INÁCIO ARAUJO
FOLHAPRESS – Não importa que lá estivessem Vera Fischer e Tarcísio Meira, ou Íris Bruzzi e Mendonça. Nem muito menos que este fosse um filme de Walter Hugo Khouri. Nada. Para todos os efeitos, “Amor Estranho Amor” ficou célebre por ser “o filme da Xuxa”.
E duplamente. Primeiro, quando foi feito, em 1982, e ela ainda era uma modelo cuja celebridade derivava do fato de ter sido namorada de Pelé. Anos mais tarde, ela voltou ao centro dos acontecimentos, ao conseguir a interdição do relançamento do filme.
Xuxa tinha lá suas razões. No meio tempo, ela se tornara “a rainha dos baixinhos”, e talvez não pegasse bem ela, entre outras travessuras, aparecer desvirginando justamente um baixinho. Hoje o filme pode circular livremente. Com razão -se existem cenas de sexo à beça, parece que Khouri se esforçou para as filmar quase sempre o mais burocraticamente possível.
É um problema do filme. A primeira parte se arrasta em busca de uma justificativa. Sabemos apenas que lá está um idoso, vivido por Walter Forster, que visita não só uma bela casa como seu passado. Nesse passado ele é Hugo, filho da cortesã Vera Fischer que é deixado em casa pela avó. Tem seus dez ou 12 anos e está um pouco assustado com o interesse que desperta nas moças.
Nada disso, porém, tem relevância. Tudo que acontece até a metade do filme existe para criar um quadro onde se dá a sequência verdadeiramente notável da história, o momento em que um grupo de homens ilustres decide o futuro do Brasil. Sim, a velha política do café-com-leite pretende se reerguer ganhando as eleições. Onde se passa a trama? No sofisticado bordel onde prostitutas e políticos desfilam, cada um a seu modo, a hipocrisia nacional.
Na ação, estamos em 1937, na filmagem em 1982. Walter Forster agora é ministro. Aprendeu bem as lições de seus dias de baixinho do bordel!
Ao voltar a ser exibido em 2021 -o filme passa na TV pela primeira vez na madrugada desta quinta para sexta, à 0h30-, é como se “Amor, Estranho Amor” nos lançasse a pergunta -alguma coisa mudou de verdade?
Esse é o ponto central. Todo o resto, inclusive as partes burlescas da trama (são divertidas), sobretudo as que envolvem Hugo, Xuxa e Mauro Mendonça, servem de acessório.
Fosse Khouri mais discípulo de Tinto Brass e menos de Bergman teríamos aí uma obra-prima. Mas, à parte os momentos em que os rostos masculinos e as expressões femininas parecem resumir as deformações nacionais -passadas, presentes e futuras-, o que se impõe são as concessões que o cineasta precisava fazer para continuar filmando na virada dos anos 1970 para os anos 1980.
Ainda assim, eis um filme que fala sobre a vida nacional muita coisa que o cinema novo, por exemplo, quis dizer e nunca teve coragem de perguntar.
Cultura
Terça-feira, 5 de novembro de 2024
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