ÚRSULA PASSOS
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Nem só de lives há de viver a cultura. Fora do Brasil, vemos o retorno gradual do público a shows, concertos, peças de teatro e a retomada de gravações para televisão e cinema. Por aqui, o setor começa a desenvolver protocolos para uma volta segura das atividades tendo como base experiências internacionais, instruções da Organização Mundial da Saúde e decretos e portarias de estados e prefeituras.
Mas sair de casa a lazer não será como antes. Os encontros e discussões antes e depois de espetáculos devem diminuir para dar lugar a uma tentativa segura de contato presencial com a arte.
Poucas poltronas ocupadas em teatros e cinemas, mais apresentações ao ar livre, o fim dos ingressos em papel e dos guarda-volumes, chegada a poucos minutos da sessão, óperas e concertos mais curtos e sem intervalos e percurso único para ver obras em exposições são algumas das mudanças que encontraremos. A redução da capacidade dos espaços e a multiplicação de regras e equipamentos aumenta os custos em toda a cadeia do setor.
Cerca de mil pessoas e cem instituições se reúnem no Fórum Brasileiro de Ópera, Balé e Música de Concerto para pensar, entre outras exigências da pandemia, um protocolo de retomada para o setor. São cantores, compositores, bailarinos, regentes, instrumentistas, coreógrafos e produtores, além de teatros, orquestras, conservatórios, organizações sociais que gerem espaços culturais e associações.
Eles criaram dois documentos com sugestões para as práticas, em aulas, ensaios e apresentações, e para apresentações com público. São protocolos detalhados para ajudar os espaços a construírem os seus próprios e que levam em consideração, por exemplo, as especificidades de cada instrumento.
Nos de sopro, os músicos não podem usar máscaras, as saídas de ar também expelem gotículas e há líquido acumulado no interior deles, por isso é preciso distanciamento maior e é desejável uso de tela de acrílico. As partituras não poderão mais ser compartilhadas entre dois ou mais músicos, como era praxe nas orquestras.
“Considerando o movimento atual de flexibilizações, não queríamos que o governo dissesse que podemos abrir e não tivéssemos nada, sem saber por onde começar”, diz André Heller-Lopes, encenador de óperas, diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e um dos fundadores do fórum.
O teatro que dirige, que tem na equipe bailarinos, instrumentistas e cantores, está finalizando um protocolo com quase 70 páginas. “O balé é uma grande dúvida, sobretudo o clássico. Coreografias novas, porém, podem ser feitas pensando o distanciamento”, diz.
“Dizem que nós latino-americanos resolvemos tudo com criatividade. Mas não somos [na cultura] pó de purpurina, somos uma indústria. Os documentos são um testemunho de seriedade e de que estamos pensando como continuar, pragmaticamente, existindo e acontecendo”, diz ele.
No último dia 12, a Bachiana Filarmônica Sesi-SP, com João Carlos Martins ao piano, realizou uma live com formação reduzida, de nove instrumentistas, e dois cantores. O espetáculo teve produção acompanhada por José Miranda, médico responsável pelo Espaço Saúde da Fiesp, Ciesp, Sesi e Senai.
Ele diz que a principal medida adotada é a distância de pelo menos um metro e meio entre os artistas. Além disso, o número de pessoas por camarim foi reduzido e cadeiras receberam etiquetas com nomes, para garantir que fossem ocupadas pelos mesmos músicos nos ensaios e na apresentação. Segundo Miranda, é essencial que se possa garantir, para uma retomada, triagem de sintomas por meio de medição de temperatura e questionários.
O Sesc, que gere de bibliotecas a salas de cinema e amplos espaços ao ar livre para shows, está elaborando um protocolo para suas unidades pelo país. Segundo Marcos Rego, gerente de cultura da instituição, as bibliotecas são as de reabertura mais fácil, devido à organização de entrada e acesso ao acervo já existentes. Espaços fechados de cinema e teatro, por sua vez, são os mais complicados. Sobretudo teatro, reforça, “visto que envolve proteção ao público, aos técnicos e aos artistas”.
Rego diz que conforme aumenta o número de pessoas, como em grandes shows, as preocupações se avolumam. “Não vemos condições para isso enquanto não surgir medicamentos e vacina para todos”, diz.
