MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Donald Trump insistiu em seu figurino incendiário durante a abertura da convenção republicana.
Após ser oficializado candidato do partido à reeleição, nesta segunda-feira (24), o presidente fez um discurso de quase uma hora em que repetiu habituais ataques, na tentativa de mobilizar sua base conservadora e cristalizar uma mensagem contra Joe Biden, seu adversário à Casa Branca.
Em desvantagem nas pesquisas nacionais e na maioria dos estados-chave, Trump apostou na retórica da guerra cultural –que tanto agrada a seus eleitores– para dizer que Biden é um radical de esquerda que pode acabar com o sonho americano.
O objetivo é unir sua base de apoio e ao menos amedrontar moderados que flertavam com o ex-vice de Barack Obama, criando um sentimento de que valores conservadores do país estarão em risco caso a oposição volte ao poder.
“A esquerda radical vai fazer com que Biden nomeie juízes loucos e super radicais de esquerda para a Suprema Corte, e seu sonho americano estará morto se isso acontecer”, disse o presidente, sob aplausos de uma plateia de cerca de 300 pessoas.
O evento é realizado em um salão, com os participantes sentados distantes uns dos outros. Em anos anteriores, as convenções costumavam reunir milhares de pessoas em arenas esportivas.
Além da investida ideológica, focada em questões como o porte de armas e a necessidade de impor lei e ordem no país tomado por protestos antirracismo, Trump virou seu holofote mais uma vez para o voto por correio.
Sem apresentar provas, o republicano disse que pode haver fraude na disputa deste ano devido à votação a distância e que os democratas “estão usando a Covid-19 para roubar as eleições”.
A oposição defende esse sistema em meio às restrições impostas pela pandemia, enquanto o presidente avalia que o voto por correio pode beneficiar democratas, ainda que não existam evidências que sustentem a afirmação –o voto não é obrigatório nos EUA e, em 2016, Trump foi derrotado no voto popular, mas venceu no Colégio Eleitoral.
Os republicanos realizam uma convenção presidencial em proporções reduzidas até quinta-feira (27) em Charlotte, na Carolina do Norte. Devido à crise sanitária que já matou mais de 175 mil pessoas nos EUA, poucos delegados foram ao encontro, mas, com sua aparição surpresa, Trump gerou aglomerações dos participantes que queriam ver o presidente de perto.
Na quinta, ele fará seu discurso oficial como candidato à reeleição, encerrando o encontro, mas pretende falar em todos os outros dias do evento.
Trump foi recebido nesta segunda com gritos de “mais quatro anos” e reagiu com ironia: “Se quiserem deixá-los mais malucos, digam ‘mais 12 anos'”. A lei americana permite apenas uma reeleição à Casa Branca, o que faz com que cada líder fique, no máximo, oito anos cargo.
Para tentar garantir a reeleição, Trump buscou reescrever a narrativa de que falhou na condução da pandemia e se colocou como o mais capacitado para recuperar a economia americana, assolada em uma crise histórica, com índices de desemprego que saltaram de 3,5% para 13%.
“Fizemos um ótimo trabalho. Não só eu, mas médicos e enfermeiros […] Todas as pessoas que precisaram de ventiladores os tiveram.”
O presidente sabe que, se quiser ser reconduzido à Casa Branca, precisa mudar o foco da campanha, fazendo com que os eleitores não vejam a disputa de novembro como um referendo sobre sua postura diante da crise.
Trump tenta então mostrar que já produziu bons resultados econômicos no passado e será capaz de fazer de novo caso vença para um segundo mandato.
“Nosso país pode ir para um direção terrível, terrível. Antes de a praga chegar da China, nós estávamos indo em uma direção que nunca tínhamos visto antes, com uma economia de sucesso e os melhores índices de desemprego da história”, afirmou.
“Em um segundo mandato, vamos continuar a reforçar nossas tropas militares, criar 10 milhões de empregos nos primeiros 10 meses, facilmente. Eles [democratas] querem aumentar os impostos, eles vão quadruplicar os impostos].”
A retórica agressiva, permeada de exageros e informações falsas, é recorrente no discurso de Trump durante todo o seu governo e deve guiá-lo até novembro.
A postura tem ressonância em sua base, formada principalmente por religiosos e conservadores, e a estratégia de focar nichos específicos durante a campanha é eficaz no sistema indireto de Colégio Eleitoral, em que os estados-chave, com maior número de delegados, são os mais importantes para a vitória.
Em 2016, foi justamente a economia que mobilizou eleitores brancos e pouco escolarizados do Meio-Oeste americano a escolher Trump depois de terem votado duas vezes em Obama, por exemplo.
Eles se diziam cansados da política tradicional, e o atual presidente apresentava-se como um outsider, um homem de negócios. Biden não fez grandes acenos a esse eleitor durante a convenção democrata, na semana passada, e deixou o caminho aberto a Trump.
O presidente não precisa necessariamente atrair esse grupo, basta afastá-lo de Biden, como fez com Hillary há quatro anos.
Dessa vez, de dentro da Casa Branca, Trump não pode lançar mão da roupagem de alguém fora da política e busca inspiração na campanha de George Bush em 1988 para virar o jogo.
Em julho daquele ano, Bush estava 17 pontos atrás do democrata Michael Dukakis e apostou no que ficou conhecido como “campanha negativa moderna” para ultrapassar e vencer o adversário com folga: 53% a 46%.
De acordo com essa tese, os eleitores começam a pensar na campanha de fato em setembro, e ataques mais fortes direcionados ao adversário podem fazer efeito de maneira mais eficaz durante esse período.
Bush elencou posições consideradas radicais de Dukakis e pintou sua imagem como uma ameaça à classe média –justamente a fatia que migrou de Obama a Trump nos últimos anos.
A diferença, dizem analistas, é que hoje Biden é bem mais conhecido que seu correligionário democrata de 1988, e Trump enfrenta uma rejeição grande (na casa dos 54%), enquanto Bush era vice de um governo melhor avaliado.
Nesta segunda, o atual presidente falou ainda sobre China, outro tópico pouco explorado pelos democratas na semana passada e muito caro à população americana – cada vez mais anti-Pequim.
Segundo o presidente, a China “será dona dos EUA” caso Biden seja eleito.
A convenção republicana dará destaque a ativistas que ficaram conhecidos por confrontar manifestantes antirracistas, combater o aborto e desafiar a imprensa, em mais um sinal de que a aposta de Trump no discurso de confronto e de acenos a grupos radicais segue firme.
O presidente luta ainda para conseguir dar boas notícias e reverter ao menos um pouco a imagem de que não foi um bom líder diante do coronavírus.
A disputa de 1988 ensinou que, quando bem executada, uma convenção partidária pode mover rapidamente a opinião pública e mudar o cenário de uma eleição que parecia perdida.
Internacional
Quinta-feira, 7 de novembro de 2024
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