Internacional
Quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth 2ª, morre aos 99 anos

RODRIGO VIZEU – Nascido e criado em um tempo em que os homens entendiam ter evidente ascendência sobre as mulheres, o príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth 2ª, acostumou-se a viver à sombra, até mesmo caminhando alguns passos atrás da monarca britânica.
Mais longevo consorte da história do Reino Unido, ele morreu nesta sexta-feira (9) no Castelo de Windsor, aos 99 anos, dois meses antes de seu centésimo aniversário. A causa da morte ainda não foi divulgada, mas o príncipe havia passado por procedimentos cardíacos nos últimos meses, nos quais ficara quatro semanas hospitalizado.
“É com profunda tristeza que Sua Majestade, a Rainha, anuncia a morte de seu amado marido, Sua Alteza Real, o Príncipe Philip, Duque de Edimburgo”, anunciou o Palácio de Buckingham em um comunicado.
“Sua Alteza Real faleceu pacificamente nesta manhã no Castelo de Windsor. Novos anúncios serão feitos no devido tempo. A Família Real se une às pessoas ao redor do mundo em luto por sua perda.”
Devido à pandemia de coronavírus, Philip não terá um funeral de Estado com a pompa tradicional desse tipo de evento. O College of Arms, instituição real responsável pela cerimônia, divulgou um comunicado em que afirma que o corpo do príncipe ficará em Windsor até o funeral na capela de St. George, na área do castelo.
O órgão ainda pediu que a população não tente comparecer ou participar de qualquer ato da cerimônia. O gabinete do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recomendou também que as pessoas parem de levar flores até residências reais, com o objetivo de evitar aglomerações e a transmissão do coronavírus.
O Palácio de Buckingham e outros prédios por todo o país baixaram suas bandeiras a meio mastro, em sinal de luto, e o conteúdo do site oficial da família real foi temporariamente substituíto por uma foto do príncipe e pelo anúncio de sua morte.
Philippos Schleswig-Holstein Sonderburg-Glucksburg nasceu em 1921, na ilha grega de Corfu, em um lar marcado por infortúnios. Seu avô, o rei Jorge 1º da Grécia, foi assassinado. O primo, o rei Alexandre, morreu aos 27 anos de infecção após ser mordido por um macaco.
Ligada ainda à coroa dinamarquesa, a família de Philip foi forçada a se exilar quando ele ainda era um bebê após uma insurreição militar. Deixou a Grécia em uma caixa de frutas improvisada como berço. A mãe, surda, recebeu o diagnóstico de esquizofrenia.
Philip passou pela França e, enfim, foi viver na Inglaterra com a avó materna, por sua vez neta da rainha Vitória (1819-1901) -o que faz dele um primo distante de Elizabeth, 94.
Em território inglês, a sorte do jovem grego começaria a mudar. Estudou no país e ingressou na Marinha.
Em 1939, conheceu Elizabeth durante uma visita da princesa à academia naval britânica, na qual o então estudante foi destacado para ciceronear a herdeira do trono. Passaram a trocar correspondências.
Lutou na 2ª Guerra Mundial no Mediterrâneo e no Pacífico. Em 1943, salvou a própria vida e a de companheiros ao construir uma falsa embarcação que atraísse a atenção de um ataque aéreo alemão, permitindo que o destróier HMS Wallace, onde estavam os britânicos, escapasse.
Não foi sem resistências que o militar orgulhoso, formado no seio da aristocracia do império britânico da primeira metade do século 20, resignou-se a um papel secundário.
Ao casar-se com Elizabeth, em 1947, Philip se naturalizou britânico, converteu-se à fé anglicana e abdicou de seus direitos a tronos estrangeiros. Virou duque de Edimburgo, o principal de seus muitos títulos.
Com a ascensão de Elizabeth ao trono, Philip afastou-se das atividades da Marinha. Na cerimônia da coroação da mulher, transmitida ao vivo em 1953, ajoelhou-se e declarou ser seu vassalo, prometendo apoiá-la e adorá-la.
Passou a dedicar as décadas seguintes a giros pelo exterior, eventos oficiais e atividades filantrópicas, muitos deles aborrecidos. Presidia centenas de entidades do tipo. Em maio de 2017, o Palácio de Buckingham anunciou que o príncipe se afastaria da vida pública, aposentando-se em setembro daquele mesmo ano.
