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‘O risco de mudar a meta fiscal é bastante elevado’, diz Alexandre Schwartsman

Em entrevista ao PlatôBR, Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do BC, afirma que Haddad está queimando pontes ao agir de forma partidária, que o mercado não acredita mais no governo e que o BC não está mirando a meta de inflação de 3% este ano

A tensão crescente entre o governo e o Congresso Nacional em torno da aprovação de medidas para recompor receitas e cortar despesas aumentou o risco de a equipe econômica não conseguir fechar as contas públicas este ano e, com isso, ter que mudar a meta de superávit primário prevista para 2025. “O risco de mudar a meta fiscal é bastante elevado”, diz Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central.

Em conversa com o PlatôBR, ele afirma que o estrago da crise político-econômica atual para imagem do ministro Fernando Haddad (Fazenda) é irreversível e que ele está “queimando pontes” ao optar por uma postura mais partidária à frente do ministério. Numa analogia com o futebol americano, diz que Haddad se comporta mais com um running back, o atleta que corre com a bola, do que um quarterback, aquele que lidera o ataque. E, dessa forma, será tratado como tal.

“O mercado financeiro já não espera mais nada do atual governo”, destaca Schwartsman ao criticar a postura do governo de gastar “com se não houvesse amanhã” e ao analisar as necessidades de mudanças e o peso que a polarização política traz para o momento atual em relação às gestões anteriores do presidente Lula.

Segundo o economista, o governo agora terá que viver com as consequências das próprias escolhas. Ele afirma também que a polarização dificulta aprovação de medidas necessárias para o país e diz que o Congresso não é um “exemplo de austeridade e de contenção fiscal” e muito menos o Judiciário. Por isso, o Brasil está “num mato sem cachorro” e “quem tem que matar essa bola no peito é o governo federal”.

O economista destaca ainda que não acredita que o Banco Central está perseguindo a meta de inflação, fixada em 3% para este ano.

A seguir os principais pontos da entrevista com Alexandre Schwartsman

O embate político do governo com o Congresso Nacional aumentou o problema para fechar as contas públicas em 2025 e 2025. Há risco de ser preciso mudar a meta fiscal?
O risco de mudar a meta é bastante elevado. Primeiro, iniciaram o ano com uma estimativa de receita muito mais alta do que seria razoável supor, insistindo nas receitas que viriam com a mudança de voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), com as chamadas transações tributárias. Reconheceram que não vai funcionar e isso abriu um primeiro buraco no orçamento em relação ao que estava aprovado na lei orçamentária. A segunda parte é a subestimação das despesas obrigatórias. A atualização delas teve dois efeitos: ameaçou estourar o teto do arcabouço fiscal, o que motivou o bloqueio de R$ 10 bilhões de gastos discricionários. Mesmo com o bloqueio, dada a queda de receita, eles não conseguem entregar um resultado primário consistente com a meta. E tiveram que fazer um contingenciamento de mais R$ 20,7 bilhões. Isso para entregar um resultado fiscal no mínimo possível. Lembrando que essas contas contemplam as receitas de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) ou de outros impostos. Como o risco é alto de não conseguir essas receitas adicionais, há um risco alto de não conseguir entregar sequer o menor resultado compatível com a meta de primário para este ano.

O governo vem dividindo com o Congresso Nacional a responsabilidade para encontrar uma saída, mas, legalmente, quem vai responder é a equipe econômica.
De uma forma ou de outra, é sempre o governo que responde. O sentimento no Congresso é o seguinte: o governo está pronto para fazer um monte de favores: isentar de IR quem ganha até R$ 5 mil, aumentar o Pé de Meia, o Farmácia para Todos. Aí, a bomba estoura e é preciso dar uma solução. Quem fica de bandido, é o Congresso? Não que o Congresso brasileiro seja exemplo de austeridade e de contenção fiscal. Tem as emendas, a proposta de aumentar o número de deputados, mas o fato é que quem tem que entregar o resultado é o Executivo, que não está disposto a abrir mão de nada. Quer aumento do salário mínimo acima da inflação, o que tem efeito direto e enorme sobre despesas, quer fazer um monte de favores. Entendo que há uma eleição para ganhar, mas, ou você escolhe austeridade fiscal ou tentar ganhar a eleição.

