Data Mercantil

Trump perde a chance de atrair mais apoio depois de aparente atentado

Candidato responsabiliza Biden e Harris e insiste na divisão, em contraste com a reação ao primeiro atentado, em julho

O que parece ser a segunda tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump em pouco mais de dois meses levanta questões sobre as consequências eleitorais do episódio, o aparato de segurança em torno do candidato, o ambiente de ódio que cerca a política americana e o acesso a armas de alto poder de fogo por pessoas com histórico de violência e visível desconexão com a realidade.

O FBI classificou a ameaça representada por Ryan Wesley Routh de “séria”. Ele ficou durante mais de 12 horas no perímetro do campo de golfo onde Trump jogou no domingo, com um fuzil automático com mira e mantimentos. Mas, segundo o Serviço Secreto, não chegou a ter o ex-presidente em seu campo de visão, o que pode ter evitado uma tragédia. Antes que isso acontecesse, um agente do Serviço Secreto visualizou seu fuzil entre arbustos, abriu fogo e Routh fugiu sem reagir, mas foi detido mais tarde.

Em entrevista à Fox News Digital, Trump responsabilizou o presidente Joe Biden e a vice Kamala Harris, sua adversária, pelas tentativas de matá-lo. Segundo ele, o suspeito “acreditava na retórica de Biden e Harris, e agiu com base nela”. O ex-presidente acrescentou: “A retórica deles é a causa de atirarem em mim, quando eu sou a pessoa que vai salvar o país, e eles são os que o estão destruindo – por dentro e por fora. Eles são a ameaça real”.

Trump aparentemente não consegue evitar adotar o comportamento que ele atribui a seus oponentes. Em contraste, Biden e Harris condenaram imediatamente a tentativa de atentado. O presidente ordenou que o Serviço Secreto forneça a Trump toda a segurança de que necessite e pediu ao Congresso que aprove mais verbas para o órgão. Harris declarou: “Estou contente que ele esteja a salvo. A violência não tem lugar na América”.

O primeiro atentado, no dia 13 de julho, foi bem mais grave: Trump foi atingido de raspão na orelha por um tiro de fuzil. Entretanto, adotou atitude bem diferente, pedindo a união do país. Uma semana depois, a Convenção Republicana foi energizada pelo atentado e pelo discurso de Trump. Ele mobilizou a base em torno de sua candidatura, o que é necessário, mas não suficiente. O ex-presidente, segundo as pesquisas, não conseguiu consolidar o apoio dos moderados de que precisa para vencer, sobretudo nos seis ou sete estados-pêndulo que decidirão essa eleição.

Talvez o fato de ter perdido o favoritismo que parecia ter diante de Biden explique, em parte, a mudança de reação de Trump a esse novo atentado. Paradoxalmente, a reação mais agressiva pode prejudicá-lo mais do que ajudar: os moderados rejeitam o perfil beligerante do ex-presidente.

Quem gosta desse perfil é a base trumpista, mas ela já está conquistada. Por não conseguir adotar uma atitude mais conciliatória, o ex-presidente parece ter alcançado um teto, em torno dos 45% dos votos. Ele já declarou que pode haver um “banho de sangue” se não ganhar, que não aceitará a derrota, que será um “ditador no primeiro dia” e que os eleitores “não precisarão mais votar”, se o elegerem.

Biden, Harris e outros líderes democratas têm de fato caracterizado Trump como uma ameaça à América, sobretudo depois da invasão do Capitólio, no dia 6 de junho de 2021. Em seguida a um comício em Washington no qual o então presidente os convocou a caminhar até o Congresso para interromper a sessão de certificação da vitória de Biden, seus seguidores fizeram precisamente isso, ameaçando matar o então vice-presidente Mike Pence, que presidia a sessão, e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

Esse tipo de retórica é adotada por outros aliados importantes de Trump, como o dono do X, Elon Musk. “E ninguém está sequer tentando assassinar Biden/Kamala”, postou ele na própria plataforma, para seus quase 200 milhões de seguidores. Ao final da frase, ele colocou o emoji de uma carinha com uma sobrancelha erguida, como quem está intrigado.

O tuíte provocou protestos tanto de republicanos quanto de democratas. Musk o apagou a disse que tinha feito uma piada.

O suspeito desse novo atentado, Ryan Routh, de 58 anos, tem algo em comum com o autor do atentado anterior, Thomas Matthew Crooks, de 20 anos. Crooks, que foi morto depois de atirar contra Trump, era registrado como eleitor republicano, mas aparentemente se desiludiu com Trump.

Routh publicou no Twitter em 2020 que votou em Trump em 2016, mas que ele “e o mundo” tinham se “desapontado” com o então presidente. Em 2019 e 2020, ele doou pequenas somas para campanhas democratas, assim como Crooks doou para uma entidade democrata que mobiliza eleitores a sair para votar. Routh disse que o slogan de Trump devia ser “faça os americanos escravos de novo”.

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, Routh se tornou obcecado por ajudar os ucranianos. Ele foi para Kiev e tentou se alistar, mas foi rejeitado por causa da idade. Prometeu recrutar combatentes no Afeganistão para lutar contra os russos, mas não foi levado a sério, até porque, para quem conhece o Afeganistão, não fica claro onde ele poderia conseguir esses combatentes.

Routh implorou no Twitter a Biden que “enviasse todas as armas que pudesse para a Ucrânia”. Trump e outros republicanos que ele lidera se mostram céticos a essa ajuda, e a bloquearam durante oito meses no Congresso. No debate da semana passada, o candidato republicano se negou a responder se desejava a vitória da Ucrânia: “Só quero que a guerra acabe”.

Routh chegou a prometer no Twitter ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, enviar “milhares de civis para se juntar à sua luta”. Mitômano, ele fez também uma série de tuítes convidando o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, a visitar o Havaí, onde ele mora e trabalha na construção civil como empreiteiro de pequenas obras.

Routh foi preso e condenado em 2002, em Greensboro, na Carolina do Norte, seu estado natal, depois de ser parado por uma policial em um controle de trânsito. Ela viu que ele tinha uma arma no carro. A policial sacou sua arma e ele fugiu para a loja que tinha, onde ficou entrincheirado, com uma metralhadora, até ser rendido pelas autoridades.

O fato de uma pessoa como essa ter acesso a um fuzil automático diz muito sobre o sistema de controle de armas nos Estados Unidos. O mais irônico é que Trump e os republicanos bloqueiam no Congresso a adoção de regras mais rígidas sobre o acesso a armas de uso pessoal.

Fonte: CNN

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