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Quinta-feira, 4 de julho de 2024

Dólar chegou ao pico? O que esperar da moeda americana em 2022

A poucos pregões do fim do ano, o dólar mantém o rali de alta e caminha para seu quinto ano consecutivo de ganhos contra o real. A moeda americana foi negociada a 5,738 reais na terça-feira, dia 21, e já acumula alta de 10,55% no ano. O dólar está apenas 0,92% abaixo da maior cotação deste ano, de 5,792 reais, alcançada em 9 de março.

Mas o que esperar do câmbio em 2022? Essa variável é, para muitos economistas e analistas, a mais difícil de prever. 

No mercado, há profissionais experientes que apontam que, ao menos no começo de 2022, a moeda pode reverter a tendência de alta. “As últimas semanas do ano são os piores pregões para o real no ano. Em janeiro e fevereiro, por outro lado, teremos um alívio para a moeda brasileira”, diz Alfredo Menezes, sócio fundador da gestora Armor Capital

Considerado um dos maiores especialistas em câmbio do mercado, Menezes lembra que dezembro costuma ser mais volátil para o câmbio por motivos sazonais. Todo fim de ano, o volume de saídas de recursos do país aumenta com filiais mandando capital para matrizes e empresas pagando dividendos e juros sobre capital próprio. 

Porém, passado o turbilhão de encerramento do ano, o dólar pode dar uma trégua ao real no início de 2022, favorecendo os brasileiros que, por exemplo, buscam uma cotação mais baixa para realizar viagens internacionais para destinos populares como Nova York. Para a Armor, o dólar pode recuar para patamares entre 5,30 reais e 5,50 reais nos primeiros dois meses do próximo ano – ao menos 20 centavos a menos que o preço atual. 

O cenário é compartilhado pelos analistas da Ouroinvest. “A taxa de câmbio deve se manter alta (ao menos até as eleições) e sobretudo muito volátil. Não acreditamos que o dólar recue abaixo dos 5 reais – deve seguir perto dos 5,50 a depender do cenário eleitoral”, afirmam, em nota, os analistas da corretora.

Motivos para a possível queda

Em 2020, o dólar havia disparado 30% contra o real em movimento impulsionado, entre outros fatores, pela menor taxa de juros da história do país, que chegou a 2% ao ano. A Selic mais baixa afastou o investidor estrangeiro (e seus dólares) das aplicações brasileiras, que se tornaram muito pouco rentáveis em comparação ao risco oferecido. 

Neste ano, no entanto, a taxa de juros engatou uma trajetória de alta e já foi elevada em 7,25 pontos percentuais, saltando de 2% para 9,25% ao ano. O movimento deveria aumentar a circulação de dólares no país e diminuir a força do dólar contra o real – o que ainda não aconteceu. A expectativa é que esse seja o cenário no início de 2022.

“Já estamos em um ambiente em que temos juros mais altos do que outros pares emergentes pares. Aquela força que empurrava na direção da desvalorização da moeda, que era o juro muito baixo, começa a trabalhar no sentido contrário”, afirma Fabiano Godói, sócio e CIO da gestora Kairós Capital, que acredita em um dólar a 5,50 em 2022.

Menezes, da Armor, acrescenta que o real pode ser favorecido por um desmonte de operações de hedge (proteção). “O investidor usa como hedge a moeda que tem um custo de carrego menor, ou seja, uma taxa de juros mais baixa. E a taxa Selic deve chegar à casa dos dois dígitos no próximo ano, o que torna o hedge em real muito caro”, explica.

A taxa de juros deve encerrar 2022 em 11,50% ao ano, segundo a projeção de economistas e analistas consultados pelo Banco Central para o mais recente Boletim Focus. Para o câmbio, a expectativa é a de um dólar a 5,55 reais ao fim do ano.

Outro ponto que pode impulsionar o real é a entrada de dólares no Brasil com a força das cotações das commodities, que devem se manter em alta. “O saldo comercial será positivo por causa das commodities, gerando uma pressão forte na direção da apreciação do real”, afirmou em análise recente André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos. A corretora acredita que o dólar deve ficar em torno de 5,40 reais no próximo ano.

Risco externo: Fed e Ômicron

Existem, no entanto, riscos que podem travar o fortalecimento – ainda que temporário – do real. Um deles é a alta na taxa básica de juro dos Estado Unidos, que pode ser antecipada já para o primeiro semestre do próximo ano. A elevação do juro na maior economia do mundo enxuga liquidez dos mercados globais e aumenta a atratividade de opções mais seguras de investimento, como os títulos do Tesouro americano.

Outro fator que aumenta a aversão a risco em mercados emergentes e favorece a moeda americana é o avanço da variante Ômicron — ou de qualquer nova que vir a surgir — do coronavírus. A nova cepa voltou a assustar os investidores nos últimos pregões com o anúncio de lockdown em países da Europa, enfraquecendo o real.

Ainda assim, a expectativa é que a moeda brasileira sofra menos que seus pares emergentes no novo cenário. “Não estamos otimistas, mas os juros no Brasil estão muito elevados, o que torna cada vez mais difícil desvalorizações adicionais ao patamar em que o real já se encontra”, diz Godói.

Obstáculo interno: eleições de 2022

O que realmente trava a recuperação da moeda é o cenário turbulento que se desenha para outubro de 2022, com eleições presidenciais à vista e as perspectivas de uma disputa polarizada. Tanto é que os ruídos eleitorais já estão fazendo preço no mercado mesmo antes de a corrida eleitoral começar efetivamente. 

dólar disparou mais de 1% na última segunda-feira, dia 20, impulsionado também por uma nova ameaça ao quadro fiscal: a notícia de que o grupo de sustentação de Jair Bolsonaro no Congresso, o centrão, quer aumentar o pagamento do Auxílio Brasil de 400 reais para 600 reais. Divulgada pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, a medida é vista como uma medida com o objetivo de tentar levantar a popularidade de Bolsonaro antes do pleito.

O episódio sinaliza que a atual gestão não está disposta a controlar as contas públicas mesmo após a aprovação da PEC dos Precatórios, que já abre espaço fiscal para financiar o novo programa social do governo em ano de eleição. A incerteza sobre PEC foi, inclusive, um dos fatores de incerteza que impediram a queda do dólar em 2021.

O temor é que o governo Bolsonaro aumente ainda mais os gastos para reverter seu quadro de rejeição, que já chega a 48%. O atual chefe do Executivo aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas principais pesquisas de intenção de voto para 2022, perdendo para o petista em cenários de segundo turno.

Na avaliação de analistas, tanto Lula quanto Bolsonaro são representantes de projetos populistas que podem deteriorar ainda mais o quadro fiscal brasileiro, levando o dólar para novos patamares de alta na segunda metade do ano. A situação se complica com a falta de um candidato de terceira via que tenha força para se opor aos dois favoritos. 

Jefferson Laatus, estrategista-chefe e sócio-proprietário do Grupo Laatus, tem uma visão ainda mais cautelosa e não acredita que o dólar irá se valorizar em nenhum momento em 2022.

“Veremos pouca entrada de capital no país em um ano eleitoral tão preocupante, o que favorece o dólar. Vejo a moeda americana a 6,00 reais”, diz.

Outro fator levado em consideração pelo estrategista é o fraco crescimento do Brasil projetado para o próximo ano, o que pode prejudicar ainda mais o real. A expectativa é que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro avance apenas 0,50% em 2022. Individualmente, algumas corretoras já apostam em estagnação no ano que vem.

Fonte: Exame