Data Mercantil

Nova MP ameaça R$ 50 bilhões em crédito e 1,3 milhão de empregos no agro e construção 

Esses instrumentos de investimentos, hoje isentos, têm sido importantes fontes de financiamento tanto para o mercado imobiliário quanto para o agronegócio, atraindo principalmente investidores pessoas físicas

A Medida Provisória que prevê a taxação de 5% sobre os rendimentos de LCI, LCA, CRI e CRA a partir de 2026 ameaça uma engrenagem crucial do financiamento no país, que movimenta R$ 1,4 trilhão e sustenta milhões de empregos. Estimativas elaboradas pela Suno com base em estudos internacionais indicam que a mudança pode impactar diretamente a criação ou manutenção de até 1,3 milhão de postos de trabalho, além de enxugar até R$ 50 bilhões em financiamento do agronegócio e do setor imobiliário. 

Esses instrumentos de investimentos, hoje isentos, têm sido importantes fontes de financiamento tanto para o mercado imobiliário quanto para o agronegócio, atraindo principalmente investidores pessoas físicas. Quando o governo decide tributar instrumentos de crédito que até então eram isentos, surge naturalmente a dúvida: qual será o impacto real sobre o volume investido nesses ativos e, indiretamente, sobre o emprego e a atividade econômica? 

Embora o Brasil não tenha histórico semelhante, estudos internacionais oferecem referências úteis para estimar os possíveis efeitos da medida. Neste trabalho, utilizamos um dos poucos estudos que tratam de uma situação semelhante para tentar estimar a ordem de grandeza dos possíveis efeitos. 

A referência escolhida foi o estudo “The Supply Elasticity of Municipal Debt: Evidence from Bank-Qualified Bonds”, de Travis St. Clair (2023), que analisou a experiência dos Estados Unidos após o Tax Reform Act (TRA) de 1986.

Antes dessa reforma, bancos norte-americanos podiam adquirir títulos municipais isentos de imposto federal (muni bonds) e, adicionalmente, deduzir os juros pagos sobre os recursos que captavam para realizar essas aquisições. Ou seja, as instituições financeiras conseguiam acessar simultaneamente dois benefícios fiscais: a isenção sobre os rendimentos recebidos e a dedução dos juros pagos na captação desses recursos. 

No contexto norte-americano, os títulos municipais têm papel central no financiamento de infraestrutura pública o que torna a discussão ainda mais relevante para entender as conexões entre incentivos fiscais, financiamento e atividade econômica. 

O TRA-1986 encerrou essa possibilidade de dedução para novas aquisições de títulos municipais (com algumas exceções para papéis chamados de “bank-qualified”). A perda desse benefício reduziu substancialmente o interesse dos bancos por esses ativos.

O estudo mostra que, com o fim da dedutibilidade, o custo de captação para governos locais aumentou entre 8% e 17% e a emissão de novos títulos municipais caiu cerca de 5%. Estimou-se uma elasticidade de oferta de dívida entre –0,3 e –0,6, indicando que cada 10% de aumento no custo de captação resultou em uma redução de 3% a 6% no volume emitido. 

Embora o caso brasileiro trate de instrumentos privados e de setores distintos, o mecanismo econômico subjacente é similar: benefícios fiscais tornam determinados títulos mais atrativos, permitindo aos emissores captarem recursos a custos menores. Com a introdução do IR, será necessário oferecer rentabilidades brutas mais altas para compensar a tributação, encarecendo a captação e, possivelmente, reduzindo o volume investido nesses papéis. 

Com base na metodologia adaptada do estudo de St. Clair (2023) e em simulações próprias para o cenário brasileiro, consideramos algumas especificidades importantes. A alíquota proposta é de 5%, inferior ao ajuste tributário ocorrido nos EUA, e o mercado brasileiro é dominado por investidores pessoa física, o que tende a aumentar a sensibilidade às mudanças na rentabilidade líquida. Por conta disso, usamos uma faixa de elasticidade entre –0,25 e –0,7, levemente mais ampla e conservadora. 

Com base nessas hipóteses, estimamos que a introdução do IR de 5% pode provocar uma redução de aproximadamente 1,25% a 3,5% no volume de funding captado via LCI, LCA, CRI e CRA. Segundo dados recentes de estoque, o volume total desses instrumentos no Brasil soma aproximadamente R$ 1,4 trilhão.

Aplicando a perda máxima de 3,5%, teríamos uma redução de até R$ 50,2 bilhões em funding disponível, sendo R$ 24,6 bilhões no setor imobiliário e R$ 25,7 bilhões no agronegócio. 

Para dimensionar os possíveis impactos sobre o emprego, recorremos a multiplicadores de geração de empregos por milhão de reais investido nos setores afetados. No caso da construção civil, usamos estimativas da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) que indicam uma geração de 18 empregos diretos e indiretos por milhão de reais investido.

No agronegócio, encontramos estimativas que indicavam 49 empregos por milhão, mas considerando o avanço da mecanização e ganho de produtividade, ajustamos o número para 35 empregos. 

A partir desses parâmetros, aplicamos a perda de funding de R$ 50 bilhões nas proporções de mercado entre os setores e estimamos, de forma simplificada, o potencial de empregos que deixariam de ser criados ou mantidos em função dessa menor disponibilidade de crédito.

O resultado aponta para uma possível perda de até 1,3 milhão de empregos diretos e indiretos no acumulado de tempo, considerando o efeito sobre as cadeias produtivas de construção e agronegócio. 

É importante reforçar que se trata de uma estimativa de ordem de grandeza, baseada em um exercício de aproximação. Esses empregos não seriam automaticamente eliminados no curto prazo, mas refletem uma perda de capacidade de geração de trabalho associada a um menor dinamismo de investimento e produção ao longo dos anos. 

Com o fim da isenção de IR sobre LCI, LCA, CRI e CRA, os bancos terão de oferecer remunerações mais altas para compensar a tributação e manter o interesse dos investidores. Esse ajuste encarece o custo de captação e tende a ser repassado aos tomadores finais, resultando em crédito mais caro tanto para o financiamento imobiliário quanto para o agronegócio.

Ao retirar esse incentivo, há o risco de enfraquecer o fluxo de recursos para setores essenciais da economia, com possíveis reflexos negativos sobre a atividade produtiva, a geração de emprego, a produção agrícola e o acesso à habitação. 

Fonte: InfoMoney

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