Data Mercantil

Casa onde Cristina Kirchner pede para cumprir prisão de 6 anos vira ponto de romaria

Apesar das bombas e dos fuzilamentos / Dos companheiros mortos e desaparecidos / Não nos venceram”, cantam a cada trinta minutos centenas de pessoas reunidas na esquina da rua Humberto 1º com a avenida San José, em Buenos Aires.
Tomado por prédios residenciais baixos de classe média e longe de ser um ponto turístico da cidade, o cruzamento, que fica entre os bairros de Monserrat e Constitución, tem atraído um número cada vez maior de argentinos.
Desde que a Suprema Corte do país negou o último recurso da ex-presidente Cristina Kirchner e confirmou a condenação a seis anos de prisão da ex-presidente por administração fraudulenta em prejuízo do Estado, militantes peronistas de diferentes vertentes, apoiadores e curiosos se aproximam do endereço em que Cristina pede à Justiça que seja o lugar de cumprimento de sua pena e esperam.
Enquanto entoam a marcha da Juventude Peronista, o hino da Argentina ou cantos provocativos ao presidente Javier Milei e ao ex-presidente Mauricio Macri, o grupo aguarda que se cumpra um ritual que tem acontecido há quase uma semana: cerca de três vezes por dia, por dois minutos, Cristina vai até o balcão de seu apartamento, no segundo andar, e acena à militância.
“Vim por gratidão. Sou da província de Misiones [na fronteira com o Brasil]”, conta o vendedor Ignácio Torres, 33. “Meus pais e eu viemos para Buenos Aires na crise de 2001, fomos viver em uma favela temporária criada para receber desempregados e famintos, algo comum naquela época, não tinha terminado o primário. Com os governos [do antecessor e marido de Cristina] Néstor e dela, pude estudar, entrar na universidade e buscar um futuro mais lindo.”
“Cristina livre, venha para o balcão”, gritavam os apoiadores antes que ela aparecesse pouco depois das 17h desta segunda-feira (16). Em dois dias, na quarta-feira (18), encerra-se o prazo de cinco dias úteis que a Justiça concedeu para que a ex-presidente se apresente e cumpra sua sentença referente ao caso Vialidad, que investigou irregularidades em obras viárias na província de Santa Cruz.
Nos dias que se seguiram à confirmação da condenação, a defesa da peronista apresentou formalmente o pedido de prisão domiciliar, com a expectativa de que ele seja concedido pela Justiça antes do fim do prazo para que Cristina se apresente. Com um feriado na segunda-feira, a expectativa é de que seja autorizado ainda nesta terça-feira (17).
Um relatório da Diretoria de Controle e Assistência da Execução Penal enviado ao Tribunal Oral Federal Dois de Comodoro Py, chefiado pelo juiz Jorge Gorini, apontou que o apartamento de Constitución é adequado para que Cristina cumpra sua prisão domiciliar.
Na semana passada, a presidente do Partido Justicialista e que governou a Argentina por dois mandatos (2007-2015) confirmou que irá se apresentar aos juízes na quarta. Simultaneamente, as lideranças peronistas marcaram uma marcha para acompanhá-la de sua casa até o edifício de tribunais federais da avenida Comodoro Py, uma caminhada de cerca de 5 km, que deve cortar a avenida Nove de Julho, uma das mais importantes da cidade. Outra opção é que ela se apresente no Palácio dos Tribunais (a 2,5 km).
“Vim de Salta [no norte do país] com a minha família e só vou embora quando Cristina estiver de volta, em sua casa”, disse o agricultor Tomás Pasos, 63, enquanto aguardava a ex-presidente sair mais uma vez. “Durante o governo dela, pudemos comprar a nossa casa, e é justo que ela possa viver em segurança e continuar a liderar o peronismo.”
A presença dos apoiadores do kirchnerismo incomodou parte dos vizinhos. Na madrugada de domingo (15), agentes de segurança da cidade de Buenos Aires desalojaram um grupo de manifestantes que estava acampado. A operação teve início às 2h30 e contou com 160 oficiais, que retiraram barracas, cartazes e churrasqueiras.
A transformação do quarteirão residencial nos arredores de uma das principais estações de trem da cidade em um ponto de peregrinação de apoiadores de Cristina incomodou também o governo Milei, que teme que a ex-presidente se fortaleça politicamente e continue influenciando as eleições legislativas de setembro e outubro, apesar de ter perdido o direito de se candidatar após a decisão do Supremo.
Os opositores querem que a Justiça limite as visitas de Cristina e estudam uma forma de impedir que ela apareça no balcão para saudar a militância. Nesta terça, enquanto os apoiadores a aguardavam, a peronista recebeu prefeitos da região metropolitana da capital argentina e as Mães da Praça de Maio.
O incômodo de críticos do kirchnerismo fora da política com a romaria até a casa dela é explícito e foi alvo de discussão até em um dos programas mais populares da TV argentina, a mesa de jantar de Mirtha Legrand. “Estou surpresa em vê-la dançando no balcão”, disse a apresentadora. “É uma coisa muito estranha. Ela parece feliz. E as pessoas vão e as pessoas a amam”, acrescentou. “Todas essas pessoas são enviadas ou vão espontaneamente?”

Fonte: FolhaPress

Sair da versão mobile