Mas o movimento do Congresso ao derrubar vetos do presidente a alguns projetos também eleva gastos, assim como a proposta de aumento do número de deputados. Isso é sinalização de quem está, de fato, preocupado com gasto?
Não existe inocente nessa história, não existe um campeão de austeridade fiscal no Brasil. Não no Executivo, não no Legislativo, certamente não no Judiciário. Estamos basicamente num mato sem cachorro. Mas, em última análise, quem tem que matar essa bola no peito é o governo federal. Que o Judiciário é perdulário, a gente sabe há muito tempo. Que o Legislativo representa interesses difusos e ninguém se sente responsável pelo orçamento, também é fato. E quem é responsável? O governo federal. E não vamos esquecer que essa brincadeira toda começou porque o governo federal, de 2022 para cá, aumentou os gastos em R$ 240 bilhões a R$ 250 bilhões já considerada a inflação do período. Se é para traçar a origem desse problema, é claramente o governo federal. Na PEC da transição, a decisão do governo foi de aumentar o gasto. O volume de transferência que o governo faz, entre Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), Bolsa Família, seguro-desemprego, abono, seguro defeso, aumentou de R$ 190 bilhões a R$ 200 bilhões e o conjunto de gastos aumentou R$ 240 bilhões a R$ 250 bilhões. Nesse contexto, o que o legislativo faz é café pequeno.

E os R$ 50 bilhões de emendas parlamentares?
As emendas são um volume grande, mas não têm aumentado na proporção dos gastos federais nos últimos 10 anos e meio. Houve uma opção clara do atual governo por gastar mais porque acredita que gasto é vida. Há uma questão ideológica e uma tentativa de agradar segmentos da população e maximizar a chance de reeleição. Então, viva com as consequências das suas escolhas. A culpa é de todo mundo? Do governo Bolsonaro, do Legislativo, deve ser, inclusive, do Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente), menos dos inocentes que estão no Ministério da Fazenda, na Presidência da República. Esses não têm culpa de nada, são observadores passivos do que está acontecendo nas contas nacionais?

Há questões que são promessas de campanha. Independente da corrente ideológica, isso aconteceu em vários governos. Qual é a diferença agora, o viés mais social?
Se tem uma coisa que o Lula não fez em 2003 foi cumprir promessa de campanha, que eram acabar com as políticas neoliberais e meta de superávit primário. Ele fez uma política de austeridade fiscal, o oposto do que prometeu e funcionou super bem. Fez uma reforma previdenciária que machucava uma das bases do PT: o funcionalismo público. Fez um baita programa de ajuste fiscal em cima de uma condição fiscal que era melhor do que a que ele herdou do Bolsonaro. A coisa acalmou. Agora, foi o oposto. Saíram, de cara, com a PEC da transição, gastando como se não houvesse amanhã. Mas, normalmente, o amanhã chega e, com ele, chegam as contas. E elas começaram a chegar.

E o arcabouço fiscal que o mercado elogiou?
Colocaram no lugar do teto de gastos uma restrição mais frouxa, que é o arcabouço fiscal e permitiram que as despesas obrigatórias continuassem crescendo num ritmo incompatível com a manutenção da despesa discricionária. A despesa, o investimento, o custeio da máquina estão ficando comprimidos pelo aumento do gasto previdenciário, BPC (Benefício de Prestação Continuada), abono, Bolsa Família, seguro-desemprego. Revogaram, também, acredito que inadvertidamente, dispositivos que quebravam a ligação entre arrecadação e o piso mínimo da educação e da saúde e isso voltou. Foram decisões que o governo tomou e que não só elevou o volume do gasto como o grau de rigidez do orçamento. É difícil cumprir o limite de gastos do arcabouço e gerar os resultados fiscais que estão prometidos. Pelo plano original, este ano era para ter superávit.

E para complicar, teve o orçamento impositivo, não?
As coisas mudaram, mas não foi na véspera da eleição do governo Lula, nem depois que o governo assumiu. Tanto sabiam disso que engajaram, entre outros, o ministro Flávio Dino (STF), para tentar cortar as asas do Congresso. Não deu certo. Não tem inocente aí. O mais bobo se elegeu presidente três vezes.

Mas no ponto que estamos, onde está a saída?
O mercado financeiro já não espera mais nada do atual governo. É um governo que não tem nenhuma disposição de lidar com esse problema fiscal. O que está segurando é uma expectativa de que vamos eleger dom Sebastião (rei português desaparecido em combate em 1578 e que os portugueses acreditavam que voltaria para resolver a crise do país), que o exército vai sair do mar e todas as coisas vão para o lugar. Vai mudar a política de salário mínimo e fazer uma série de reformas.

