
Com a taxa básica de juros em 14,75%, consumidores adiam decisão de compra e incorporadoras ajustam ofertas; mas fatores estruturais seguram bom momento do setor
O aumento da taxa Selic para 14,75% pelo Banco Central, anunciado na última quarta-feira (7), reacendeu alertas no mercado imobiliário brasileiro. Embora o setor da construção civil venha apresentando bons resultados até o primeiro trimestre de 2025 — com crescimento de 17% nas vendas de apartamentos e R$ 38,3 bilhões liberados via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) —, a escalada dos juros tende a exigir mais cautela e planejamento por parte de consumidores e incorporadoras.
O impacto é direto: cada ponto percentual na Selic eleva em média 0,43 ponto as taxas de financiamento imobiliário. Isso pressiona principalmente a classe média, que depende de crédito para concretizar o sonho da casa própria.
“Quem precisa financiar um imóvel acima de R$ 500 mil hoje está adiando a compra ou optando por unidades menores”, afirma Luciano Amaral, CEO da Benx. A incorporadora, que atua nas duas pontas extremas do mercado (econômico e altíssimo padrão), notou que consumidores estão mais seletivos e que o tempo de decisão de compra aumentou de dois a três meses.
Mercado resiliente
Apesar das últimas altas, o mercado não estagnou. No primeiro trimestre do ano, o setor da construção civil registrou um bom crescimento de 17% nas vendas de apartamentos. No entanto, os lançamentos de novos empreendimentos recuaram 7% no mesmo período, segundo relatório Desempenho da Construção Civil, divulgado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) nesta quarta-feira (7).
Os dados já indicam a cautela dos empresários diante do cenário da taxa de juros a 14,75%. A entidade informa que o Índice de Confiança do Empresário da Construção encerrou abril em 47,2 pontos, o menor nível desde julho de 2020.
No primeiro trimestre, foram financiadas 109 mil unidades — 10% a mais que no mesmo período de 2024. Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP, diz que as pesquisas com mais de 60 empresas de São Paulo mostram aumento de 50% nos lançamentos e de 5% nas vendas.
Segundo ele, não é a Selic que muda um projeto de vida como o da casa própria, especialmente quando o financiamento imobiliário, por contar com recursos da poupança, mantém taxas ainda abaixo da Selic. “Hoje, quem compra um imóvel classe média alta paga de 11% a 12% ao ano, abaixo da taxa básica, o que configura juro real negativo”, explica. No nível do Minha Casa Minha vida os subsídios beneficiam ainda mais o comprador.
A diferença ocorre porque a poupança ainda compreende boa parte da formação do crédito imobiliário (o funding), cujo rendimento é de cerca de 3% ao ano, enquanto apenas 20% têm relação direta com a Selic. Com isso, a alta nos juros impacta mais a percepção e o comportamento do consumidor do que o crédito em si — pelo menos no curto prazo, segundo Wertheim.
Esperar ou comprar agora? A decisão de adiar a compra também exige cautela. Embora os juros estejam altos, o imóvel continua sendo um ativo que tende a se valorizar, especialmente em grandes centros urbanos. “A valorização em São Paulo tem sido significativa. Quem compra para alugar também se beneficia, pois os aluguéis estão subindo acima da inflação”, ressalta o presidente do Secovi-SP.
Quem já comprou ou está prestes a comprar um imóvel, o que fazer?
Amortizar ou aplicar? Para quem tem recursos em mãos, amortizar pode parecer o caminho mais seguro. Mas, como lembra Wertheim, com taxas de financiamento abaixo da rentabilidade de muitos investimentos, “quem tiver dinheiro em mãos, vale mais aplicar do que quitar o imóvel”. A exceção pode ser no casos em que o comprador consegue descontos consideráveis na quitação antecipada, especialmente se a construtora estiver com necessidade de caixa.
Reduzir custos com planejamento: A recomendação dos analistas é reforçar o valor de entrada, optar por prazos mais curtos e escolher o sistema de amortização mais adequado, como o SAC, que reduz os juros ao longo do tempo. Outra alternativa é usar o FGTS a cada dois anos para amortizar o saldo devedor ou transferir o financiamento para outra instituição assim que a Selic começar a cair.
Perspectivas
Mesmo diante de um cenário mais restritivo, com redução dos recursos da poupança, inflação pressionando os custos de construção e incertezas, o setor pode até tirar o pé do acelerador, mas segue em movimento. Isso porque a demanda habitacional continua forte, segundo Amaral.
“A sociedade brasileira vê o imóvel como investimento seguro, além do valor afetivo e da segurança patrimonial”, diz o CEO da Benx. Ele ressalta ainda o papel estratégico de São Paulo, cidade com demanda constante por moradia, seja por fatores econômicos ou sociais, como o turismo médico e a chegada de estudantes e profissionais de outras regiões.
Apesar dos juros, o mercado imobiliário brasileiro deve continuar seguindo em sua capacidade de adaptação. Com informação e planejamento, tanto consumidores quanto empresas devem continuar buscando estratégias para atravessar o ciclo de aperto monetário sem perder de vista seus objetivos.
“E a conjuntura econômica, com desemprego em baixa e renda subindo, não deve fazer as pessoas desanimarem”, disse o CEO da Benx.
O que fazer na hora da compra?
– Aumentar o valor da entrada: direcionar mais recursos para a entrada reduz o valor financiado e, consequentemente, o montante sobre o qual incidirão os juros.
– Reduzir o prazo do financiamento: optar por prazos mais curtos, aceitando parcelas iniciais maiores em troca de uma redução significativa no custo total.
– Escolher o sistema de amortização adequado: o Sistema de Amortização Constante (SAC) pode ser mais vantajoso em cenários de juros elevados.
– Utilizar o FGTS para amortização periódica: usar o saldo do FGTS a cada 2 anos para amortizar o saldo devedor do financiamento pode reduzir o prazo total do financiamento.
– Buscar portabilidade após início da queda da Selic: transferir o financiamento para outra instituição quando a Selic começar a cair, buscando taxas mais atrativas.
Fonte: InfoMoney