FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos grandes legados da Constituição de 1988, motivo de orgulho nacional para muitos, o SUS (Sistema Único de Saúde) nunca esteve sob escrutínio tão intenso como durante a pandemia.
Tem sido festejado por sua capacidade de responder à crise na mesma medida em que criticado por suas limitações. Como pano de fundo, corre uma discussão que tem animado os adeptos de uma visão mais liberal sobre a saúde: como inserir o setor privado em sua operação.
Especialista em gestão da saúde, o curitibano Silvio Guidi é um dos que apontam a existência de um certo preconceito contra a presença do setor privado na área. Isso tem ficado mais claro, diz ele, no debate sobre a vacinação contra a Covid-19, em que empresas e clínicas privadas buscam ter um papel.
“Na área da saúde, um real gasto no setor privado é um real a menos que onera o setor público. Esse raciocínio vale também para a vacinação na pandemia”, afirma Guidi.
Mestre e doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP, ele tem 15 anos de experiência com administração hospitalar e dois livros publicados sobre gestão da saúde.
Não deveria haver problema, diz ele, com a compra de vacinas pelo setor privado, desde que não seja um processo predatório com relação ao cronograma de prioridades de imunização de grupos emergenciais definido pelo setor público.
Em outras palavras, vacinados os trabalhadores na linha de frente na área da saúde e categorias vulneráveis como idosos e indígenas, o setor privado deveria entrar com tudo na estratégia de imunização.
“Precisamos de esforços para proteger os mais vulneráveis. Depois que você resolve esses problemas, você volta para uma situação típica da área da saúde, em que há demanda para serviços públicos e privados”, afirma.
Nas últimas semanas, têm proliferado iniciativas de envolvimento do setor privado na aquisição de vacinas. Primeiro foi a Associação Brasileira das Clínicas de Vacina (ABCV), que anunciou a intenção de comprar doses da indiana Bharat Biontech.
Depois, veio a tentativa de empresas brasileiras de grande porte de comprar cerca de 35 milhões de doses da vacina da AstrZeneca para imunizar seus funcionários, com a contrapartida de doação de metade para o SUS.
Ambas as tentativas receberam uma saraivada de críticas, acusadas de estarem furando a fila do calendário oficial de vacinação e privilegiando uma elite que teria acesso à proteção de maneira antecipada. No momento, estão em suspenso, esperando o melhor momento para voltarem à carga.
Para Guidi, esse tipo de raciocínio de público contra privado é simplista. É interesse de toda a sociedade, afirma, que o ritmo de imunização seja o mais rápido possível, para acelerar a imunização coletiva, que é o que derrota o vírus.
“Colocar todo mundo na fila única não resolve o problema da justiça social. Você pega a população que tem condição de fazer a vacinação privada, e isso ajuda a aumentar a imunização coletiva. Beneficia também as pessoas sem condição financeira”, afirma.
O que falta, diz ele, é uma estratégia de comunicação eficiente para deixar claras as vantagens de se conjugar vacinação pelos setores público e privado.
“Tem que haver um marketing republicano, legítimo. E não o marketing populista, de não permitir a vacinação privada. É preciso levar em conta quem mais está sofrendo com essa situação. É o pobre que pega o ônibus que vai sofrer. Discursos pouco pragmáticos não ajudam”, afirma.
Um exemplo do que ele chama de discurso pouco pragmático, e muito ideológico, veio na reação que se seguiu à menção, no ano passado, de possíveis parcerias entre os setores público e privado na gestão de postos de saúde. “A reação foi desmedida. Era apenas um estudo de viabilidade”, afirma.
Mas isso é revelador, diz ele, sobre a dificuldade de se aceitar a presença do setor privado em alguns setores. “Qual a diferença entra a concessão de uma rodovia e de um hospital? No caso da rodovia, a conta é paga apenas por quem a utiliza, com pedágios. Numa UBS [Unidade Básica de Saúde], é paga por todo mundo. O setor privado equipa, constrói e presta serviço”, afirma.
