Cultura
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Em livro sobre a história do Universo, físico italiano defende ideia de ‘caos cósmico’

REINALDO JOSÉ LOPES –

O italiano Guido Tonelli esteve na linha de frente de uma das descobertas mais importantes da física neste século: a detecção do bóson de Higgs, partícula responsável por conferir massa aos demais componentes da matéria que conhecemos. Em “Gênesis: A História do Universo em Sete Dias”, ele busca encaixar esse e outros achados recentes numa narrativa das origens cósmicas que possa desempenhar função semelhante à dos mitos pré-científicos.
Não se trata propriamente de uma ambição nova entre os cientistas que falam sobre a física moderna para o grande público, é claro. Da versão original da série de TV “Cosmos”, apresentada pelo americano Carl Sagan (1934-1996), à nova encarnação do seriado sob a batuta do astrofísico Neil DeGrasse Tyson, passando por best-sellers como os do pesquisador brasileiro Marcelo Gleiser, o potencial da ciência para transfigurar o que sabemos sobre o Cosmos numa saga grandiosa virou uma espécie de lugar-comum.
Tonelli resvala nesses chavões em frases como esta: “Enfrentaremos uma viagem guiada apenas pela imaginação, que recorrerá a conceitos tão audaciosos que a narrativa de ficção científica mais fantasiosa parecerá banal em comparação”. (É difícil ouvir esse tipo de afirmação sem concluir que o autor não conhece lá muito bem o gênero da ficção científica.)
Para sorte do leitor, o físico da Universidade de Pisa consegue compensar o sabor de “mais do mesmo” presente em tal programa ressaltando um aspecto bem menos presente em outras obras do gênero. De fato, enquanto a maioria dos livros e séries de TV similares enfatizam a suposta beleza inexorável da ordem universal, o fato de que leis abstratas e eternas parecem reger tudo o que existe, Tonelli defende que a maneira correta de enxergar o mundo ao nosso redor é como “caos cósmico”.
Ou seja, uma “ordem arrumada” (talvez a melhor maneira de traduzir o sentido original da palavra grega “kôsmos”) que emerge a partir de uma realidade subjacente fervilhando de possibilidades e difícil de compreender. Tal como em alguns mitos de criação pré-modernos -em especial os da Grécia Antiga, frequentemente citados pelo físico-, o Caos é uma espécie de vazio primordial. Mas o grande paradoxo no que diz respeito a esse vazio primevo é o fato de que ele não equivale a um “nada” absoluto.
Como explica Tonelli, incontáveis observações e experimentos demonstraram que mesmo o vácuo mais absoluto, supostamente desprovido de qualquer matéria e energia, é “fértil”. Em escalas submicroscópicas, o vazio abriga um zoológico de partículas ditas virtuais, que brotam do nada e se aniquilam em frações de segundo inimaginavelmente breves.
Segundo a visão dominante da cosmologia moderna, pequenas instabilidades nesse tipo de vazio teriam dado o pontapé inicial na expansão que conhecemos como Big Bang -o qual, segundo essa visão, não passaria de uma região minúscula de Caos que começou a se expandir e a ganhar características de Cosmos.
Os mecanismos que permitiram esse início ainda não estão claros, mas há uma quantidade imensa de informações confiáveis sobre o que veio depois, e é com base nelas que o físico italiano estrutura os seus “Sete Dias” do Gênesis, por analogia com o período similar no primeiro livro da Bíblia.
Trata-se, no entanto, de uma semana metafórica muito menos antropocêntrica (e geocêntrica) do que a do texto bíblico: os primeiros três dias (ou dez segundos após a Big Bang) abordam apenas a origem dos núcleos dos átomos; as primeiras estrelas só surgem no quinto dia; e o nosso Sol é um recém-chegado do sétimo dia (há 4,5 bilhões de anos).
Num cenário tão grandioso e antigo, a humanidade seria mera nota de rodapé? Tonelli não oferece uma resposta direta a esse tipo de questionamento, e a amarração final do livro é um tanto abrupta. Apesar disso, para aqueles que ainda não tiveram contato com a narrativa científica das nossas origens, a obra oferece um mapa razoavelmente claro do caminho que trilhamos até aqui.

Fonte: FolhaPress