Economia
Sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Presidente da Febraban defende proibição de uso do Pix para pagar bets

O presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, antevê uma catástrofe com uma bolha de inadimplência se formando com a explosão das apostas esportivas (bets) no Brasil. À Folha, o executivo defende a proibição do pagamento das apostas via Pix.
“Se não for possível proibir de imediato o pagamento com Pix, ao menos que se estabeleçam limites de valores máximos para apostas [nessa modalidade de pagamento], tal como o BC já limita transações à noite”, propõe Sidney. Segundo ele, o mínimo a fazer é não mais permitir que os beneficiários de programas sociais usem o Pix para fazer apostas.
Se o ritmo de corrosão do orçamento das famílias com apostas for mantido, ele projeta um efeito dominó na economia brasileira, que impactará desde o pequeno comércio até as grandes empresas.
“Precisamos impedir que venha a explodir [a bolha]. Não podemos pagar para ver, e essa aposta não iremos fazer. Estamos, todos, à deriva e precisamos reencontrar a rota de volta para casa”, afirma. “Não dá para brincar com coisa séria, que é a saúde financeira e mental das pessoas, e muito menos ficarmos à beira desse precipício”, diz.
O uso do cartão de crédito para bets será proibido a partir de janeiro de 2025, e empresas do setor devem bloquear esse meio de pagamento já a partir de 1º de outubro. Para abastecer as contas nas plataformas sobrariam opções como o débito e TED.
LEIA A ENTREVISTA:
PERGUNTA: O sr. foi o primeiro a alertar publicamente para a crise que o crescimento indiscriminado das bets poderia gerar na economia brasileira. A situação ficou fora de controle?
ISAAC SIDNEY: Eu já tinha manifestado enorme preocupação com o crescimento em escala do mercado de apostas online no Brasil, mas os dados recentes são estarrecedores e comprovam que a situação assumiu proporções de grande criticidade. É um cenário mais do que preocupante, é dramático, tem tudo para sair do controle, se é que já não saiu.
PERGUNTA: Por que a Febraban se envolveu diretamente nesse assunto?
ISAAC SIDNEY: Nós representamos um setor estratégico, que financia toda a economia, a produção, o consumo e o investimento, portanto, famílias e empresas. Não é admissível silenciarmos e deixarmos essa situação avançar sem o braço forte e regulador do Estado, especialmente para coibir essa escalada desenfreada de endividamento com as apostas online.
Não podemos ficar inertes, vendo esse vendaval varrer o orçamento das famílias, aumentando o endividamento e potencializando graves efeitos na saúde financeira dos brasileiros, principalmente dos mais vulneráveis.
PERGUNTA: Como a Febraban recebeu os dados divulgados pelo BC que apontaram que beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas esportivas online gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix no mês de agosto?
ISAAC SIDNEY: Os números divulgados pelo Banco Central são simplesmente chocantes. Mostram que, nos últimos 6 meses, R$ 24 milhões de brasileiros drenaram dos seus orçamentos R$ 20 bilhões em média. Se projetarmos no horizonte maior, já antevejo uma catástrofe ou uma bolha de inadimplência se formando e precisamos impedir que venha a explodir. Não podemos pagar para ver, e essa aposta não iremos fazer.
PERGUNTA: O que fazer, então, para impedir essa bolha?
ISAAC SIDNEY: O país precisar recuar, imediatamente, do grave erro que foi legalizar e deixar, sem qualquer restrição e controle, esses jogos de apostas. Estamos, todos, à deriva e precisamos reencontrar a rota de volta para casa. Eu já vinha defendendo que se antecipasse a proibição do cartão de crédito para pagamento dessas apostas, mas, agora, após o estudo revelador do BC, defendo uma ação muito mais forte e emergencial, que é proibir pagamentos via Pix para essas apostas em bets.
PERGUNTA: Não seria radical proibir o uso do Pix?
