Data Mercantil

Redução da frota de cruzeiros acende alerta no setor de viagens marítimas

Após dois anos registrando volume recorde de pessoas transportadas em alto-mar, a indústria de cruzeiros inicia a temporada 2025/2026 com redução de 20% na frota em circulação pelo país.
Enfrentando gargalos que reduzem a competitividade em relação a outros países, segundo empresas, o setor se movimenta nos bastidores para retomar o fluxo de navios de cabotagem (que navegam entre portos brasileiros) e evitar danos ainda maiores na cadeia econômica.
Com a demanda em alta, as empresas hoje sofrem com a falta de infraestrutura adequada e o aumento de custos operacionais, muitas vezes ocasionados por problemas em terminais de embarque e desembarque de passageiros.
Na temporada 2023/2024, o setor bateu recorde de passageiros, com 844 mil cruzeiristas, e teve leve queda para 838 mil no período seguinte. Mesmo com o recuo da temporada passada, foram movimentados R$ 5,4 bilhões entre gastos das armadoras com operação e logística e gastos de cruzeiristas e tripulantes nas cidades de embarque.
A retomada do setor após eclipse operacional da pandemia foi possível por uma combinação de fatores que passaram pelo aumento da confiança do consumidor, ampliação da oferta de navios e itinerários, flexibilização de condições de pagamento e a entrada de um público mais jovem entre os turistas de cruzeiros.
Os bons resultados, no entanto, não foram suficientes para animar as companhias, que optaram por redirecionar alguns de seus navios para outros países da costa do Caribe e Ilhas Canárias.
Neste ano, a MSC vai navegar com cinco cruzeiros, um a menos do que na temporada anterior, e a Costa reservou outros dois (eram três) para o Brasil. De outubro a abril serão ofertados 496 mil leitos ante 675 mil do ano passado.
Em termos gerais, 20% a menos na oferta de leitos significa um corte de 17 mil empregos e cerca de R$ 1,3 bilhão a menos na economia brasileira, de acordo com dados da Clia.
Além da cabotagem, 21 navios de volta ao mundo devem circular pelo país —oito a menos do que no período anterior. De menor porte, eles navegam por períodos e trechos maiores ao longo do ano e não chegam a transportar 10% do volume do público que viaja em grandes cruzeiros. Ainda assim, adicionaram quase R$ 584 milhões na economia brasileira.
LISTA DE GARGALOS
Atualmente, os problemas de infraestrutura envolvem questões como a cobrança de taxas, custos portuários elevados, alta complexidade tributária, baixa regulamentação e burocracia em diversas etapas da atividade.
Os custos de atracação, por exemplo, são ocasionados pela falta de terminais adequados e valores altos de serviços relacionados à parada. Quando um navio não consegue parar no terminal previsto inicialmente, por diversos motivos, é necessário encontrar outro local na região e contratar ônibus para fazer o transporte dos passageiros até um determinado ponto da cidade.
A Clia Brasil, a associação do setor, afirma que não existe uma infraestrutura de fornecimento de eletricidade em terra nos portos, o que obriga os navios a manterem seus geradores a diesel ligados enquanto estão atracados.
O setor também relata insegurança jurídica. São mais de 2.000 ações correndo no Judiciário, entre questões trabalhistas ou reclamações de clientes. Além disso, uma reclamação frequente da Clia envolve a liberação do visto de tripulante, que é burocrático, custoso, demorado e não é digital, exatamente o oposto da prática de países que estão recebendo mais navios atualmente.
“A gente já vinha comentando que precisava ter uma melhora no ambiente de negócio, que em algum momento perderíamos navios para países que têm um plano de negócios bem favorável. Nós temos uma demanda boa, mas o preço de venda é aquele que o mercado paga. Você não consegue cobrar o que você quer em cima do custo, que pode ultrapassar o valor da demanda, e já começa a ficar uma operação deficitária. Foi o que aconteceu”, diz Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil.