O que o mercado espera?
O que o mercado espera é que se eleja alguém que reverta ou tente reverter esse aumento de gastos que foi materializado nos últimos dois anos e meio. Tecnicamente não é tão difícil. Por exemplo, se parar de aumentar o salário mínimo acima da inflação, isso tira uma pressão grande das contas públicas. O salário mínimo baliza integralmente o BPC (Benefício de Prestação Continuada), o seguro desemprego, o abono e boa parte do gasto previdenciário também. Então, só retirar esse reajuste dá já dá um alívio grande. Agora, quem falar isso em público está sujeito à execração, em particular dos políticos do PT. Uma saída alternativa e politicamente mais complicada seria mudar a Constituição para acabar com a paridade entre o menor benefício e o salário mínimo, voltar para estabelecer um piso de saúde e educação independente do comportamento das receitas. Há alternativas. Mas vai demorar.

E o gasto tributário? A redução dos benefícios e isenções fiscais gera ganho de receita, mas acaba provocando aumento dos gastos vinculados ao crescimento da arrecadação.
Essa questão do gasto tributário é importante. O que está na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para o ano que vem é um gasto tributário da ordem de R$ 620 bilhões, 4,5% do PIB. Quando Lula assumiu, em 2003, esse mesmo gasto era da ordem de 2% do PIB. A maior delas é o Simples que, sozinho, representa um quarto da renúncia fiscal. O Simples não está errado, mas o limite para entrada no programa, um faturamento de quase R$ 5 milhões, é alto. Poderia ser bem mais baixo e iria beneficiar o público para o qual o Simples foi desenhado.

Em qual poderia mexer?
O governo também não vai mexer na Zona Franca de Manaus. Sai mais barato pegar essa grana e distribuir entre os amazonenses. Eles vão ganhar mais do que ganham hoje e com um custo muito menor para o governo. São R$ 34 bilhões. Também não querem mexer na isenção da cesta básica, mais R$ 55 bilhões. E nem nos abatimentos do Imposto de Renda das despesas com saúde e educação de pessoas físicas. Dividendo, nem se qualifica como gasto tributário, está fora da discussão. Com o Simples, esses são os maiores grupos, que correspondem a 70% da renúncia fiscal. Se você já abre mão de discutir 70% da renúncia fiscal, o que sobre é muito pouco, 30%, R$ 36 bilhões mais ou menos. E como você não vai eliminar, mas reduzir, é muito pouco.

Se não pode reduzir benefícios, não pode aumentar imposto, sobra o que, só contingenciar os gastos orçados?
Contingenciar não vai nos levar a nada. Sobra tentar dar um jeito de fazer com que o gasto obrigatório cresça menos do que o PIB nos próximos anos.

O ajuste tem que ser pelo lado do gasto?
Tem que ser.

Como é possível sem, fazer uma reforma da Previdência, sem reforma administrativa, sem mudar pisos mínimos de educação em saúde?
Só não reajustando o salário mínimo já dá um impacto grande. O salário mínimo impacta boa parte do R$ 1,4 trilhão mais ou menos que é gasto com transferências a famílias. Não é tudo porque nem todas as pensões e aposentadorias são diretamente indexadas ao mínimo. Mas é um pedaço grande. Se o salário mínimo for reajustado só pela inflação, o poder de compra é mantido, mas não há aumento real. Isso tem impacto para que esses gastos cresçam num ritmo menor do que cresceram nos últimos anos e, em particular, cresçam menos do que o PIB. Mas o governo não vai escapar de discutir, na segunda rodada de reforma da previdência, desindexação do orçamento. Há uma lição de casa para ser feita, que é gigantesca.

O imbróglio é econômico e a solução está na política. Essa crise fiscal é o que está desancorando as expectativas de inflação e dificultando o trabalho do Banco Central de fazer o IPCA convergir para meta?
Parte da história é, sim, fiscal. Há uma trajetória de dívida pública que, se não mudarem os fatores que estão determinando essa trajetória, ela não vai se resolver sozinha. A dívida vai crescendo e começa uma discussão sobre dominância fiscal. Não está escrito em pedra que a gente vai chegar lá, mas é um risco que estamos constantemente discutindo. E olhando para indicadores, por exemplo, a inflação implícita nos títulos públicos aponta para uma taxa de inflação na casa dos 6% ao ano, até nos prazos mais longos. Isso está corroborando uma certa probabilidade de que a inflação vai ser muito mais alta. Parte da dificuldade do BC está ancorada no resultado fiscal.

E a outra parte?
A outra parte é de uma percepção de que o BC não está perseguindo a meta de 3%.

