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A revolta do clima: como queimadas, seca e enchentes afetam o PIB

Os eventos climáticos que cortam o Brasil de norte a sul levantam discussões diversas. Socialmente é uma tragédia, do ponto de vista do Meio Ambiente, as perdas são irreversíveis, mas, e quando falamos de economia? Como as queimadas em São Paulo e no Pantanal, a estiagem no Amazonas e as enchentes no Rio Grande do Sul afetam o crescimento brasileiro?

Em uma análise conservadora à IstoÉ Dinheiro, a Oxfam estimou perdas entre 0,6 a 0,8 ponto percentual do PIB a depender da força das tragédias e capacidade pública de reparação já em 2024. E os efeitos econômicos são variados:

• De forma imediata, afetam o preço dos produtos da cesta básica, aumentam os custos com seguros bilionários, prejudica as indústrias, inibe vendas.

• No médio prazo, exigem mais gastos com saúde pública, com transferência de renda emergencial, com a construção de novas moradias.

• No longo prazo, e aí com um valor inestimável e resultados ainda imprevisíveis, tem o custo do que a ciência chama de o grande filtro. Um evento futuro, sem mensuração viável, que pode barrar uma espécie de continuar existindo.

Mas antes que tais mudanças em escala apareçam, é preciso fazer os cálculos do que acontece aqui, e agora. As queimadas em São Paulo, parte do Centro-Oeste e região Norte terão um impacto direto na economia brasileira. Segundo o governador do Estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas, o custo inicial estimado de reparos das áreas afetadas é superior a R$ 1 bilhão.

“É devastador o que aconteceu, Estamos prontos para dar o apoio para o agronegócio. Vamos fazer os cálculos, juntar os cacos e, junto dos produtores e entidades, dar as mãos para superar este momentos juntos”, afirmou ele.

Só na onda de incêndios em São Paulo que ocorreu entre os dias 18 e 28 foram abertas 30 investigações, entre elas de incêndio criminoso, facilitação ou conivência. Apesar de quatro pessoas já terem sido detidas, ainda não há acusações formais sobre os crimes.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Crédito:Divulgação)

Depois de apagar o incêndio, é preciso ver o rastro da tragédia. E isso envolve diretamente o agronegócio. As culturas com impactos mais marcantes, neste momento, são o arroz (cuja safra já vinha prejudicada após as enchentes no Rio Grande do Sul), feijão e leite, e de um modo mais duradouro que apenas uma safra ruim.

Segundo Gustavo Defendi, sócio-diretor da Real Cestas, empresa que vende itens de necessidade básica em grande escala, o desmatamento desenfreado e as queimadas descontroladas afetam negativamente a fertilidade do solo, a disponibilidade de água e o equilíbrio climático, afetando os custos de produção.

“Nesse ritmo, corremos o risco de enfrentar sérios problemas na produção de alimentos essenciais, o que afeta diretamente os preços e a disponibilidade dos itens da cesta básica”, alerta.

Recuperação de áreas atingidas estimada em mais de R$ 1 bi pelo governo paulista

Só em São Paulo, historicamente, agosto tem cerca de 900 focos de queimadas, segundo o Inpe. No entanto, neste ano, registrou-se no período, até o momento, aproximadamente 3.500 focos de queimadas, sendo que 2.200 deles ocorreram entre 23 e 25 de agosto.

A estimativa do governo do Estado é que 60 mil hectares de áreas foram queimadas. para Samuel Isaak, analista de commodities da XP, durante o Morning Call da XP, afirmou que, apesar do foco em São Paulo, ainda é difícil mensurar o impacto da safra em todo o Brasil.

“É preciso identificar o quanto dessas áreas queimadas não vão conseguir ser colhidas a tempo”, afirma. Além disso, continua o especialista, “essa queima acaba criando uma redução do potencial de açúcar que pode ser usado como etanol ou produto refinado. Depois da queima, ela perde um pouco de qualidade para produção de açúcar e acaba produzindo mais etanol.”