A MSC, por exemplo, retirou um navio da frota no Brasil devido à alta competitividade de outros mercados, especialmente Caribe e América do Norte. A companhia vai operar com 23 navios na temporada global e planeja uma expansão ambiciosa conforme incorporar novos cruzeiros.
“Apesar dos números recordes nas últimas temporadas e do grande interesse do público brasileiro em realizar férias em alto-mar com a MSC, ainda enfrentamos deságios importantes que fazem com que o Brasil perca competitividade no âmbito global do setor de cruzeiros, especialmente em relação à infraestrutura limitada e aos altos custos operacionais”, afirma Adrian Ursilli, diretor geral da MSC no Brasil.
Presidente executivo da Costa Cruzeiros para as Américas, Dario Rustico diz que a falta de investimentos em modernização de portos e terminais, bem como regulamentações complexas e o alto custo operacional atrapalham os negócios.
“Nós vemos um futuro com grande potencial para a indústria de cruzeiros no Brasil, um mercado que a Costa Cruzeiros considera estratégico, mas para que o mercado cresça de forma competitiva, muito ainda precisa ser feito de forma conjunta e contínua”, explica Rustico.
A CVC, líder de vendas do setor, trabalha junto às duas principais operadoras de navios para ampliar em 30% a capacidade de navios da temporada que se inicia no final de 2026 ou, pelo menos, igualar o mesmo volume de embarcações que navegaram na temporada 2024/2025.
Fabio Mader, vice-presidente de desenvolvimento de produto da CVC, afirma que a companhia foi procurada por uma empresa dos EUA e outra da Europa, ambas avaliando entrada no Brasil.
“Costa e MSC vão aumentar a capacidade [para a próxima temporada], mas não sabemos qual será o tamanho desse aumento. Se for menor do que 30%, provavelmente deve ter um novo entrante no mercado brasileiro”, diz Mader.
UNIÃO SETORIAL
Nos bastidores, os agentes do setor se organizam ativamente junto ao governo federal para reverter o cenário atual. As rodadas de conversas ocorrem com representantes de ministérios dos Portos e Aeroportos, Justiça, Turismo e da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários).
Segundo Marco Ferraz, da Clia, um grupo de trabalho organizado por empresas do setor, trabalha uma agenda de 15 pontos para melhorar o ecossistema de navegação no país e gerar competitividade. O encaminhamento dessa agenda, no entanto, deve acontecer em seis meses.
A expectativa é que as novas concessões de terminais marítimos pelo país ou a construção de novos pontos de parada ajudem a diminuir gargalos estruturais. Um exemplo é a possibilidade de incluir, no edital do Tecon 10, do porto de Santos, uma contribuição obrigatória do vencedor do leilão para a construção de um novo terminal de passageiros no Parque Valongo, na baixada santista.
O governo ainda conta com um leilão em Maceió, marcado para o próximo dia 22, outro de modernização do Porto do Recife, que deve ser realizado ainda neste ano, e o governo do Paraná está em tratativas com a APPA (Administração dos Portos de Paranaguá e Antonia) para estudos de implementação de um porto em Paranaguá.
As empresas do setor encomendaram 81 navios até 2036, um investimento que chega a US$ 71 bilhões. Com o aumento de leitos em circulação no mundo, a expectativa é que até lá o Brasil já esteja preparado para atrair novos navios de cabotagem, ou de viagens ao mundo.
“A gente não quer ser mais barato do que ninguém, não é isso que estamos pedindo. Queremos ser competitivos, ou seja, ter um valor médio parecido com o que se opera no hemisfério Norte. Hoje somos mais caros e temos menos infraestrutura, então pesa mais”, diz Ferraz.
Consultados, os ministérios de Portos e Aeroportos e do Turismo disseram que estão atuado para fortalecer o setor de cruzeiros, com medidas voltadas à experiência dos passageiros e expansão da infraestrutura.
Uma dessas iniciativas, segundo a pasta de Portos, foi lançada no mês passado com a Plataforma Cruzeirista, uma solução que integra sistemas de cruzeiros e órgãos anuentes, com validação biométrica antecipada junto à Polícia Federal. O programa deve ajudar a reduzir o tempo de embarque e desembarque e aumentar a segurança dos passageiros.

Fonte: FolhaPress

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