ISAAC SIDNEY: Radical e cruel é vermos, todo mês, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família entregando R$ 3 bilhões para essas casas de apostas. Entre janeiro a agosto, 9 milhões desses beneficiários deixaram no caixa das bets R$ 10,5 bilhões. Na prática, esse montante já representa 20% do valor mensal do programa. Isso é gravíssimo e levará a mais empobrecimento dessas pessoas já miseráveis,
Na verdade, já deveríamos estar cogitando impedir essas apostas enquanto não tivéssemos uma regulamentação rigorosa com atuação do poder público na fiscalização dessas plataformas. Mas, ainda podemos mitigar o grave risco dessa situação.
PERGUNTA: O que fazer efetivamente…
ISAAC SIDNEY: O mínimo a fazer agora é um freio de arrumação, já que o estudo do BC revela que 90% dos pagamentos dessas apostas se dão por meio de Pix e o Brasil já é o terceiro mercado global de bets.
Por isso, defendo, e essa é uma opinião pessoal, que o poder público, e aí incluo todos os poderes constituídos, deveria usar todos os meios legais para proibir, já agora, o uso do Pix e do cartão de crédito para a realização dessas apostas.
Se não for possível proibir de imediato o pagamento com Pix, ao menos que se estabeleçam limites de valores máximos para apostas com Pix, tal como o BC já limita transações à noite. Mas, de todo modo, já deveríamos ao menos, desde já, não mais permitir que os beneficiários de programas sociais usem o Pix para fazer apostas. Isso é o mínimo a fazer, mas para ontem, não dá para esperar e deixarmos milhões de pobres entregarem o dinheiro do seu sustento para apostas. Mas, ainda podemos mitigar o grave risco dessa situação.
PERGUNTA: Na sua avaliação quais são as consequências econômicas e sociais da crise das bets acelerar?
ISAAC SIDNEY: Ao se manter o ritmo de corrosão do orçamento das famílias com apostas, o efeito dominó na economia é imensurável, mas é certo que impactará desde o pequeno comércio até as grandes empresas. É uma questão grave, maior que ideologias ou meras convicções pessoais. E temos meios efetivos para contermos a deterioração completa dessa situação, proibindo ou limitando o acesso a essas apostas com Pix e cartão.
Tanto o cartão quanto o Pix são instrumentos valiosos de inclusão financeira, além de fundamentais para a economia, e o uso irracional desses meios de pagamento em apostas vai afetar drasticamente o consumo das famílias. Aquilo que foi concebido para funcionar como ferramenta de cidadania financeira, que é o caso do Pix e do cartão de crédito, pode gerar uma bola de neve de superendividamento, excluindo milhões de brasileiros do mercado de crédito, com consequências sérias na inadimplência, no risco e no custo do crédito.
Enquanto não tivermos uma regulamentação rigorosa com atuação do poder público na fiscalização das empresas de apostas, não dá para brincar com coisa séria, que é a saúde financeira e mental das pessoas, e muito menos ficarmos à beira desse precipício.
PERGUNTA: O senador Omar Aziz (PSD-AM) procurou o sr. solicitando informações?
ISAAC SIDNEY: Ele me ligou hoje [nesta quinta-feira (26)]. Mandou também um pedido de informações sobre transações com bets, incluindo dados sobre pagamentos com cartão, Pix, boletos e outros meios de transferências. Ele também está pedindo informações sobre as medidas que os bancos estão adotando para limitar transações com bets. Não temos todos os dados consolidados na Febraban, vamos precisar obter junto a alguns bancos para tentamos buscar uma amostra. Fico claro para mim que os atores políticos estão se dando conta da enorme gravidade da situação. É mais do que urgente agir agora. É inafastável.
RAIO X
Isaac Sidney, 52
Atual presidente da Febraban. Ex-procurador geral e ex-diretor de Relações Institucionais do Banco Central.

Fonte: FolhaPress