
Eleito em fevereiro com apoio do PT e do PL, Hugo Motta (Republicanos-PB) atravessou seu primeiro ano no comando da Câmara buscando o equilíbrio como marca enquanto acumulou atritos com ambos os lados e com outros Poderes, além de deixar uma agenda própria de propostas pelo caminho.
A Câmara viveu em 2025 momentos inéditos de tensão e desafio à autoridade do presidente da Casa, com um motim bolsonarista de mais de 30 horas. Houve ainda a retirada à força do deputado suspenso Glauber Braga (PSOL-RJ), episódio que envolveu censura e agressões da polícia legislativa à imprensa.
Mesmo sob críticas de deputados de variados espectros políticos e sob a avaliação geral de que não detém o controle da Casa, o presidente ainda é tido como nome natural para a recondução ao cargo em 2027, caso seja reeleito deputado federal em 2026.
Motta termina o ano com apoio do principal bloco da Câmara, formado por partidos do centrão e seus 276 deputados, excluídas, portanto, as maiores bancadas (do PL com 86 e a federação do PT com 80).
Caiu na conta do presidente da Câmara, porém, a crise de imagem que atingiu o Congresso, a ponto de reativar protestos da esquerda contra a anistia aos acusados de golpismo e a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Blindagem.
Motta foi provocado ainda pela agenda da direita em meio ao julgamento e prisão de Jair Bolsonaro (PL) e às sanções de Donald Trump, conjuntura que impôs demandas à Casa deliberar as cassações de Carla Zambelli (PL-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ) e a punir os amotinados, algo que o presidente deixou pendente.
No habitual cabo de guerra entre Poderes, a relação entre Câmara e governo Lula (PT) termina o ano em alta, com um aliado de Motta assumindo o Ministério do Turismo. É o oposto da situação entre a Casa e o STF (Supremo Tribunal Federal) após a sequência de operações policiais mirando emendas e cota parlamentar.
Líderes partidários reconhecem o contexto turbulento da gestão Motta, mas também enxergam um Legislativo apequenado. Arthur Lira (PP-AL), cuja autoridade ainda paira nos corredores e que patrocinou a eleição do sucessor, definiu a condução da Câmara como “esculhambação”.
Ao fazer um balanço do ano, Motta afirmou que houve convergência em muitos temas, apesar do ambiente contaminado pela polarização e pela disputa eleitoral. Disse ainda que divergências entre os Poderes são naturais.
“Assumi a presidência da Câmara com um perfil que sempre adotei na minha vida pública: conciliador, de sempre buscar encontrar convergência, mesmo nos momentos mais complexos e difíceis. O Brasil precisa disso e não de mais extremismo, mais radicalização, mais polarização”, disse.
Em 2025, a Folha de S.Paulo revelou que Motta mantinha três funcionárias fantasmas e o caseiro de sua fazenda em seu gabinete. Além disso, sua chefe de gabinete têm procuração para movimentar contas de funcionários, o que foi noticiado pelo site Metrópoles. Após evitar se explicar à imprensa por meses, ele disse apenas que a questão está superada.
No ano eleitoral, em que o período de funcionamento do Congresso se encurta, Motta vai reencontrar pendências de 2025, como a PEC da Segurança, o projeto de lei Antifacção e a reforma administrativa. O governo deve encampar novas promessas, como o fim da escala 6 x1.
No papel de deputado e filho, a missão de Motta em 2026 será também eleger seu pai, o prefeito de Patos (PB), Nabor Wanderley (Republicanos), como senador da Paraíba e para isso o apoio de Lula seria bem-vindo.
Em 2025, espremido entre as demandas conflitantes de governo e oposição, Motta adotou a prática de alternar acenos para os dois lados com o argumento de buscar moderação, mas o resultado foi o de insatisfação crescente.
No caso do PL Antifacção, por exemplo, ele deu prioridade à proposta vinda do Executivo, mas nomeou o oposicionista Guilherme Derrite (PP-SP) como relator. Em vez de refletir uma síntese, o texto se tornou um campo de batalha, a ponto de sua aprovação ter sido adiada.
Motta ainda se aventurou em uma agenda própria ambiciosa ao bancar a reforma administrativa, a mudança do sistema eleitoral para o voto distrital misto e o fim da cobrança da mala de mão, mas as três matérias terminam o ano estacionadas.
O presidente da Câmara também tentou pegar carona em temas do momento, como a regulação de redes para crianças, aprovada em meio ao caso Felca, e a segurança pública, impulsionada pela operação policial no Rio. Ele lista entre os destaques de seu primeiro ano de gestão mais de 40 projetos aprovados na área da segurança e o Plano Nacional da Educação, com as metas para a próxima década.
Motta atendeu o governo ao aprovar matérias econômicas prioritárias para a gestão petista, como a isenção do Imposto de Renda, o corte de benefícios fiscais, a tarifa social de energia e a tributação de bets e fintechs. Também tentou atender a oposição ao pautar a anistia, e o centrão ao encampar a PEC da Blindagem, que exigia aval do Congresso para que parlamentares fossem processados criminalmente.
No caso da anistia, Motta se dobrou ao STF e contrariou o bolsonarismo ao participar de um acordo que transformou o perdão total em redução de penas para o ex-presidente e os presos do 8 de Janeiro. A proposta aprovada na Câmara e no Senado deve ser vetada por Lula.
Na PEC, os deputados pagaram um alto custo eleitoral apenas para verem o tema ser enterrado pelo Senado, o que enfraqueceu Motta, acusado de não articular com Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). O episódio rendeu semanas de estremecimento entre os presidentes das duas Casas, que, em geral, mantêm bom relacionamento.
A PEC da Blindagem teria sido a principal pauta corporativa do ano. Por outro lado, Motta conseguiu aprovar outras demandas dos deputados, como um recorde de R$ 61,4 bilhões para emendas em 2026 e um calendário de pagamento dessa verba. Em 2025, predominou a reclamação de lentidão na execução das emendas por parte do governo.
A PEC e a redução de penas se somaram à série de derrotas do governo Lula em uma Câmara onde a força majoritária é a do centrão houve ainda a derrubada de decretos do IOF, de vetos do licenciamento ambiental e da medida provisória de aumento de impostos.
Em desvantagem no plenário, a esquerda adotou a estratégia da disputa política, e o embate com o “Congresso inimigo do povo” atingiu a gestão Motta em cheio.
O cerco ao Congresso veio também do STF, que autorizou quatro operações contra parlamentares em uma semana em dezembro. A corte ainda reverteu a decisão da maioria do plenário da Câmara de não cassar Zambelli, o que colocou Motta em uma saia justa com os ministros.
No final do ano legislativo, a avaliação foi a de que, novamente, faltou articulação de Motta para pactuar as cassações com a maioria da Casa e com os demais Poderes.
Fonte: FolhaPress