A Funarte, que tem espaços culturais espalhados pelo país e fomenta espetáculos de diversas linguagens, formará um grupo a partir desta semana, com gestores e servidores, para a criação de um protocolo.
O presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, que reúne cerca de 800 coletivos na capital e no interior, diz que o teatro sofrerá por muito mais tempo. Segundo Rudifran Pompeu, os protocolos, embora necessários, não ajudam os pequenos espaços. Fazem parte da cooperativa teatros independentes de até 400 lugares.
“Não temos condições de aplicar esses protocolos num teatro de cem lugares”, diz ele, que também é diretor artístico do Grupo Redimunho de Investigação Teatral. Pompeu diz ainda que, no momento, os grupos estão preocupados em se manter de pé para depois da pandemia. “Além disso, vai demorar até as pessoas terem coragem de ir ao teatro.”
O ator e diretor Celso Frateschi diz haver uma sensação de extrema insegurança quanto à volta de atividades por causa da “condição errática do governo no combate à pandemia”. “É difícil prever a retomada. A sensação é de que nunca mais vai ser aquele normal”, diz ele, um dos fundadores do teatro Ágora, em São Paulo, que tem três salas, com 80, 60 e 20 lugares.
“Não acho boa essa euforia com a retomada considerando os dados que vemos.” Ele, que também faz parte do Motin, o , diz que o momento é de buscar a sobrevivência e reinventar a arte teatral com as possibilidades que se tem, como de modo virtual. “Como diz Bertolt Brecht, nos reduzindo à menor grandeza, jogando fora os penduricalhos.”
O Instituto Brasileiro de Museus, o Ibram, que administra 30 instituições e elabora políticas públicas para o setor, publicou uma série de recomendações para protocolos de trabalho administrativo, nos acervos e para reabertura ao público. Entre elas, por exemplo, estão a redução de pessoas nos espaços expositivos, marcações no piso, readaptação de áreas de bilheteria e criação de circuito unidirecional de visitação.
Em São Paulo, o Masp diz estar em contato com outras instituições em reuniões organizadas pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa sobre a criação de um protocolo. O Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, o MuBE, está seguindo as orientações do Ibram e de museus europeus para desenhar o seu.
Segundo Flavia Velloso, vice-presidente do MuBE, a arquitetura do museu, criada por Paulo Mendes da Rocha, com grande área externa e amplos espaços internos, facilita a adesão às novas normas.
A Associação Brasileira de Arte Contemporânea, que reúne 50 galerias de sete estados, diz ter procurado a prefeitura paulistana e o governo paulista com sua proposta. Entre as medidas estão redução do horário de atendimento, agendamento das visitas, teletrabalho de funcionários e supressão de materiais gráficos para os visitantes.
O estado americano da Califórnia liberou a volta das filmagens para cinema e TV na semana passada, mas os estúdios estimam a volta só para julho, já que ainda discutem segurança e cobertura dos seguros. A retomada, porém, não deve significar a volta de cenas com contatos próximos, locações longínquas e tomadas com figurantes.
Na semana passada, em São Paulo, o setor do audiovisual, unindo representantes de produção, da indústria e de trabalhadores, apresentou parte de um protocolo baseado em experiências dos Estados Unidos, México, Uruguai, Portugal, Espanha e Nova Zelândia. Por aqui também ainda se discute as regras com as operadoras de seguro.
O protocolo traz sugestões para o momento que estamos agora, só com filmagens em residências com equipes mínimas. Uma fase seguinte, que será possível com a autorização dos governos, prevê no máximo 20 pessoas nos sets.
Para o público, uma saída para assistir a filmes em telas grandes tem sido os drive-ins, que ressurgem por todo o país. A volta às salas, contudo, deve demorar. A Federação Nacional das Empresas Exibidoras de Cinema está elaborando um protocolo. Procuradas, porém, tanto a federação quanto cadeias como Cinemark e Cinépolis disseram preferir não apresentar os termos em discussão.
A Associação da Noite e do Entretenimento Paulistano, que reúne 60 casas de shows e festas, também preferiu não apresentar as medidas que estão sendo discutidas com engenheiros de biossegurança, mas diz estar ciente de que o setor será dos últimos a voltar.
Cultura
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