Pantanal

Também com impacto direto do clima os eventos da natureza no Pantanal estão 40% mais intensos este ano. Isso significa queimadas, estiagem, perda de fauna e flora e efeitos diretos no clima do resto do País. Segundo Filippe Lemos Maia Santos, cientista brasileiro que faz parte dos estudos do World Weather Attribution (WWA) ainda há mais problemas pela frente.

“Os incêndios no Pantanal deste ano têm o potencial de se tornarem os piores de todos. Esperam-se condições ainda mais quentes ao longo deste mês e dos próximos meses, e há uma ameaça considerável de que os incêndios possam queimar mais de três milhões de hectares”, disse.

71%
foi o quanto cresceu a área queimada no Patanal em junho de 2024 em relação a junho de 2023
20%
é o quanto o pib do rio grande do sul deve encolher em 2024 durante a pior crise ambiental da sua história

O Pantanal brasileiro, maior pântano tropical do mundo, só em junho, tem estimativa de 440.000 hectares queimados, quebrando o recorde de junho de 2023 de 257.000 hectares e a média histórica para o mês de junho de 8.300 hectares. O pico da temporada de incêndios ocorre em agosto e setembro.

Segundo Roop Singh, Chefe de Urban e Attribution no Red Cross Red Crescent Climate Centre, o cenário é devastador. “O Pantanal enfrenta um futuro em chamas. As condições climáticas que impulsionam os incêndios florestais continuarão a acelerar até que o mundo pare de queimar combustíveis fósseis e alcance emissões líquidas zero.

Barcos na Marina do Davi (AM) na maior seca em 121 anos (Crédito:Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Enchente em Porto Alegre na pior crise ambiental do RS (Crédito:Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
Brigadistas do ICMBio combatem fogo nas margens do rio Cuiabá (MS) (Crédito:Joédson Alves/Agência Brasil)
Queimada em São Carlos (SP) no mês de agosto (Crédito:Lourival Izaque)

Norte a Sul

As queimadas em São Paulo vão impactar produção estadual de arroz, feijão, leite e açúcar, com consequências sobre os preços dos alimentos.

No estado mais úmido do Brasil, outra tristeza. A Bacia do Rio Amazonas enfrenta um cenário de grande seca e algumas regiões podem registrar cotas mínimas históricas. De acordo com projeções do Serviço Geológico do Brasil (SGB), há 65% de probabilidade do Rio Solimões chegar à menor cota já observada em Tabatinga (AM), abaixo da marca de -86 cm, de 2010.

O Rio Negro, em Manaus, tem 16% de probabilidade de ficar abaixo da mínima histórica.“A climatologia indica que os prognósticos de chuva não são favoráveis. Portanto, consideramos o avanço das descidas até outubro para calcular a probabilidade”, diz André Martinelli, gerente de hidrologia e gestão territorial da SUREG-AM.

Segundo o governo do Estado do Amazonas, 287 mil pessoas foram afetadas pelas secas e 20 municípios estão em estado de emergência. Paralelamente à crise de seca, o Amazonas enfrenta um aumento preocupante no número de queimadas. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 7.130 focos de incêndio no último sábado (24), um aumento de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior.

As enchentes que mudaram o cenário do Rio Grande do Sul também cobrarão seu preço. Ainda que a economia tenha reagido em âmbito nacional, com crescimento acumulado de 1,4% em junho, segundo estimativas do Banco Central, no estado o cenário é outro. Com custos estimados em R$ 20 bilhões, e uma redução de 20% no PIB do estado, a situação é crítica.

Segundo o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, os impactos ainda não são totalmente mensuráveis, e a economia local seguirá abalada por mais alguns anos. “Algumas semanas são capazes de mudar a trajetória de um estado inteiro”. E essa fala, dizem os cientistas da teoria do grande filtro, é o que explica as grandes extinções.

Fonte: IstoéDinheiro

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