Antes disso, a despeito de suas mais de 22 mil aparições públicas em eventos oficiais sem a rainha, Philip demonstrou que nunca soube muito bem o que fazer como coadjuvante na monarquia. “Não havia precedente. Se eu perguntasse a alguém ‘o que você espera que eu faça?’, todos ficariam sem saber o que dizer. Eles não tinham ideia, ninguém tinha”, disse ele em uma entrevista na ocasião de seus 90 anos.
Um de seus contratempos como figura apenas acessória do trono foi a decisão de que a casa real não teria o seu sobrenome, Mountbatten, continuando a ser Windsor, da família de Elizabeth.
“Não sou nada além de uma maldita ameba. Sou o único homem no país que não pode dar seu nome a seus filhos”, lamentou o príncipe à época. Em 1960, ele teve uma desforra parcial graças a uma nova regra que criou o sobrenome Mountbatten-Windsor, aplicável a parte da família.
O príncipe também teve alguns desgostos com o herdeiro Charles, criticado pelo pai amante de esportes pela pouca destreza e introspecção. Philip deixa outros três filhos -Anne, Andrew e Edward-, oito netos e dez bisnetos.
O papel secundário na monarquia privava Philip da participação em audiências reais e impedia seu acesso a papéis -e a decisões- de Estado. Mas nos anos 1950, a rainha teve o cuidado de garantir que, caso ela viesse a morrer antes que o filho Charles, seu sucessor no trono britânico, alcançasse a maioridade, seria o marido, e não a irmã Margaret, que assumiria as funções de regência.
“Ele tem, simplesmente, sido minha força e ficou ao meu lado todos esses anos”, disse a rainha Elizabeth em uma rara homenagem pessoal ao marido durante o discurso na cerimônia em que comemoraram 50 anos de casamento, em 1997.
No mesmo ano, Philip diria que “a principal lição que aprendemos é que a tolerância é o ingrediente essencial de qualquer casamento feliz”.
“Pode não ser tão importante quando as coisas estão indo bem, mas é absolutamente vital quando as coisas ficam difíceis. Você pode acreditar que a rainha tem a qualidade da tolerância em abundância.”
ESTILO
Ao longo das sete décadas de dedicação à agenda monárquica, o duque de Edimburgo atraiu para si controvérsias. Acumularam-se relatos de comentários de mau gosto e descortesias deles à cultura e à sociedade de outros países, muitos deles domínios ou ex-colônias do Reino Unido.
Ao ver um presidente nigeriano com roupas típicas, brincou que o africano parecia pronto para dormir.
Na única visita do casal real ao Brasil, em 1968, Philip perguntou a um almirante cheio de medalhas no peito se ele era comandante do Paranoá, lago artificial que banha Brasília.
Ao ser apresentado a um gim brasileiro produzido sob licença britânica, o príncipe reclamou: “Não vejo a hora de ser cassada essa autorização”. “Eu sou rude e sem maneiras e digo muitas coisas que depois percebo que devem ter machucado alguém. Aí me encho de remorso e tento consertar”, afirmou certa vez.
Em 1961, mesmo ano em que se tornou presidente de um fundo britânico para conservação da vida selvagem, Philip ostentou sua habilidade como caçador ao posar diante de um tigre de mais de 2,5 metros de comprimento que ele matou com um único tiro durante uma visita à Índia.
Visto há anos com reservas por muitos britânicos, o jeito Philip de ser ganhou mais inimigos mundialmente graças à Netflix. Na série “The Crown” é um teimoso e ressentido Philip que muitas vezes faz as vezes de vilão na falta de guerras ou de um movimento republicano relevante que agite a trama.
Com a morte do marido da rainha, estão distantes no horizonte do Reino Unido novos homens consortes, salvo abdicações ou tragédias. A linha sucessória do trono tem Charles, 72; William, 38; e George, 7. É sobre uma eventual primogênita do hoje pequenino príncipe que recaem as perspectivas de um novo consorte para acompanhar a rainha da Inglaterra.

Fonte: FolhaPress