
A isenção de impostos de papéis como debêntures incentivadas, LCAs e LCIs resulta em uma perda de arrecadação de R$ 40 bilhões por ano, mas o Brasil pode estar gastando muito mais do que isso apenas para manter a dívida pública atraente para investidores.
Isso porque esses títulos passaram a representar uma competição significativa para os papeis do Tesouro, já que, além de não pagarem Imposto de Renda, vêm apresentando forte crescimento -o salto no volume aplicado em isentos é de 271% desde 2018.
Um sintoma disso é o fato de que, nas últimas semanas, o prêmio pago por debêntures incentivadas de infraestrutura (títulos de dívida privada para captar recursos voltados a infraestrutura) em relação a títulos atrelados à inflação (as NTN-Bs) foi negociado em terreno negativo.
Isso quer dizer que a demanda foi tão alta que esses papeis passaram a pagar juros mais baixos do que o Tesouro. Em resposta a essa forte procura, o Tesouro precisa elevar as taxas para manter o apelo dos títulos públicos no mercado e conseguir rolar a dívida.
O ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos Armínio Fraga fez um cálculo preliminar para exemplificar qual pode ser esse impacto.
Ele estimou que, se o Tesouro precisa elevar os juros em uma proporção equivalente à metade da diferença entre as taxas dos títulos públicos e dos isentos (metade de 15% de imposto sobre 15% dos juros), pode estar gastando R$ 240 bilhões por ano para manter a atratividade dos seus papeis.
Para efeito de comparação, o valor é equivalente a quase metade de todos os gastos tributários em vigor no país, que entre isenções, deduções, alíquotas diferenciadas e regimes especiais, representam uma renúncia de receita de R$ 544 bilhões em 2025.
“Não faz sentido”, diz Fraga. “O estoque de incentivados está crescendo, e o fim do subsídio melhoraria o fiscal”, defende ele, que faz a ressalva de que esse é um cálculo complexo e que requer mais estudos para que o impacto dos isentos seja mensurado com precisão, já que os juros são afetados por inúmeros fatores.
Além do impacto fiscal, a avaliação do ex-presidente do BC é que a isenção é regressiva (ou seja, beneficia apenas os mais ricos) e interfere na alocação eficiente de recursos na economia, já que tem impacto positivo restrito a determinados setores da economia.
Somente em 2025, o volume investido em títulos isentos -debêntures incentivadas, LCAs e LCIs (letras de crédito agrícola e imobiliário) e CRAs e CRIs (certificado de recebíveis imobiliários e do agronegócio)- aumentou em R$ 173,1 bilhões, segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).
No mês retrasado, havia R$ 97 bilhões em debêntures incentivadas emitidas no mercado. A título de comparação, o Tesouro emitiu R$ 277 bilhões em NTN-Bs nos últimos 12 meses.
“O efeito se dá pelo deslocamento da curva de demanda, que estimulada por medidas tributárias e regulatórias, se direciona para os papéis isentos, reduzindo a demanda por títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional”, explica Gabriel Barros, economista-chefe da ARX Investimentos.
O mercado temia que a distorção pudesse se aprofundar se o Congresso tivesse aprovado a medida provisória 1.303, que mantinha a isenção desses papeis ao mesmo tempo em que aumentava a tributação da renda fixa de longo prazo de 15% para 18%.
“Ficaria ainda mais caro o Tesouro vender um título de longo prazo porque a diferença de rendimento líquido entre a NTN-B e títulos incentivados aumentaria ainda mais”, diz Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual.
Na avaliação de Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper, nenhum investimento deveria ser tributado, mas a isenção para setores específicos é errada do ponto de vista de políticas públicas, já que acaba beneficiando apenas setores que conseguem se organizar para brigar por eles no Congresso.
Além disso, ele aponta que a disparada no crescimento dos isentos eleva o custo da dívida pública. “Isso torna mais difícil para o Tesouro competir com esses títulos”, afirma. “O governo perde duas vezes: abrindo mão de receita e pagando mais juros.”
Na avaliação do economista do Insper, os títulos isentos cresceram tanto por causa da redução do papel do BNDES, que antes era uma das principais fontes de crédito para empresas.
“Como secou a fonte de crédito público barato, as empresas começaram a buscar em outro lugar, e esse mercado de títulos de dívida privada surgiu com muita força.”
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren, a competição dificulta o alongamento da dívida pública, uma tarefa que já é complicada devido ao crescimento da relação dívida/PIB.
“A rediscussão das isenções seria importante para equilibrar melhor o jogo”, defende. “Levada à exaustão, a dificuldade de emitir títulos mais longos, como os prefixados e indexados à inflação, pode levar a um obstáculo à melhora do perfil da dívida”.
Fonte: FolhaPress