assassinato nem a razão do crime. Segundo o governo haitiano, o presidente foi morto por um grupo de mercenários, que incluía militares colombianos aposentados. Mais de 20 pessoas foram presas por conexão com o caso.
Um dos investigados como um dos possíveis mandantes é Claude Joseph, que era o premiê interino na ocasião do crime e assumiu o comando do país até a posse de Henry nesta semana. Segundo reportagens publicadas na pela imprensa colombiana –mais de 20 suspeitos pelo crime são ex-militares do país sul-americano, a ideia de Joseph seria prender Moïse, alvo de contestação pela forma autoritária com que governava, mas o então primeiro-ministro teria mudado de ideia e resolvido mandar matá-lo. A polícia haitiana nega que o ex-premiê, agora titular da pasta de Relações Exteriores, esteja sob investigação.

Fonte: FolhaPress/Lucas Alonso