
Saídas voluntárias dos monarcas dos tronos passaram a ter percepção menos rigorosa nas últimas décadas, à medida em que instituições tentam se modernizar
A Europa assistiu nesta sexta-feira (3) à passagem de bastão de uma de suas monarquias mais “discretas”, longe dos holofotes na maior parte do tempo. Luxemburgo passou por uma troca de chefes de Estado, que já estava sendo ensaiada há mais de um ano.
Henri deixou as funções e seu filho, Guillaume, assumiu o poder, que é exercido de forma cerimonial, como em todas as monarquias europeias.
Diferente da Espanha, da Dinamarca e do Reino Unido, Luxemburgo não tem status de reino. Na verdade, é um grão-ducado e seu chefe de Estado é o grão-duque.
A origem de Luxemburgo data do Congresso de Viena (1815), quando foi criado como um estado-tampão estratégico, a nordeste da França.
O território foi uma compensação ao então rei dos Países Baixos, e seu título foi elevado para conferir maior prestígio que um ducado, mas sem se tornar um reino.
Apesar da particularidade como monarquia, a transição de poder que aconteceu nesta sexta-feira (3) em Luxemburgo reflete uma tendência de outras monarquias do mundo, sobretudo na Europa, mas também em um caso específico da Ásia.
Mesmo assim, a abdicação não era uma prática comum há alguns anos, como destaca o pesquisador de realeza, o professor doutor Renato de Almeida Vieira e Silva.
“Mesmo em situações difíceis, tais como doenças, alguns governantes se mantinham em suas funções até a morte”, ressalta ele.
A exceção holandesa
Um dos casos que fugia a essa “regra” é o da Holanda, onde três gerações de monarcas abdicaram em favor dos mais novos a partir de 1948.
Por isso, o país representa historicamente um modelo onde a sucessão é mais previsível e ligada à idade e, não necessariamente, à morte, como ocorria tradicionalmente em outros reinos.
Atualmente, o rei da Holanda é Willem-Alexander, de 58 anos. O Palácio já inclui a herdeira, a princesa Catarina Amália, de 21 anos, em muitas funções oficiais do cotidiano da monarquia, a exemplo de eventos ligados à Assembleia Geral da ONU, que aconteceu no mês passado em Nova York.
Abdicações modernas
Nos últimos anos, monarquias como a Dinamarca, a Espanha e o Japão tiveram abdicações que ganharam manchetes mundiais. Cada uma teve seus contextos particulares. No caso japonês, por exemplo, a abdicação não era permitida legalmente.
Por isso, o governo teve que criar uma lei específica em 2017 que autorizava o imperador Akihito, então com 83 anos, a deixar o trono para que o filho, Naruhito, assumisse o poder.
No caso de Luxemburgo, a abdicação do grão-duque Henri, que aconteceu nesta sexta-feira (3), não foi recebida com grande surpresa.
Esse processo está em andamento desde junho do ano passado, quando o então chefe de Estado, que tinha 69 anos na época, anunciou a intenção de transferir responsabilidades para o filho.
Poucos meses depois, o então herdeiro, Guillaume, passou a ser nomeado como o “tenente-representante”, uma forma de aos poucos oficializá-lo até a transferência total de poder nesta sexta-feira (3), quando ele prestou um juramento diante de parlamentares.
Diferentemente de outras nações europeias, Luxemburgo não realiza coroações para seus chefes de Estado, já que optou por uma cerimônia civil e não religiosa.
A abdicação moderna serve como “mecanismo de garantir a continuidade dinástica, em um momento onde o próprio ocupante do trono percebe que será melhor representado, ainda em vida pelo sucessor”, explica o pesquisador de realezas, Renato de Almeida Vieira e Silva.
O especialista ainda destaca que essa decisão não é necessariamente uma tentativa de modernização ou de aproximação dos jovens: “Pelo contrário, trata-se de garantir a continuidade de um sistema que se apoia sobretudo em quatro pilares básicos: direito sucessório, crença, reputação e vontade de servir”.
Os “traumas” dos britânicos
No entanto, a mais conhecida das monarquias europeias, o Reino Unido, não seguiu a tendência de abdicações modernas e isso se deve a “traumas” do passado, como a crise gerada em 1936, a partir da decisão do rei Edward VIII de se casar com a divorciada americana Wallis Simpson, o que enfrentou forte oposição do governo e da Igreja.
Para concretizar a união, ele renunciou à coroa, e o trono passou para seu irmão, o rei George VI, pai da rainha Elizabeth II. No país, a coroação tem um forte significado religioso e envolve um juramento sagrado.
Por este motivo, a abdicação no Reino Unido passou a ser vista como uma grave quebra de dever.
Mesmo assim, uma abdicação hoje no Reino Unido, quase 100 anos depois do episódio envolvendo Edward VIII, poderia ter outra percepção, como sugere o pesquisador Renato de Almeida Vieira e Silva, que também é autor do livro “God Save the Queen: o Imaginário da Realeza Britânica na Mídia”.
“Nesse caso específico do Reino Unido, o contexto atual vai encontrar maior respaldo da população e do próprio Parlamento, respeitando a vontade do soberano”, completa o especialista.
Fonte: CNN