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Pacto com Paquistão faz da Arábia Saudita potência nuclear

As guerras de Binyamin Netanyahu, nas palavras do premiê israelense, estão redesenhando o Oriente Médio. É fato, mas talvez ele não esperasse que um dos efeitos mais imediatos fosse o de tornar a Arábia Saudita a segunda potência nuclear da região, ao lado do Estado judeu.
Foi o que ocorreu na prática na quarta-feira (17), quando o reino desértico assinou um inédito pacto de defesa mútua com o Paquistão, única força nuclear do mundo islâmico, dono de estimadas 170 ogivas.
“O acordo prevê que qualquer agressão contra um dos países será considerado uma agressão contra ambos”, afirmou nota do governo paquistanês. Segundo a chancelaria do país disse à mídia local, isso inclui todos os meios disponíveis de lado a lado.
O arranjo permite aos sauditas driblarem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, do qual são signatários, pois ele não impede que outros Estados com a bomba atuem em proteção a aderentes do acordo, desde que a posse e o controle das armas não sejam transferidos.
É um movimento tectônico de grande magnitude na geopolítica do Oriente Médio ao Sul da Ásia. Durante anos havia negociações sobre o tema, sempre esbarrando na resistência americana à ideia de uma potência nuclear árabe -ainda que na prática, em caso de guerra.
O guarda-chuva defensivo oferecido por Washington à região, no caso do reino saudita na forma de generosas vendas de armamento sofisticado, prevaleceu até aqui. Mas as guerras decorrentes do ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 viraram a mesa.
Empoderado pela obliteração do grupo de Gaza, a anulação do Hezbollah libanês e a guerra direta com o patrono de ambos, o Irã, Netanyahu foi além na semana passada em bombardeou pela primeira vez um alvo no Qatar.
Ele mirou a liderança exilada do grupo palestino, mas violou a soberania de um país com quem tinha relações amistosas e que vivia sob a segurança presumida de ter a maior base americana no Oriente Médio.
Assim, o pacto é uma derrota maiúscula de Donald Trump, que trabalhava para expandir seus Acordos de Abraão de 2020 até chegar a Riad. Mesmo os Emirados Árabes Unidos, que fizeram a paz com Israel ao lado de Sudão, Marrocos em Barhein no tratado, anunciaram estar degradando sua relação com Tel Aviv, um passo anterior ao rompimento.
Uma ressalva deve ser feita, contudo. O acesso a armas nucleares aumenta o cacife da Arábia Saudita, uma grande potência militar regional, para o caso de uma reviravolta colocar todos à mesa novamente, o que parece difícil ainda mais com o renovado ataque a Gaza. O inimigo comum do Estado judeu e do centro do muçulmanismo sunita e, afinal, o xiita Irã.
Neste momento, o pêndulo vai para outro polo, ainda desfavorável a Teerã. No ano passado, a teocracia e o Paquistão trocaram ataques com drones e mísseis, chegando perto de um conflito mais amplo. O pacto coloca duas frentes diretas em torno dos aiatolás.
Usualmente desunidos e sem coesão diplomática, países árabes e muçulmanos e reuniram na segunda (15) para debater resposta coordenada à crise. Logo depois, na quarta, o avião com o premiê paquistanês, Shehbaz Sharif, entrava no espaço aéreo saudita escoltado por dois poderosos caças F-15 –de fabricação americana.
No Palácio Al-Yamamah, ele e o príncipe herdeiro Mohammad Bin Salman assinaram o acordo, com a presença do chefe do Exército paquistanês, marechal Asim Munir, o homem mais poderoso do seu país.
RELAÇÃO VEM DOS ANOS 1960
A relação militar entre Riad e Islamabad remonta a 1967, mas tornou-se carnal quando comandos paquistaneses ajudaram a acabar com a tomada da Grande Mesquita de Meca por radicais islâmicos em 1979.
Ao longo dos anos, o Paquistão chegou a ter 20 mil soldados na Península Arábica. Hoje são cerca de 1.500. Os sauditas, por sua vez, ajudaram o aliado a montar o Talibã, que tomou o poder no Afeganistão em 1996, foi expulso por ajudar os terroristas da Al Qaeda em 2001 e voltou ao governo 20 anos depois.
Mais importante, a relação é econômica, com investimentos pesados de Riad no Paquistão -durante anos a o edifício Saudi-Pak Tower era o símbolo dessa pujança em Islamabad. No ano passado, os sauditas aprovaram um empréstimo de US$ 3 bilhões à frágil economia do aliado, que trocou sua dependência de Washington por Pequim desde os anos 2010.
Hoje, Israel é a única potência nuclear do Oriente Médio, com 90 ogivas estimadas pela referencial Federação dos Cientistas Americanos. Parte de sua luta contra o Irã, que defende a extinção do Estado judeu, foi para desestruturar com a ajuda americana o programa atômico do país persa.
Há implicações importantes também para o Sul da Ásia. Como disse nos anos 1970 o então premiê Zulfikar Ali Bhutto, o país iria “comer grama, mas teria a bomba” para enfrentar o primeiro teste nuclear da arquirrival Índia, hoje dona de 180 bombas.
Foi o que ocorreu, e os dois países têm arsenais de tamanho semelhante. Ainda assim, seguem travando guerras, como ocorreu em maio na região disputada de fronteira. Um pacto que coloque a Arábia Saudita, que tem boas relações com a Índia, no esquema regional ajuda a balancear o jogo em favor de Islamabad.
As linhas ficam mais borradas quando se expande o foco. Até Trump, a Índia era cortejada pelos EUA devido à rivalidade com a China. Após o tarifaço contra Nova Déli devido à relação com a Rússia, até aqui o resultado foi uma reaproximação entre indianos e chineses.

Fonte: FolhaPress

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