Logo após a contagem dos votos no primeiro turno das eleições neste domingo (2), o presidente Jair Bolsonaro (PL) atribuiu o resultado à sua bem-sucedida estratégia na economia, que elevou o valor do Auxílio Brasil, ao mesmo tempo em que reduziu o preço dos combustíveis e a inflação às vésperas do pleito. Economistas que acompanham a cena política, porém, discordam.
A economia até pode ter ajudado um pouco, como ocorre em qualquer eleição. No entanto, analistas atribuem a arrancada bolsonarista ao avanço da uma onda conservadora -e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai precisar se adaptar a esse movimento para ganhar a eleição e, depois, governar com um Congresso mais à direita.
Terminada a contagem, Lula recebeu 48,4% dos votos válidos, resultado dentro da margem de erro sinalizada pelas pesquisas. Bolsonaro teve 43,22%, uma diferença de quase sete pontos percentuais, que fortalece o presidente no segundo turno.
“Para ocorrer essa diferença no resultado do Bolsonaro em relação às pesquisas, cujos votos foram subestimados vergonhosamente, [o motivo] não foi a economia -o que estamos vendo é uma onda conservadora”, afirma a economista e advogada Elena Landau, que coordenou o programa econômico de Simone Tebet (MDB).
“Tem o astronauta Marcos Pontes virando senador por São Paulo, Hamilton Mourão ganhando no Rio Grande do Sul, Magno Malta voltando pelo Espírito Santo, Eduardo Pazuello, o ex-ministro da Saúde, como deputado federal mais votado no Rio. Isso não tem nenhuma relação com a economia.”
Elena sai satisfeita com o resultado de sua candidata. “Simone foi de completa desconhecida à terceira mais votada”, afirma. No entanto, ela se declara muito preocupada com os futuros efeitos do conservadorismo em duas áreas específicas, caso Bolsonaro se reeleja: o meio ambiente e o STF (Supremo Tribunal Federal).
“O próximo presidente poderá indicar dois ministros para o Supremo”, diz ela. “Imagine o efeito disso.”
Elena aguarda a posição de sua candidata no segundo turno, que deve ser divulgada até terça-feira (4). Se Simone apoiar Lula, existe a expectativa de que parte de suas propostas para a economia possa ser levada para o PT.
O economista Nelson Marconi, que atuou na coordenação econômica nas campanhas de Ciro Gomes (PDT) em 2018 e 2022, também não acredita que a melhora da economia explique o resultado.
“No levantamento que encomendamos, dá para ver que o governo Bolsonaro injetou cerca de R$ 450 bilhões na economia neste segundo semestre, com medidas em diferentes áreas, então, as pesquisas teriam de estar muito erradas para não captarem isso antes”, diz Marconi. “Acredito que ocorreu outro movimento, mais ligado a agenda dos costumes.”
Marconi garante que o seu candidato não vai apoiar Bolsonaro, mas ainda não tem uma definição sobre um eventual apoio a Lula.
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, espera uma reação petista nos próximos dias. “Lula precisa dar uma guinada dramática ao centro se quiser segurar essa onda conservadora”, diz Bacha, histórico apoiador do PSDB que participou da campanha de Tebet para “ajudar na construção da terceira via”.
Para o economista, Lula precisa atuar para fortalecer sua coalizão no segundo turno.
Membro da Academia Brasileira de Letras, Bacha tem forte atuação nos bastidores do debate econômico como sócio-fundador da Casa das Graças, um instituto de estudos de política econômica no Rio de Janeiro voltado à promoção de debates sobre o desenvolvimento do Brasil. Neste ano, no entanto, preocupado com os rumos da política, assumiu uma posição mais pública.
Bacha diz que o primeiro passo do PT é concentrar esforços em São Paulo, onde Fernando Haddad (PT) chega ao segundo turno com 35,70% dos votos válidos, abaixo do que previam as pesquisas. O ex-ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro, terminou o primeiro turno na frente, com 42,32%.
“Foi isso que fez a diferença para Bolsonaro, e será preciso reverter essa situação”, afirma ele.
Petista histórico e ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, o economista Nelson Barbosa, costuma estar em campos opostos aos colegas egressos do PSDB. Desta vez, porém, concorda com a importância das alianças mais amplas.
“Pelo aspecto político, o resultado indicou que Lula estava certo em construir uma frente ampla, pois só assim há chance de derrotar Bolsonaro”, afirma Barbosa.
No segundo turno, Barbosa acredita, essa frente será mais ampla, com colaboração de pessoas que apoiavam Tebet e Ciro.
O economista Arminio Fraga, ex-presidente do BC (Banco Central), destaca que uma revisão na estratégia do PT é importante também por causa do perfil que a eleição deu ao Legislativo. “Bolsonaro sai muito forte no Congresso”, diz ele. “Erros monumentais precisam ser corrigidos.”
O PL de Bolsonaro ganhou ao menos 23 deputados, chegando a 99. Tornou-se a maior bancada eleita na Câmara nos últimos 24 anos. A sigla terá praticamente 1 em cada 5 votos, consolidando-se como um ator essencial nas negociações políticas entre os deputados..
Um terço do Senado foi renovado, e o resultado também consolida o PL como a maior bancada. Terá 14 cadeiras, 5 a mais do que tinha no primeiro semestre deste ano, e ainda pode chegar a 15. Entre os eleitos estão ex-ministros bolsonaristas, como Damares Alves (Republicanos-DF) e Rogério Marinho (PL-RN).
Sócio-fundador da Gávea Investimentos, Fraga prefere a discrição e não gosta de exposição pública. Neste ano, porém, à medida que o cenário político ficava mais tenso, aderiu a movimentos de apoio ao equilíbrio institucional.
Em agosto, numa atitude inédita, discursou no evento da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP (Universidade de São Paulo), em que foi lançado um manifesto de apoio à democracia.
O economista Bernard Appy, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Lula, chama a atenção para a necessidade de alianças mais conservadoras para exercer o governo em caso de vitória.
“Será preciso levar a coalizão mais para o centro não apenas para ganhar a eleição, mas para garantir a governabilidade em caso de vitória”, afirma ele. “Há muito a ser feito, em várias áreas, principalmente na economia, que depende do Legislativo.”
A campanha de Lula já começou a debater apoios para o segundo turno, e deve procurar em breve, formalmente, o PDT de Ciro Gomes e o MDB de Simone Tebet.
“Acho que devemos buscar o apoio do PDT e do Ciro. Da Simone e dos partidos que estão com ela. Seria um erro de concepção de democracia não buscar o voto deles”, disse o ex-ministro Luiz Dulci, um dos membros do conselho político da campanha petista.
Dulci acrescentou que, na sua opinião, o PT deve buscar também Soraya Thronicke e o União Brasil. A senadora, que se elegeu em 2018 em uma plataforma de apoio a Bolsonaro, rompeu com o presidente durante a pandemia de Covid-19.
Fonte: FolhaPress