De onde vem essa percepção?
Da ação do Banco Central. Na reunião anterior do Copom (Comitê de Política Monetária), o BC já falou que a projeção para horizonte relevante era de 3,6%. Acima da meta. Aí, diz que vai segurar (os juros num patamar elevado). Mas a inflação está acima da meta. Então, claramente, ele não está mirando a meta. Por que eu deveria acreditar que a inflação vai para a meta se o responsável por ela não toma as medidas necessárias para isso? É custoso? Sem dúvida. Mas o fato é que o BC parou em 15% ao ano a Selic e a projeção dele de inflação está em 3,6%, acima da meta. O mercado projeta, para o ano que vem, inflação de 4,5%, com essa taxa de juros. E a gente está vendo o BC parar o ciclo de aperto monetário. Qual a interpretação que se tira? Não vou fazer força para entregar 3%. Se for 3,5% está ótimo. De 4% a 4,5% está dando para passar.

Na sua avaliação deveria ir além, uma taxa de juros de 15% ao ano é pouco?
Não entrega na meta. Se não entrega na meta é menos do que o necessário. E é uma taxa de juros elevadíssima. Estamos falando de juros reais de 10% ao ano, é cavalar. Mas não entrega a inflação na meta. Aí, entra a discussão: será que a taxa neutra é a que o BC está pensando? E a taxa de juros no Brasil está alta há uns 12 meses. E qual o desempenho da economia? O consumo vai muito bem, obrigado. Deu uma fraquejada no quarto trimestre (2024), voltou com tudo no primeiro trimestre (2025) e, nos últimos 12 meses, o consumo das famílias cresce mais do que 4%. Não é sinal de uma economia que está entrando em colapso por causa dos juros alto. Caramba, o juro real no Brasil, estando congruente com uma expansão do consumo na casa de 4%, tem alguma coisa profundamente errada e ninguém consegue muito bem entender o que é. Talvez seja a política fiscal, no sentido de estimular a demanda. Talvez seja porque as pessoas olham para o juro real e, como talvez exista uma probabilidade de não receber integralmente o que estão emprestando, colocam um prêmio de risco. Nesta altura do campeonato, nesta questão, eu ainda estou no escuro.

E o cenário ainda inclui a questão eleitoral de 2026. O BC está ficando mais pressionado?
Certamente está ficando muito mais difícil para o Banco Central. É muito mais fácil fazer política monetária com uma dívida estável ou decrescente e quando não há um estímulo persistente ao consumo.

Na sua época no BC, entre 2003 e 2006, o cenário econômico também não era favorável. Qual a diferença em relação ao momento atual?
Tinha um fiscal melhor, um país menos polarizado. Quando o governo Lula quis passar a reforma previdenciária, a então oposição, que era o PSDB, votou alegremente a favor porque acreditava e tinha uma coisa mais construtiva de país. Agora, mais polarizado, fica difícil. Se o governo Lula propuser uma reforma previdenciária a essa altura do campeonato, não acho que o PL vai apoiar entusiasticamente. Vai é tentar extrair o máximo de custo político do governo e de dividendos político para si. Essa diferença é muito relevante. O histórico também era outro. Tinha menos dívida, resultado fiscal mais bem estruturados. O que era percebido do ponto de vista de política econômica (entre governo e oposição) era muito mais continuidade do que desconstrução do que tinha sido feito. E isso facilitou o trabalho do BC. O ambiente era melhor.

Esse desgaste da equipe econômica, sobretudo nas últimas semanas, por causa do IOF, com forte repercussão nas redes sociais, é reversível?
Não. Acho que já que já cruzaram o Rubicão (expressão idiomática que significa um ponto sem retorno e que tem origem na história de Júlio César, imperador de Roma). A imagem do Fernando (Haddad, ministro da Fazenda) ficou muito danificada nesse processo. Havia uma certa boa vontade do mercado com ele, inclusive, do mundo político. A postura do Fernando se tornou muito mais partidária de um tempo para cá. Declarações recentes dizendo que vamos reeleger o presidente, colocando a culpa no antecessor… Contrasto isso com a postura do Palocci, que foi um cara que construía pontes. Apesar de todos os defeitos e tudo o que aconteceu depois, ele era uma criatura política muito mais hábil e conseguiu construir pontes. O Fernando está queimando pontes.

Por quê?
Ele está engajado na campanha de reeleição de presidente. Foi declaração dele: “Vamos reeleger o presidente Lula”. Ele está no direito dele, mas isso me lembra uma história quando eu morava nos Estados Unidos e gostava de futebol americano. Tinha um quarterback (líder do ataque) novo que era diferente, mais forte e ele corria com a bola em vez de só passar para os outros. Aí, diziam: se ele vai se comportar como um running back, o cara que corre com a bola, a gente vai tratá-lo assim e, não, como um quarterback, que os outros jogadores tentam não matá-lo quando estão pulando em cima dele. O Fernando está se comportando como um running back. Então, vai ser tratado como um running back.

Fonte: PlatôBr

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