LEONARDO SANCHEZ – Anos 1970. Um soldado da Marinha dos Estados Unidos é enviado a um Vietnã dividido para resgatar compatriotas que foram presos durante um dos principais conflitos da Guerra Fria, que opôs seu país à União Soviética.
Anos 2020. Desta vez, o mesmo personagem precisa ir à Síria, onde uma guerra civil se arrasta há uma década. De um lado, Bashar al-Assad tenta se manter no poder, com apoio da Rússia. De outro, os Estados Unidos querem a derrubada do ditador.
O primeiro conflito dá o tom do livro “Sem Remorso”, do mestre da ação Tom Clancy. Já o segundo serve de contexto para sua adaptação num filme homônimo, que chega agora ao Amazon Prime Video.
Protagonizado e produzido por Michael B. Jordan, “Sem Remorso” acompanha John Kelly –conhecido na saga literária como John Clark, seu codinome–, que vê sua vida desmoronar depois de se envolver numa ação militar na Síria. De volta à sua casa, ele é vítima de uma tentativa de homicídio, mas quem acaba morrendo é sua mulher e o bebê que ela carrega. O militar então parte em busca de vingança e dos assassinos, que têm relações com a Rússia.
Uma nova roupagem foi dada à história de Clancy, que debutou no número um da lista de best-sellers do New York Times em 1993. A ideia, de acordo com Jordan, era modernizar e trazer a trama para perto do público do streaming –e o recente contexto de animosidade entre americanos e russos, com hackers e escândalos cibernéticos, pareceu um bom caminho.
Jordan, no entanto, diz que a intenção nunca foi gerar rivalidade ou insinuar qualquer coisa, mas era necessário, sim, apresentar um contexto minimamente realista para o longa.
“Nesse tipo de filme, você precisa encontrar um antagonista que seja maior do que um único indivíduo. Normalmente a China ou a Rússia ocupam esses lugares, por causa das relações passadas com os Estados Unidos”, afirma. “Na teoria, pode até parecer que uma nação é a vilã da trama, mas quando você presta atenção, nota que na verdade existe um cara jogando com os estereótipos para causar um conflito que interessa a ele mesmo.”
De fato, o estereótipo do russo malvado vem sendo usado por Hollywood há décadas, desafiando de James Bond a John Rambo e Rocky Balboa. E é claro que a Guerra Fria e a oposição entre capitalismo e comunismo foram essenciais para reforçar essa imagem no imaginário cinéfilo. Agora, no entanto, ela parece estar voltando às telas.
Tramas ambientadas naquele período de tensão têm sido lançadas recentemente, bem como algumas obras modernas, mas que acenam para a rivalidade histórica. Minissérie sensação da Netflix, “O Gambito da Rainha” explorou, ao longo de seus episódios, a vontade de sua enxadrista de derrubar o campeão russo do esporte.
Já a série “Glow” fez o mesmo de forma mais física, com lutadoras americanas e soviéticas se enfrentando no ringue. “Stranger Things” começou a brincar com a vilania russa em sua última temporada, o que deve se expandir na próxima. No filme “Atômica”, Charlize Theron era outra que precisava escapar dos comunistas.
Fora dos anos de Guerra Fria, a comédia “Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars”, ambientada na atualidade, traz Dan Stevens no papel de um russo manipulador, que ainda faz troça com as políticas homofóbicas do país europeu. “Não há gays na Rússia”, diz ele em determinada cena.
“Sem Remorso”, agora, é mais uma produção a recuperar e a atualizar essa animosidade que Hollywood tem há anos com Moscou. Mas o longa é apenas o primeiro capítulo de uma franquia que, se tudo der certo, deve ajudar o Amazon Prime Video a enfrentar seus concorrentes do streaming.
De acordo com Michael B. Jordan, ele estava em busca de uma série de filmes que pudesse estrelar quando cruzou com o roteiro da adaptação do livro de Tom Clancy. O desafio, agora, é encontrar novas aventuras que justifiquem o retorno de seu personagem às telas.
“Há vários motivos para que um longa continue gerando derivados. O importante é fazer, primeiro, um bom filme, sem pensar nas continuações. Se o personagem que você criou for interessante o suficiente e o público quiser ver mais dele, aí sim seguimos em frente”, diz o ator-produtor, que emenda uma brincadeira. “Mas vocês precisam prometer que vão me contar quando for a hora de parar.”
“Sem Remorso” faz parte, nas páginas, do Ryanverse, ou Universo Jack Ryan, uma série de livros militares e de espionagem escritos por Tom Clancy e continuados por seus pupilos após sua morte, em 2013. Já são mais de 30 obras ambientadas nesse mundo, incluindo “A Caçada ao Outubro Vermelho”, que virou filme estrelado por Sean Connery em 1990.
Além de Jordan, John Krasinski é outro que embarcou na empreitada do Amazon Prime Video, protagonizando o seriado “Jack Ryan”, que deve ganhar uma terceira temporada em breve e continuar explorando os escritos deixados por Clancy.
Fonte: FolhaPress