LUCAS BRÊDA
FOLHAPRESS – “Fomos indicados ao Grammy e continuamos no mesmo jardim de casa”, diz Billie Eilish em uma das cenas finais de “The World’s a Little Blurry”, documentário que acompanha a ascensão meteórica da cantora, que com recém-completados 18 anos recebeu não apenas seis indicações à principal premiação da música americana, como ganhou as quatro principais categorias, batendo inclusive recordes.
Eilish é a última sensação da música no mundo pré-pandêmico, alcançando o topo das paradas de diversos países ao redor do mundo e ganhando a crítica com um disco, “When We All Fall Asleep, Where Do We Go?”, escrito e gravado no quarto da casa dela. Na verdade, na casa dos pais dela, e com produção de Finneas, seu irmão.
Mas o filme é menos sobre o fenômeno Billie Eilish e mais sobre uma jovem depressiva que conseguiu, de maneira improvável, canalizar o sofrimento psicológico em sua arte. A cantora aparece em seu quarto dizendo que odeia -e sofre para- compor ou minutos depois de subir ao palco no Coachella, insatisfeita por ter esquecido a letra de uma música em seu show no festival.
Na contramão da tendência recente de documentários autorizados e chapa-branca sobre astros do pop, “The World’s a Little Blurry” ajuda a entender o universo de Eilish sem colocá-la numa posição de vítima da indústria. Na verdade, o filme capta a artista em momentos de vulnerabilidade -brigando com o melhor amigo ou com a mãe, mostrando desenhos e rascunhos e debatendo ideias de músicas com o irmão, demonstrando insegurança para enfrentar a agenda de celebridade que passou a ter em um curto período de tempo.
Eilish diz que a própria família é “a porra de uma música”, no sentido de que os pais e o irmão sempre tocaram instrumentos dentro de casa. Mas ela, mesmo adolescente, já surge com destaque, seja com o jeito de cantar sensível e melancólico e as letras confessionais, seja pela maneira de se vestir com roupas largas e cores escuras, os cabelos coloridos de verde ou azul e uma postura contestadora.
Ela e Finneas trabalham no disco no quarto deles em Los Angeles quando recebem a visita de executivos da gravadora Interscope. Ao produtor, eles pedem um hit, mas Finneas surge nas câmeras dizendo que está escondendo da irmã a vontade da gravadora. Eilish então surge em cena, discutindo com a mãe e se recusando a tentar compor um hit.
Um episódio já marcante da curta trajetória dela é quando, no Grammy, prestes a receber mais um dos quatro prêmios que ganhou naquela noite, a câmera da transmissão flagra a cantora de olhos fechados, dizendo “por favor, eu não”. Eilish ama cantar e ama os palcos, mas não pode dizer o mesmo da ideia de ser famosa.
“Ela tem uma noção muito grande de sua persona na internet”, diz Finneas no filme. “Tenho medo de ela ficar assustada de que algo que ela faça gere ódio. E quanto mais famosa ela ficar, mais ódio vai atrair.”
A insegurança da cantora não parece algo preparado para as câmeras. Ela é mostrada mais de uma vez mexendo a cabeça de maneira esquisita, e diz que tem síndrome de tourette. Também conta que tinha o hábito de se ferir até sangrar, no banheiro de casa, quando era mais jovem. Em uma de suas letras, ela sugere que vai se jogar do teto, algo questionado por sua mãe. “Melhor dizer isso na música do que de fato fazer”, ela responde.
A relação de Eilish com os pais, aliás, é um dos aspectos mais interessantes do filme. Ela nunca foi à escola, e se formou estudando dentro de casa. Seus pais são mostrados como fontes de segurança, acompanhando e monitorando a filha menor de idade em seus primeiros passos no mundo do entretenimento.
Em certa altura, Eilish é perguntada sobre a faixa “Xanny”, cuja letra fala da convivência com pessoas que usam drogas. Perguntada se a letra poderia ficar datada, caso ela começasse a usar drogas, sua mãe entra em cena rapidamente para dizer que essa não deveria ser uma preocupação -e que Eilish não deveria seguir o caminho das drogas.
De certa forma, seus pais são figuras indispensáveis para o sucesso artístico tanto quanto sombras discretas para seus planos de liberdade. Durante o filme, em que ela tem entre mais ou menos 15 e 18 anos, Eilish aprende a dirigir e tira a carta de motorista, mas ouve do pai um sermão -“você é ansiosa, nada de dirigir rápido por aí”.
A contradição entre ser uma estrela do pop já rica e também a filha que deve satisfações quando sai de casa para os pais cria um cenário pouco comum, até mesmo para as estrelas mirim fabricadas por gravadoras. Nesse sentido, o filme revela uma aproximação de Eilish com outro astro mirim -hoje já com 26 anos-, Justin Bieber.
Quando tinha uns 12 anos, Eilish era fanática por Bieber. Em um programa de rádio, ela mostra um vídeo da época em que diz não acreditar que vai se apaixonar na vida, já que nenhum outro homem seria como Justin Bieber. Quando “Bad Guy”, música mais famosa dela, estourou, o próprio Bieber acabou gravando uma participação em um remix da música. Os dois se conhecem no festival Coachella, em um momento emocionante no qual Eilish chora abraçada ao cantor.
Mais do que um filme encomendado para prolongar o sucesso de uma estrela pop no olho do furacão, “The World’s a Little Blurry” tem uma despretensão interessante. A maioria das cenas foram gravadas antes de Eilish ficar famosa, e o documentário consegue mostrar como o disco que revelou a cantora chegou ao topo mesmo sem grandes investimentos de gravadoras, times de composições ou produtores renomados. Até os clipes são fruto da mente fértil da artista.
O filme também acaba evidenciando a conexão de Eilish com um público tão jovem quanto ela, uma geração eclética e criativa, que lida com problemas de ansiedade e morre de medo de ser criticada na internet, ao mesmo tempo que busca o reconhecimento no mundo artístico. São as tensões pessoais que derrubam o psicológico de Eilish ao mesmo tempo que fazem ela ser quem é.
Cultura
Sábado, 18 de maio de 2024
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