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Filme faz releitura de Eduard Limonov, polêmico autor soviético que rodou o mundo

Os cineastas russos têm tido participação rara nos festivais de cinema desde o início da Guerra na Ucrânia, mas Kirill Serebrennikov tem sido uma notória exceção. Desde 2022, quando o conflito começou, já teve dois longas em competição no Festival de Cannes, e estará no mês que vem novamente no evento francês, sem disputar prêmios, com “The Disappearance of Josef Mengele”.
Ex-preso político na Rússia por sua oposição ao conservadorismo da era Putin, o cineasta hoje radicado em Berlim também inclui visões críticas ao país natal em sua obra. Talvez isso explique seu bom trânsito em Cannes, onde no ano passado apresentou “Limonov: o Camaleão Russo”, que estreia nesta quinta-feira (17) no Brasil.
No longa, revisita a trajetória do escritor e polemista soviético Eduard Limonov (1943-2020), em adaptação de uma biografia romanceada do francês Emmanuel Carrère. Figura irreverente durante a Guerra Fria, o poeta era visto por muitos como um grande defensor da União Soviética, por outros como uma voz contrária ao país, embora ele próprio dissesse não se identificar com nenhuma das duas vertentes.
Chegou a fundar, 1993, o Partido Nacional-Bolchevique, que mesclava tanto ideias extremas do campo da direita quanto do da esquerda. Gostava sobretudo de comprar brigas e de confundir a opinião das pessoas sobre si.
“Nos anos 1990, a juventude russa era fascinada por suas ideias de anticapitalismo, antiburguesia, anti-Ocidente, antitudo. E visualmente ele parecia um punk ou uma estrela de rock, o que o tornava muito atraente”, disse Serebrennikov, quando lançou o longa em Cannes, em maio do ano passado.
O russo é conhecido por filmes em que fala sobre o seu país revisitando a trajetória de algumas personalidades importantes, mas mantendo uma certa liberdade criativa. Foi assim com “Verão”, de 2018, em que narrava a história da Kino, uma das bandas de rock que fizeram sucesso enquanto a União Soviética dava seus últimos suspiros, nos anos 1980.
E quando contou a história de Antonina Miliukova, em “A Esposa de Tchaikovski”, de 2022, livremente inspirado nos dramas da mulher de um dos maiores compositores russos, que sofria com a homossexualidade do marido.
“Para mim foi algo crucial que eu não precisasse seguir a vida de alguém real, mas a imaginação do Carrère e me basear na maneira como ele descreve esse personagem”, conta o cineasta, que herdou o projeto que era do polonês Pawel Pawlikowski logo depois que o diretor de “Ida”, de 2013, desistiu da empreitada.
“É um Limonov criado a partir dos livros que ele escreveu e de entrevistas que deu, mas é uma concepção nova. Então o filme é uma criação em cima de uma outra criação, e como eu tive liberdade de fazer artisticamente o que eu quisesse, aceitei dirigir”, diz.
Interpretado por Ben Whishaw, o Limonov do filme surge como uma espécie de dândi, mulherengo e sempre capaz de atitudes inesperadas. Como quando foi parar no apartamento de um milionário em Nova York, onde viveu como mordomo. Ou quando se envolveu sexualmente com um homem negro que conheceu na rua, relatando detalhes picantes da experiência em um dos seus livros.
“Quando conversei com Whishaw sobre o personagem, expliquei que estava fazendo um filme sobre uma espécie de fanfarrão russo. Um homem com mais de uma face, a pessoa que morre e renasce em uma nova couraça, uma nova encarnação, e depois inicia uma nova etapa da sua trajetória –uma nova vida, na verdade.”
O filme conta com trechos da vida de Limonov na Rússia natal, mas também na Nova York da década de 1970. A reconstituição de época dessa etapa americana foi o principal desafio, segundo Serebrennikov.
“Foi um dos pavores mais fortes da minha vida. Eu sei tudo sobre a Moscou de 1989. Mas o que sei eu da Nova York de 1974?”, reconhece. Após um trabalho de pesquisa intenso com imagens de arquivo, chegou a um resultado realista. Mas antes mesmo de filmar as cenas nova-iorquinas, o projeto quase foi cancelado.
“O set foi construído duas vezes, a primeira em Moscou, mas aí começou a guerra [com a Ucrânia] e deixamos a Rússia. Achamos que estava tudo perdido, o set era muito caro. De repente, depois de seis ou sete meses, os produtores voltaram ao projeto”, diz. O novo cenário foi reconstruído na Letônia, e o longa pôde continuar.
As dificuldades na Rússia o fizeram trocar o país pela Alemanha, ao menos por enquanto. “As pessoas procuram lugares onde possivelmente se sentirão mais felizes. Foi o que aconteceu comigo, deixei o país onde não posso trabalhar para outro onde tenho muito trabalho. E onde sigo abrindo portas.”
LIMONOV: O CAMALEÃO RUSSO

Fonte: FolhaPress

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