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Sexta-feira, 21 de março de 2025

Alvo constante de bombardeios, 2ª maior cidade da Ucrânia mantém escolas subterrâneas

Pouco mais de três anos após a invasão da Rússia, parte da cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia, migrou para debaixo da terra.
Muitas escolas e espetáculos em Kharkiv passaram a ser subterrâneos. A cidade fica a cerca de 30 quilômetros da fronteira russa e está sob ataque constante de mísseis, drones, foguetes e bombas guiadas.
As escolas tiveram de ser fechadas logo após a invasão, em 24 de fevereiro de 2022, e continuam sem funcionar, por motivo de segurança. Desde então, todos os 184 colégios públicos locais foram atingidos em ataques russos, com danos que variam de vidros quebrados a destruição completa.
Um míssil S-300 lançado pelos russos demora apenas 40 segundos para chegar a Kharkiv. Uma bomba planadora pode chegar em cinco minutos, o mesmo tempo que crianças levavam, no mínimo, para saírem de suas salas de aula e chegarem até os bunkers em treinamentos.
“Simplesmente, é impossível ter escolas na superfície com esse risco para os alunos”, diz Larisa Jolnavatch, diretora de uma das unidades subterrâneas.
Às 8h50 desta quinta-feira (20), mais uma vez soou o alarme antiaéreo em Kharkiv. Mas os pais das crianças que estudam na escola 153 podiam ficar tranquilos -seus filhos estavam em segurança, em salas de aula seis metros abaixo da terra, com paredes de 90 cm de espessura.
Cerca de 800 alunos estudam lá. Os menores e mais velhos vão às segundas, quartas e sextas. Os do ensino fundamental 2, às terças e quintas. No resto do tempo, as aulas são online.
A escola foi inaugurada em janeiro deste ano e é uma das três subterrâneas em Kharkiv. Há outras seis em estações de metrô. Elas absorvem alunos de várias escolas em turnos, mas não é o suficiente. Mais cinco escolas subterrâneas devem ser inauguradas em setembro. Segundo o departamento de Educação, há 54 mil crianças em idade escolar na cidade.
No colégio visitado pela Folha, construído a partir de um antigo abrigo nuclear sob um conjunto de prédios, da época da Guerra Fria, há 17 salas de aula, com sistema de ventilação sofisticado e iluminação. Não há pátio, e os alunos não têm recreio. A pausa, em turnos, é feita em uma sala acanhada, transformada em cantina, onde as crianças se aglomeram na fila para ganhar pãezinhos variados e suco.
Ao lado das disciplinas obrigatórias, como ciências, matemática e língua ucraniana, as crianças têm aulas de arte e de música (violino e violoncelo), importantes para o bem-estar psicológico, diz a diretora. Educação física, só online.
Em uma das salas, crianças de 10 e 11 anos tinham uma aula de prevenção de acidentes com minas terrestres. Em frente a uma imagem de um ursinho de pelúcia no meio de escombros, um professor falava sobre as áreas que podem ser perigosas, como campos, florestas, casas bombardeadas e cemitérios, e os tipos de explosivos.
“Nós aprendemos que não devemos encostar em nada que não seja nosso, mesmo que não pareça ser uma bomba”, diz uma aluna.
Questionados se algum amigo já havia tido um acidente com mina, os alunos dizem que não. Mas dois meninos levantam a mão. “Meu tio é prisioneiro de guerra”, diz um. “Meu tio é militar e está no front”, afirma outro.
As crianças em Kharkiv já estavam sem aulas presenciais desde a pandemia de Covid-19, em 2020, com pequenos intervalos. Muitas nunca haviam ido efetivamente a uma escola.
“Nos primeiros três dias em que abrimos, os alunos não sabiam muito bem como agir em volta de tantas outras crianças. Ficavam quietos, não corriam nem interagiam com ninguém. Estavam assustados”, diz a diretora Jolnavatch.
Para Svitlana Povartchuk, professora em uma das unidades dentro da rede metroviária, o maior desafio é fazer as crianças se concentrarem. “Muitas vezes, elas passam a noite ouvindo alarmes antiaéreos, não dormem direito e chegam aqui cansadas e agitadas.”
É frequente, porém, que a escola funcione como um oásis. “Outro dia, eu estava com os alunos fazendo uma prova na classe, recebi um telefonema estranho do diretor, que só perguntou se estava tudo bem. Quando acabou a aula, chequei meu celular e vi que haviam bombardeado a praça que fica a menos de um quilômetro daqui. As crianças não ouviram nada”, conta Povartchuk.
Não só a vida escolar se desenrola debaixo da terra em Kharkiv, onde estão proibidas aglomerações ao ar livre e há um toque de recolher das 23h às 6h. Os esporádicos espetáculos da Academia Nacional de Ópera e Balé são uma das poucas opções de diversão segura. A academia criou um auditório onde ficava a garagem subterrânea de seu teatro, cinco metros abaixo do palco principal, hoje fechado. É bem menor, com capacidade para 400 pessoas, diante das 1.200 do palco original. Mesmo assim, tem animado os moradores com apresentações ocasionais.
Kharkiv tem até hotéis subterrâneos. O Wine and Rose, por exemplo, fica numa antiga cave, um bar de vinhos. Os quartos ficam abaixo da superfície, não têm janelas e foram construídos com paredes grossas. O hotel existia desde 2017 -se antes era uma curiosidade contar com acomodações abaixo da superfície, depois de 2022 passou a ser disputado por visitantes que querem garantir sua segurança.

Fonte: FolhaPress