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Fintechs querem furar bolha do crédito com novo consignado privado, mas veem riscos operacionais

As fintechs -empresas que usam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais- querem furar a bolha do crédito de grandes bancos com o novo consignado privado, mas veem riscos na operação inicial que podem dificultar a adesão ao novo tipo de empréstimo.
As preocupações foram levadas a integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O tema é tratado com cautela pelas entidades que representam as fintechs para não prejudicar o lançamento, nesta quarta-feira (12), do novo modelo voltado para os trabalhadores com carteira assinada.
As fintechs pediram ajustes técnicos para evitar que o modelo comece com oferta menor de crédito ou até mesmo com taxas de juros mais altas. Elas também querem garantir condições justas de igualdade na disputa pelo mercado com os grandes bancos que já oferecem crédito consignado, como o Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander, BMG e Safra.
A concessão do crédito será feita pela plataforma do eSocial. É nesse sistema que as empresas registram as informações trabalhistas e previdenciárias dos seus empregados, como contribuições pagas ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), folha de pagamento e informações sobre o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Por essa plataforma, será feito o pagamento da prestação do empréstimo e o desconto ocorrerá diretamente no salário.
A principal preocupação das fintechs é com a necessidade do processo de escrituração manual no MVP (Mínimo Produto Viável) -a versão inicial do produto que contém apenas as funcionalidades essenciais para funcionar e ser lançado ao mercado.
Na implementação do novo modelo, o trabalhador fará a contratação no eSocial pelo aplicativo da Carteira de Trabalho Digital. A empresa do trabalhador vai receber uma comunicação informando sobre a contratação do empréstimo. A partir daí, a empresa terá que fazer a escrituração do empréstimo na sua folha de pagamentos para realizar o repasse do dinheiro. O repasse será feito na mesma guia que a empresa recolhe o FGTS do funcionário.
As fintechs veem risco na escrituração manual porque ela depende, na prática, de os RHs das empresas fazerem o processo, sem data fixa para o repasse. Se o empregador não fizer o procedimento, as fintechs consideram que há risco de não haver o repasse.
Um dirigente de uma entidade que representa o setor disse à reportagem, na condição de anonimato, que a operação manual poderá ter impacto na precificação do produto. Ou seja, nas taxas de juros que serão ofertadas ao trabalhador.
Ele defende que seja definida uma data fixa para o repasse e que o novo consignado já comece com todo o processo automatizado. O diagnóstico é que o processo exige muitas etapas não automáticas e, portanto, o risco de falhas é maior num cenário de larga escala de novos credores, como se espera com o novo consignado. De acordo com o dirigente, a chance de dar errado é grande sem a automatização.
Hoje, existem cerca de quatro milhões de consignados privados para cerca de 42 milhões de trabalhadores celetistas com potencial de acessar o novo produto, de acordo com dados do Ministério da Fazenda.
As fintechs também alertaram o governo para o risco de cobrança individual pela instituição e da necessidade de se começar o processo já com a garantia do FGTS.
Elas receberam a informação de que o MVP começará sem a garantia do FGTS, somente com a cobrança do desconto em folha salarial. A legislação hoje permite ao trabalhador oferecer até 10% do saldo do FGTS. Uma vez que o trabalhador perde o emprego, não há mais salário para ser descontado. O FGTS, então, ficaria como garantia.
Representantes das fintechs apresentaram sugestões ao governo para mitigar os problemas. Entre elas, criação de um fluxo automatizado de gestão de folha, centralização do processo de repasse e cobrança, definição de mecanismos para casos de inadimplência, pagamentos parciais ou atrasos, ampliação do escopo de dados compartilhados e portabilidade no âmbito do Open Finance -sistema do Banco Central que permite a clientes compartilharem informações de suas contas com diferentes bancos.
As empresas financeiras digitais avaliam que os grandes bancos, por já operarem o crédito consignado, possuem mais informações sobre esses trabalhadores, como histórico salarial, se tiveram débitos ou deixaram de honrar alguma parcela. Sem informações compartilhadas, a avaliação é que a disputa no mercado com oferta de taxas menores ficará aquém do que se espera.
Os representantes de bancos e fintechs receberam a informação do governo que o modelo entrará em funcionamento com o MVP, após a edição da MP (medida provisória), e depois, no dia 27 de abril, será feita uma nova rodada de melhorias do sistema, de acordo com pessoas do setor bancário a par do tema. Outras medidas de aprimoramento serão introduzidas à medida que a Dataprev consiga desenvolver o sistema.
Integrantes do governo têm argumentado às fintechs e aos bancos que a MP trará uma obrigação legal para fazer a escrituração do processo da consignação e repasse dos valores. Se as empresas não fizerem, estarão sujeitas à sanção e multa.
Os técnicos ponderam também que as empresas já conhecem o eSocial e irão incorporar logo os novos procedimentos nas suas operações. O governo também está em contato com associações de contadores e de empresas de softwares de gestão, os chamados ERPs (Planejamento de Recursos Empresariais), na tentativa de preparar os seus sistemas para fazer algum tipo de processamento mais automatizado.
Entre os bancos, a expectativa é a de uma disputa acirrada entre instituições públicas e privadas via taxas de juros menores na modalidade. A razão é que o relacionamento dos bancos com o setor privado é mais pulverizado -diferente do que acontece com servidores e aposentados em relação aos bancos públicos. Como antecipou a Folha de S.Paulo, não haverá teto de juros para o novo consignado.

Fonte: FolhaPress

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