Ele afirma que aos poucos tem diminuído a resistência à presença do setor privado em áreas da chamada “bata cinza”, ou seja, serviços como administração, limpeza e segurança de unidades de saúde. O próximo passo, diz, é que isso se estenda para a “bata branca”, as atividades de saúde propriamente ditas.
Outro problema, afirma, é uma certa autossuficiência de órgãos regulatórios como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela aprovação de medicamentos e vacinas. Não há, diz Guidi, uma abertura a visões de mercado e do setor privado.
“A Anvisa não pode ser tão fechada que você não consiga capturar as melhores opiniões de especialistas, da sociedade, do mercado privado, das farmacêuticas”, diz.
Em resumo, diz ele, o Brasil tem muito medo do setor privado, e não apenas no caso da Anvisa.
“Quando é nomeado um diretor do mercado para uma agência, sempre se fala que essa pessoa está indo atender um interesse de mercado ou de empresas. Não é uma questão de atender aos interesses do mercado, mas sim de ter uma visão do mercado”, afirma.
Destaques
Quinta-feira, 16 de maio de 2024
Dólar | R$ 5,18 | 0,000% |
Peso AR | R$ 0,03 | 0,164% |
Euro | R$ 5,59 | 0,000% |
Bitcoin | R$ 114.180,92 | 0,096% |
ACM Neto: União Brasil não vai desembarcar do governo, afinal nunca embarcou
O primeiro vice-presidente do União Brasil, ACM Neto, não considera que o seu partido faça parte da base do governo federal, a despeito da presença em três ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-prefeito de Salvador diz que sua sigla nunca embarcou no governo, e por isso não há sentido em falar...
Política
Conselho de Ética aprova continuidade de processo que pode cassar mandato de Chiquinho Brazão
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (15), por 16 votos a 1, o relatório da deputada Jack Rocha (PT-ES) pela admissibilidade da representação que pode resultar na cassação do mandato do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ).Ele está preso desde 24 de março sob acusação de ser um dos mandantes do...
Política
Governo anuncia R$ 5,1 mil via Pix para cada família que perdeu seus bens nas enchentes do RS
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, anunciou na quarta-feira, 15, que o governo irá repassar R$ 5,1 mil para cada família gaúcha que perdeu seus bens e móveis nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Em estimativas iniciais, o Planalto estima que o volume de recursos para esse benefício deve somar R$...
Economia
Primeiro-ministro da Eslováquia é baleado
Robert Fico foi alvo de ataque a tiros durante compromisso oficial em Handlova O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, foi alvo de um ataque a tiros nesta quarta-feira (15) durante uma reunião de governo em Handlova, a cerca de 160 quilômetros da capital, Bratislava, segundo informações confirmadas pelo vice-presidente do Parlamento, Lubos Blaha, e publicadas...
No Mundo
Copom usou critérios técnicos em decisão sobre juros, diz Campos Neto
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quarta-feira (15) que a discussão dos membros do Copom (Comitê de Política Monetária) se apoiou em critérios técnicos e defendeu que todos os argumentos foram considerados no debate.A declaração foi dada depois dos ruídos gerados após uma decisão dividida do colegiado do BC. Na última...
Economia
Toda ajuda é bem-vinda, diz Leite sobre ministro extraordinário para o RS
Lula e o governador devem se reunir nesta quarta-feira (15); “temos uma série de pontos a serem tratados”, disse mandatário gaúcho Questionado sobre a criação de um ministério extraordinário para o Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) disse que “toda ajuda” ao estado “é bem-vinda”. “Todo apoio que houver, não há da...
Política
Rússia tenta tomar 2ª maior cidade da Ucrânia; veja últimas atualizações da guerra
Na terça-feira, pelo menos 21 civis, incluindo duas meninas de 12 anos e um menino de 8 anos, ficaram feridos em ataques russos na cidade de Kharkiv A Rússia continua a sua investida no nordeste da Ucrânia desde que fez vários avanços na região durante a semana passada, após lançar um ataque surpresa transfronteiriço. Estes...
No Mundo